OPINIÃO POLÍTICA | Mário de Sousa (CDS-PP) – O Nosso ‘Patinho Feio’

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O Nosso ‘Patinho Feio’

 

“No dia em que uma estátua é acabada, começa, de certo modo, a sua vida. Fechou-se a primeira fase em que, pela mão do escultor, ela passou de bloco a forma humana; numa outra fase, ao correr dos séculos, irão alternar-se a adoração, a admiração, o amor, o desprezo ou a indiferença, em graus sucessivos de erosão e desgaste, até chegar, pouco a pouco, ao estado de mineral informe a que o seu escultor a tinha arrancado.” i … escreveu Marguerite Yourcenar em O tempo esse grande escultor.

E estas palavras podem ser utilizadas em qualquer criação do Homem quando este se pretende projetar no Tempo e vieram-me à lembrança, agora que o Palácio Nacional de Mafra com o seu Convento, Jardim do Cerco e Tapada foram classificados Património Mundial da UNESCO. Passados 300 anos sobre o início da sua construção fechou-se a ‘primeira fase’ em 1735 e daí para cá, foi adorado e admirado, amado e desprezado; só não conseguiu a indiferença de quem tenha estado na sua presença.

Thomas Pitt que visitou Mafra em 1760 escreveu: “A estrada até Mafra… é extremamente desagradável, sobre pavimento acidentado, por terras estéreis… . A aldeia é pequena e pobre, com uma estalagem miserável fica no caminho do grande edifício; e o terreno em volta nunca ficou pronto. …\… A fachada que se estende em 3 níveis de 13 janelas de cada lado, …\… é rematada por estuque amarelo que desgraça a aparência da frontaria e lhe dá um ar de pobreza e vulgaridade.” ii

Maria Ratazi de seu verdadeiro nome Maria Letícia Studolmina (1833-1902) escreve que “… é preciso nunca ter visitado a Europa para se dizer que Mafra é um dos seus mais belos monumentos.” iii

Nada faltava de feio ao nosso Palácio até aparecer Laura Permont mulher do General Junot conhecida por Marquesa de Abrantes (1785-1838) que escreve “… Mafra, onde se situa o mosteiro real, convertido em local de libertinagem, ….” Madame Permont mostrava desta forma o seu desprezo pelo monumento e pelas suas gentes. iv

Lord Byron com algum humor ‘britânico’ adoça o comentário “… Mafra onde viveu noutro tempo a infeliz rainha de Portugal, onde as vestes da igreja se confundiam com as galas da côrte, onde se alternavam missas e festins; e ora se viam nobres ora se viam frades estranha salsada, penso!” v

Atanásio Raczynski desabafava quanto ao palácio “…é imenso, mas deserto e silencioso …\…  além de ter …\… um aspecto bolorento.” vi

Só William Beckford tinha simpatia pelo nosso ‘patinho feio’. Dizia ele: O Convento “semelhava o palácio encantado de um gigante…” tendo sentido “uma grande impressão de prazer e surpresa…\… nunca tinha visto uma tal profusão de belos mármores resplandecendo por cima , por baixo e em torno de mim.” e por fim classifica o zimbório entre os mais “elegantemente proporcionados da Europa” vii

Foi sempre assim o nosso ‘patinho feio’! Nunca ninguém ficou indiferente perante a sua beleza peculiar. Aprendi a admirá-lo pela mão de duas pessoas que me são gratas: a Dra. Margarida Montenegro e o Dr. Mário Pereira. A ele devo a mais extraordinária definição deste monumento: “…o belo do monumento, são os seus pormenores, as suas soluções arquitetónicas”. É verdade, tal como as pessoas, só conhecendo e respeitando o Real Edifício poderemos atrasar o processo “…de erosão e desgaste, até chegar, pouco a pouco, ao estado de mineral informe a que o seu escultor a tinha arrancado.”. O acto da criação termina sempre no barro!

Foi este ‘patinho feio’ que na sua 43ª Sessão o World Heritage Committee nomeou para a Lista do Património Mundial da UNESCO, embora a lista das recomendações seja extensa e nalguns casos difíceis de conseguir. Este documento poderá ser consultado em: https://whc.unesco.org/archive/2019/whc19-43com-8B-en.pdf, págs. 4 e 45.

A nomeação do conjunto Palácio, Convento, Jardim do Cerco e Tapada esteve em risco devido a deficiente informação e caracterização da Tapada, estranhando o ICOMOS que os poderes instituídos não se entendam. É o que acontece quando os interesses partidários e ideológicos se sobrepõem aos interesses nacionais. O documento ‘Factual Errors’ é esclarecedor sobre as razões desta situação periclitante e que poderia ter deitado por terra o esforço de todas as equipas que colaboraram nesta candidatura. O documento referido poderá ser consultado em: https://whc.unesco.org/archive/2019/whc19-43com-inf8B4-en.pdf págs. 96 a 106.

Mas ganhámos e Mafra está de parabéns! Pessoalmente, faço votos para que esta nomeação seja o início de uma reconciliação entre as boas gentes deste concelho de Mafra e o seu Palácio ou Convento, ou como lhe queiram chamar porque o importante é que dele falem e dele se apropriem. É sem dúvida uma semana para guardar e recordar.

Mafra, 10 de Julho de 2019
Mário de Sousa

Yourcenar, Marguerite, O Tempo esse grande escultor, Lisboa, DIFEL Difusão editorial, Lda., 1983, p.49
ii Pitt, Thomas, Observações de uma viagem a Portugal e Espanha (1760), Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico, 2006, p..120
iii Gandra, Manuel J., O Monumento de Mafra visto por estrangeiros (1716-1908),Mafra, Camara Municipal de Mafra., P.88
iv Ibidem p.36
v Ibidem p.132
vi Ibidem p.234
vii Ibidem p.112


Pode ler (aqui) os outros artigos de opinião de Mário de Sousa.


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