EDITORIAL
Cristina Ferreira será presidente da câmara de Mafra?
O Jornal de Mafra completa hoje 5 anos de notícias, de reportagens, de comentário politico plural, de crónicas poéticas e literárias, 5 anos de cidadania sob a forma de jornalismo regional. 5 anos a fazer diferente, 5 anos de muitas dificuldades e de muito prazer também.
Como sabem todos os que, província fora, se dedicam a esta tarefa de levar a notícia mais longe, as câmaras municipais, por razões que havemos de discutir um dia destes, são a principal fonte de notícias com origem na sua área geográfica.
Em 2014, poucos meses antes de o Jornal de Mafra iniciar a sua publicação, aproveitando o final de uma sessão da Assembleia Municipal de Mafra, dirigi-me ao atual presidente da câmara de Mafra, à altura, também presidente da comissão política do PSD, partido com maioria absoluta no concelho, com quem, até esse momento, nunca tinha trocado impressões, e anunciei que dentro em breve iria ser criado um novo jornal local, e que, sendo ele também presidente da comissão política concelhia do PSD, o maior partido do concelho, gostaria de o convidar para, nessa qualidade, assumir uma coluna de opinião no Jornal de Mafra, representando aí a visão social-democrata do concelho de Mafra. Foi o primeiro convite que fizemos em nome do JM. Continuamos a aguardar resposta a este convite que formulámos em 2014.
O Jornal de Mafra fez depois o mesmo convite a personalidades locais representativas de todas as outras forças políticas representadas na Assembleia Municipal, todos eles aceitaram. Ao longo dos anos fomos tentando encontrar personalidades próximas do PSD local, capazes de aceitar uma coluna de opinião no jornal, mas até ao momento, por desinteresse, por alegada falta de tempo, por receio ou por simples boicote, ninguém do PSD teve a coragem de se chegar à frente. Se conhecerem alguém sem medo, capaz de representar as posições social-democratas nas colunas de opinião do JM, digam-lhe que tem aqui uma coluna à sua espera.
Que grau de confiança devemos atribuir, a partir daqui, às informações oriundas da Câmara de Mafra?
Não diremos nada de novo, se afirmarmos que, em todas as latitudes e com qualquer cor que o poder assuma, um dos seus desígnios passa por tentar controlar e domesticar a comunicação social, oferecendo espaços, facilitando acesso à publicidade ou pressionando as agendas.
A relação institucional entre o PSD, a Câmara de Mafra e o Jornal de Mafra foi sempre tensa. O PSD Mafra está no poder, legitimamente, há 40 anos. A maior parte das instituições, associações, grupos de pressão, grupos de interesses, direções de coletividades, direções de escolas, direções de grandes empresas e cooperativas, bem como quase todos os órgãos políticos locais, estão nas mãos de militantes ou simpatizantes do PSD. Nada de novo, o mesmo sucede, sucedeu e sucederá, sempre que uma região seja governada pela mesma entidade política, seja ela qual for, durante 40 anos.
Esta tensão entre as duas entidades foi sendo marcada por vários episódios, que decidimos agora tornar públicos, tendo em consideração as grandes dificuldades que esta situação tem representado, sobretudo no acesso à informação por parte do Jornal de Mafra.
Recordamos as várias vezes que pedimos entrevistas ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mafra, titular de cargo político, sendo que alguns destes pedidos foram recusados, enquanto outros ficaram sem resposta, como por exemplo este pedido mais recente, datado de 07-07-2019 18:24:
Eximo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mafra,
A inscrição do Real Edifício de Mafra na lista do Património Mundial da UNESCO, que hoje teve lugar constitui, de algum modo, um bom “leitmotiv” para o pedido de entrevista que aqui formalizamos. Este seria, naturalmente, um excelente tema de estrada para a primeira entrevista do atual Presidente da Câmara de Mafra ao Jornal de Mafra.
A meio do seu segundo mandato à frente da edilidade, esta entrevista poderia também constituir um excelente momento de balanço político, bem como um ensejo para dar a conhecer aos munícipes os planos gizados para o resto do mandato e para aquele que se lhe há de seguir.
Sublinhamos que este pedido não foi sequer dirigido a um dirigente partidário, ou a uma personalidade singular, mas sim a um político eleito, pago por impostos; o próprio Código Administrativo, lei da República, exige que o titular dê resposta, instituindo mesmo um prazo. No entanto, deste lado, continuamos a aguardar resposta a este pedido de entrevista, mas pelo “andamento da carruagem”, estamos seguros de que continuaremos a esperar, sentados.
Passemos agora a outro episódio, que se conta assim: numa sessão pública da Câmara Municipal de Mafra – só há dois órgãos de comunicação social (OCS) que consideram as reuniões da CMM como eventos merecedores de noticia, são eles a agência noticiosa nacional, Lusa, que assiste a duas ou três reuniões por ano, e o Jornal de Mafra, que raramente falha – na sessão em causa, foram anunciadas as personalidades que iam ser galardoadas nesse ano, com as medalhas de mérito municipal. Um dos galardoados foi um conhecido surfista com ligações desportivas ao concelho. Terminada a reunião, já na redação, recebemos um telefonema de um vereador que, a pedido do presidente da câmara, me pede que embargue a notícia, até que o senhor presidente informe o referido surfista, de que aquela distinção lhe tinha sido concedida. Sendo este tipo de pedido relativamente comum ao nível da comunicação social, decidi atender ao pedido, desde que o senhor presidente acedesse a conceder ao JM, aquela que legitimamente pretendíamos que viesse a ser a sua primeira entrevista ao Jornal de Mafra. Informado o sr. presidente, este mostrou-se de acordo. Continuamos a aguardar a marcação desta entrevista, mas pelo “andamento da carruagem”, estamos seguros de que continuaremos a esperar, sentados.
Nestes 5 anos de vida do JM registam-se duas queixas na ERC (Entidade reguladora da comunicação social), uma com origem do Jornal de Mafra contra a câmara de Mafra, e outra em sentido inverso.
Para onde mais, encaminhará a Câmara Municipal de Mafra os nossos emails?
Da queixa do Jornal de Mafra, relativa aos muitos problemas de acesso à informação (problemas que subsistem e que estão na base deste editorial), realçamos o seguinte passo da decisão da ERC:
“[…] Recomendar à Câmara Municipal de Mafra que, na medida do possível e sem qualquer discriminação, divulgue junto dos órgãos de comunicação social os vários eventos que decorrerão sob organização da autarquia, reforçando as garantias do direito à Informação”.
A queixa apresentada pela câmara surge mais tarde, na sequência de uma notícia onde dávamos conta de uma intervenção da polícia judiciária junto da empresa municipal, GIATUL. A CMM apresentou uma queixa contra o JM, queixa da qual a ERC não pôde tomar conhecimento, uma vez que esta queixa, embora mediada do lado da câmara, por um grande escritório de advogados de Lisboa (contra um jornal que em termos financeiros “não tem onde cair morto“, como acontece com grande parte da imprensa regional portuguesa), foi apresentada fora do prazo.
Há muitos outros episódios, igualmente merecedores de referência, que podíamos aqui referir, mas isso tornaria infindável este editorial já demasiadamente extenso. Assim, referiremos um último episódio, muito recente, ainda em curso, o episódio cujo peso adicional constituiu a razão próxima para este editorial, que ao longo destes cinco anos, sempre evitámos ter de dar à estampa.
Será este o tempo de matar a política, o tempo de Cristina Ferreira começar a preparar a sua candidatura à presidência da República de Mafra?
Meses depois de instalado, o novo e moderno aparelho de raios X do novo centro de saúde de Mafra continua inoperacional. Pela vila corria a informação de que esta inoperacionalidade resultaria de um grave erro de construção do centro de saúde, que não teria considerado a necessidade de blindar a sala onde o aparelho funciona, blindagem necessária para proteger todos os que operam com o aparelho.
O Jornal de Mafra fez então aquilo que qualquer órgão de comunicação social faz nestas circunstâncias, contactámos as entidades envolvidas e pedimos os necessários esclarecimentos. Uma das entidades contactadas foi, naturalmente, a Câmara Municipal de Mafra (CMM), entidade que cofinanciou a obra e que, presumivelmente, a licenciou. Colocámos à CMM três questões:
- A reconhecida inoperacionalidade do novo aparelho de raios X da Unidade de Saúde Mafra Norte resulta de um erro de construção, que terá ocorrido quando não se teve em conta a necessidade de uma adequada blindagem da fonte, com um material protetor?
- A quem (técnico e/ou entidade e/ou empresa) coube a fiscalização da obra, na parte referente à necessidade de assegurar a instalação da necessária blindagem do aparelho emissor de raios X?
- A quem (técnico e/ou entidade e/ou empresa) coube a execução do projeto da parte da obra referente à instalação da necessária blindagem do aparelho emissor de raios X?
Ao nosso pedido de esclarecimentos, respondeu a Câmara Municipal de Mafra, nos seguintes termos:
“Acusamos a receção do vosso mail, o qual reencaminhámos para o Senhor Diretor Executivo do ACES Sul, por se tratar de assunto técnico que se encontra sob a alçada da ARS“.
Em resumo: uma entidade pública, neste caso, uma câmara municipal – nem interessaria aqui, saber qual, – recebe um pedido de esclarecimentos de um OCS e, sem o consultar, reencaminha o email e o seu conteúdo, para outra entidade à sua escolha, sem saber se o OCS pretende obter aquelas respostas, daquela entidade. Desconhecendo que, como é natural, o Jornal de Mafra já tinha contactado, embora com outro tipo de questões, o Diretor Executivo do ACES Sul e também a ARSLVT (Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo), as duas outras entidades com interesses neste caso.
A questão que colocamos agora é a seguinte: para onde mais, encaminhará a Câmara Municipal de Mafra os nossos e-mails sem nos dar conta prévia disso?
No entanto, muito mais grave, na nossa perspetiva, será o facto de, ao contrário do que se pode ler no email da CMM acima citado, nunca o nosso email ter sido efetivamente recebido pelo Senhor Diretor Executivo do ACES Sul, como já tivemos ocasião de confirmar junto do próprio. A partir daqui, a questão a colocar passa a ser a seguinte: que grau de credibilidade jornalística devemos atribuir, a partir daqui, às informações que cheguem ao JM oriundas da Câmara de Mafra?
Pedimos entretanto à CMM, que nos desse acesso aos documentos administrativos, que tiver em seu poder e que sejam relativos a este caso. Continuamos a aguardar resposta a este pedido que formulámos, e pelo “andamento da carruagem”, estamos seguros de que continuaremos a esperar, sentados, pelo menos, de resto, como já tivemos de fazer numa ocasião anterior, até recorrermos à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, uma entidade que funciona junto da Assembleia da República.
Que duas entidades – a Câmara de Mafra e o PSD Mafra – estranhem o modo de atuação do Jornal de Mafra na procura da verdade jornalística, no questionar constante de quem exerce o poder, na procura de respostas, na investigação jornalística, isso, achamos estranho
Entendemos que o poder executivo da Câmara Municipal de Mafra esteja demasiado familiarizado com OCS mais interessados em divulgar festas populares, manifestações religiosas e futebol, mais vocacionados para produzir informação com o menor gasto de energias possível, alguns deles, alojados mesmo em instalações municipais. É uma opção compreensível, compreensível quer do ponto de vista da gestão política da edilidade, quer mesmo, mas por outras razões, do ponto de vista das direções de alguns dos órgãos de comunicação social a exercer atividade no concelho, mas o facto de compreendermos a facilidade da coisa, não significa que estes comportamentos devam merecer aplauso, ou não prejudiquem quem se vê obrigado a exercer a sua atividade em desleais condições de concorrência.
Que duas entidades – a Câmara de Mafra e o PSD Mafra – estranhem o modo de atuação do Jornal de Mafra na procura da verdade jornalística, no questionar constante de quem exerce o poder, na procura de respostas, na investigação jornalística, isso, achamos estranho.
Achamos estranho que uma personalidade como Hélder Silva, presidente da edilidade, que desde há muitos anos vive política todos os dias, que gosta de política, que faz da politica profissão, que foi deputado da república, que é presidente nacional dos autarcas social-democratas, que tem ambições politicas a nível nacional, achamos estranho que alguém com estas caraterísticas, se sinta ameaçado, ou que não se sinta preparado para responder em entrevista às perguntas do Jornal de Mafra e tenha evitado essas entrevistas a todo o custo.
Não será que a função da comunicação social é mesmo essa, interrogar, por em causa, investigar, ser incómoda?
A um olhar pouco avisado, parecerá que o Jornal de Mafra estará ao lado das oposições, em função das questões que levanta e da investigação jornalística que desencadeia e que mais ninguém, no concelho, tem vontade/coragem de fazer. Estaremos perante personalidades políticas que não vêem televisão, não lêem o “Observador”, não seguem os programas de Sandra Felgueiras ou as intervenções de José Eduardo Moniz, nem entendem a acutilância de José Gomes Ferreira quando entrevista o primeiro ministro? Serão todos estes, gente filiada no PSD, para além de serem uns grandes malandros, pouco profissionais, que estão ao serviço das oposições ao governo? Ou será que, na realidade, a verdadeira função da comunicação social é mesmo essa, interrogar, por em causa, investigar, ser incómoda.
Finalmente, será bom que se compreenda, de uma vez por todas, que quando se olha para a realidade sob o ponto de vista jornalístico, o foco está sempre em quem tem o poder de fazer, estejam os detentores dos poderes corados de laranja, de rosa, de vermelho ou de azul.
Hélder Silva é militante de um partido político, legitimamente, mas o Presidente da Câmara de Mafra é presidente de todos os mafrenses, legitimamente. Não será chegado o momento de olhar de frente para tudo isto e assumir-se finalmente uma postura política democraticamente assertiva, tratar todos os OCS de forma equitativa e considerar a imprensa como uma peça fundamental do desenvolvimento do concelho? Ou será este, o tempo de matar a política, o tempo de Cristina Ferreira, uma mulher do entretenimento, começar a preparar a sua candidatura à presidência da Câmara de Mafra?
Finalmente, e para sermos claros, a análise que este editorial encerra não tem nada de pessoal, não é contra nem a favor de ninguém, seja uma personalidade ou uma entidade. Este é o editorial que eu, diretor de um jornal, mas também cidadão e contribuinte, preferia não me ter visto obrigado a escrever, mas que acabei por escrever, na perspetiva de que possa contribuir para trazer as relações entre as duas entidades, para um nível de entropia suportável em termos, mais que não seja, de cidadania e de um equilibrado exercício de direitos e deveres.
Paulo Quintela
Diretor do Jornal de Mafra
Atualizado a 14-10-2019 às 10:33, substituindo “Fátima Felgueiras” por “Sandra Felgueiras”
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