Os Sinos da minha Vila (Vida)
Das muitas formas de fazer política tem vindo a ganhar terreno a política do ‘sound bite’, talvez a forma mais fútil de afirmação de uma posição ou proposta política. Uma frase curta que não exceda 30 segundos e aí está o político a explicar de forma simples o que lhe é difícil de explicar por não dominar os fundamentos de prova.
Esta ‘política de sound bite’, surge sempre de forma descontextualizada para ter inúmeras interpretações, tão superficiais quanto o que pretende dizer, e pelos seus ganhos fátuos, levou a que a produção séria de propostas políticas esteja a ser absorvida pelo ruido troiano que se sente, se ouve mas não se sabe explicar. Nessa altura surge a comunicação social a amplificar o ruido e porque o que vende é a sensação, uma habilidade semântica colhe de imediato o direito a tempo de antena numa qualquer televisão ou cabeçalho de jornal e em galope largo incendeia as redes sociais onde os valentes do teclado se insultam de forma primária. Por outro lado, a ideia ou proposta devidamente consolidada em argumentos intelectualmente honestos é expurgada liminarmente, diria até, por vezes censurada.
Vem isto a propósito de no início do ano, se ter assistido em Mafra a um duelo entre o executivo e a oposição sobre os famosos Carrilhões. Durante Fevereiro e Março o tempo foi muitíssimo agreste. Chuvas torrenciais acompanhadas de vento forte foram uma constante por todo o país. A agenda política estava vazia, a reversão das águas em banho-maria (como se encontra hoje) e, talvez com alguma informação privilegiada, a oposição no executivo decidiu que os carrilhões iriam cair. Foi o rastilho para uma batalha campal sobre o assunto. Num repente, surgiu por parte do executivo camarário um amor ‘paternal’ pelos carrilhões, enquanto a oposição se desdobrava em visitas e comunicados e a comunicação social local, TVs incluídas, competiam com as nacionais nas notícias mais alarmistas sobre a iminente queda de sinos.
Surgiram amores insuspeitados de figuras públicas que em apontamentos televisivos, tentavam explicar aos ‘pobres mafrenses’ o valor incalculável dos ditos carrilhões e como seria importante cerrar fileiras contra os ‘incultos’ que por desleixo ou incúria ‘ajudavam os ventos a soprar contra os torreões’. Porque alguns sinos atingiam as 12 toneladas de peso e estavam muito altos foi instalada uma tímida zona de proteção feita com baias tubulares e fita plástica que em nada protegia nem evitava que os visitantes mais jovens da Basílica e do Palácio a invadissem. A 14 de Março todo o perigo se extinguiu ao ser assinada a portaria que desbloqueava os 1,5 milhões para as obras. Terminou esta batalha com ambos os beligerantes a cantarem vitória. Calaram-se as partes, as notícias extinguiram-se, a zona de proteção encolheu, o perigo feneceu e agora que as obras estão a decorrer apenas um órgão de comunicação social vai relatando o que por lá se passa.
No passado sábado dia 13, Portugal foi assolado por uma tempestade, o Leslie, anunciada pela comunicação social e proteções civis. Previam-se ventos da ordem dos170 a 200 Km/h, mais do dobro das velocidades ocorridas em Março. O que iriam dizer e fazer quem de direito em Mafra relativamente aos sinos? No fundo, tirando alguns sinos pequenos já desmontados na torre norte, todos os outros estão como estavam no início do ano, A torre sul nem andaime tem montado. Mas nada se fez porque nada havia para fazer. Prova provada que todo o barulho de meses atrás não tinha passado de inúteis ‘sound bites’. São situações destas que vão descredibilizando quem utiliza estes métodos.
Existe uma espécie de preguiça política para a fundamentação; a desculpa é que não há tempo para refletir sobre o que se diz, não há tempo para refletir sobre o que se disse e é preciso dar opinião, ‘marcar a agenda’. É o impulso de ter comunicação e feedback instantâneos. E um mau instantâneo é uma fotografia tremida!
Mafra, 16 de Outubro de 2018
Mário de Sousa