Portugal é um país de características particulares. Não me refiro ao clima, às praias ou à gastronomia. Refiro-me à nossa capacidade de não querer ver, procurar não ouvir e falar muito, de preferência mais alto que os parceiros para se possam ouvir a si próprios. Talvez estas características sejam marcas de 750 anos de monarquia, 18 anos de república a fazer jus ao nome e 40 anos de ditadura densa na ideologia, na força e na doutrina.
Por razões ainda hoje tema de discussão, há cerca de 44 anos os portugueses apoiaram um golpe de asa militar e acordaram numa democracia. Partiram para a sua construção e todos os dias lhe acrescentam um degrau. Por isso, quando as coisas correm mal a culpa nunca é de ninguém mas sim dessa tal democracia que por ser jovem, dá albergue a tudo o que é dislate. Entretanto, e para que não se perdesse nada dos anos obscuros ainda ao alcance da memória de alguns, continua o povo português a cultivar o clubismo como forma mais alta de explicar tudo o que vai fazendo de bom e menos bom, mas sempre de uma maneira ‘democrática’.
Assim, a democracia (jovem de 44 anos) é a que cada um pensa como a melhor, sendo que a do outro podendo não ser má não presta. O seu clube é o melhor, o seu partido é o melhor e o mais democrático. Democracia não é para eles, sinónimo de liberdade de escolha, debate, respeito pelo outro, pelas suas ideias e muito menos participação na construção da coisa pública. Isso é trabalho para políticos que ganham que se fartam e não fazem nada. Para trabalharem para nós é que nós votámos neles. E assim lavam as mãos do que possa ou não acontecer.
É neste contexto que alguns órgãos de soberania exercem as suas funções, por exemplo as nossas Assembleias. A de S. Bento ainda vai tendo alguma assistência porque sempre vão acontecendo as transmissões via TV mas as outras, as municiais e as de freguesia, para além de mal ou nada publicitadas não atraem munícipes nem fregueses. Sem debate, sem escrutínio, sem fiscalização estes órgãos locais foram-se fechando e hoje governam Municípios e Freguesias a golpes de propaganda política sem rasgo, sem ideias novas, apoiando-se nas linhas programáticas dos partidos que os apoiaram na sua eleição e vão oferecendo na banalidade das suas promessas uma ‘vidinha boa’ a quem neles vota.
Vem isto a propósito de Mafra ser contemplada com uma Assembleia Municipal que transpirando transparência e democracia, dá voz a um executivo cujo Presidente não permite que os seus vereadores respondam caso sejam interpelados por algum deputado municipal. Aliás, os vereadores sejam eles de que partido forem, não podem falar. Assim, em cada sessão da Assembleia Municipal assiste-se a um diálogo monocórdico entre o Presidente da Mesa da Assembleia Municipal e o Presidente do Executivo. Um dá a palavra ao outro, o outro agradece, e fala sobre tudo. É omnipresente e ‘omnisapiente’. Por vezes quando é necessário deslumbrar os poucos presentes que não pertencem à corte dá voz ao Vereador da Gestão Financeira que, faça-se jus ao seu saber, explica com belíssimos ‘power points’ a saúde financeira do nosso Município.
O que diriam os Mafrenses que elegeram e apoiam este executivo se um 1º Ministro de um Governo de Portugal proibisse os seus Ministros de responderem às interpelações dos Deputados na Assembleia da República? Talvez este 1º Ministro pensasse em pôr em prática uma medida há anos tentada por uma outra 1ª Ministra: suspender a Democracia para impor as suas medidas. Será que fez escola a ideia? Talvez. Mas para além de tornar triste a vida democrática no município retira-nos a possibilidade de avaliar o bom desempenho e as reais capacidades dos vereadores deste executivo.
Por isso, a pergunta que vos deixo é: Será que esta lei da rolha esconde um rei que vai nu?
Mafra, 23 de Janeiro de 2018-01-24
Mário de Sousa