Vandalismos – Inevitabilidade ou consequência
Foi com alguma apreensão que li no passado sábado dia 16 no Jornal de Mafra, a notícia da vandalização de mobiliário urbano no Parque Ecológico da Venda do Pinheiro e de vidros partidos na Escola junto ao parque[i].
Infelizmente este tipo de vandalismo mais tarde ou mais cedo haveria de chegar ao nosso Concelho embora alguma insegurança com origem em assaltos a residências e outros desmandos no espaço público ao longo dos últimos tempos, o prenunciassem. Uma absoluta falta de patrulhamento por parte das forças da ordem, mais tarde ou mais cedo abriria a porta a estes desacatos e atos lesivos.
O que pensar? Como entender e reagir a este vandalismo gratuito sobre bens públicos, de todos nós, pagos com os nossos impostos?
A noção de vandalismo assenta em dois tipos de práticas de um ou mais grupos sociais:
- na intervenção no espaço urbano que de algum modo fira o sentido estético desses grupos;
- na destruição do que possa ser entendido como antagónico ou identitário de conceitos sociais não atingíveis ou disfrutáveis.
A destruição que de uma maneira geral, pode ser entendida como efeito de uma sociabilidade doente e, portanto, violenta, a que poderemos chamar vandalismo, sendo que a sua atividade está a crescer. É por isso necessário reequacionar este fenómeno, analisá-lo no que concerne às políticas de mobilidade, cultura e urbanismo. É vital entender e fazer entender que os espaços, público e privado, são espaços de coexistência de diferenças as quais inevitavelmente, geram perceções distintas da forma como essa coexistência deve ser usufruída e respeitada.
O nosso Concelho em poucos anos sofreu transformações sociais profundas. De origem agrícola, caminha a passos largos para uma sociedade semiurbana, uma grande parte dela utilizando as aldeias e vilas do seu principal eixo viário como dormitório. Também a Ericeira com o seu desenvolvimento turístico, deu origem a uma nova realidade urbana e residencial, atraindo uma população nómada de curta permanência, com hábitos sociais muito próprios e distintos daqueles que existiam. De notar que esta ‘comunidade turística’ em si raramente é intrusiva. O que acontece é que na sua viagem arrasta com ela grupos sociais com ideias muito próprias e pouco compatíveis em termos de cidadania.
Estas comunidades com raízes diferentes tiveram de, em pouco tempo, criar formas de convivência que de alguma maneira preservassem a sua cultura social, as suas razões, os seus hábitos e a sua maneira de resguardar a Família como base das suas vidas. Ainda continua a ser uma imagem de marca da ‘família mafrense’ quando na presença de um desconhecido, fazer a pergunta ‘…e então você é filho/a de quem?’ pergunta desconfortável e muito pouco acolhedora se não mesmo segregadora para o recém-chegado, que se vê avaliado por um apelido e local de nascimento.
Como resultado, esta comunidade multifacetada em evolução constante, vai resistindo em grupos sociais, valorizando a propriedade individual em detrimento da propriedade pública, que sendo de todos, acaba por não ser de ninguém. E aqui entra o conceito um pouco adiado que é a cidadania, a qual quando bem cimentada funciona no sentido inverso, isto é, começa por cuidar do património público porque bem comum, terminando naquilo que é pertença individual.
Todos nós somos cidadãos mas será que assumimos integralmente a responsabilidade social que daí advém? Ser cidadão não se resume à reivindicação de direitos que julgamos que nos assistem. Essa é a parte simples e por isso também a que mais vezes ouvimos. A parte difícil é assumirmos as nossas obrigações cívicas, leia-se – deveres – para com a comunidade. É o saldo positivo entre os direitos e os deveres que eles nos implicam que nos torna mais ou menos desenvolvidos e civilizados.
É por tudo isto que os atos de vandalismo acontecidos tenderão a multiplicar-se caso a Edilidade nada faça no sentido de entender estas situações e de imediato resolvê-las. Os incidentes acontecem, as forças de segurança são chamadas aos locais, mas tudo morre por aí, não havendo qualquer notícia finalizadora. E é navegando nesta ineficácia de prevenção e de repressão das infrações tão dolosas em termos cívicos e, porque não referir, em termos financeiros, porque quem paga a reposição de tudo o que se estraga somos nós Munícipes, que se vai caminhando fazendo passar a mensagem de ausência de fiscalização, responsabilização e punição de atos de vandalismo e desacatos, exponenciando a impunidade.
Não chega modernizar o concelho dotando-o de infraestruturas materiais e tecnológicas. É muito bom ter-mos serviços públicos de excelência, mas tudo isto sem segurança, sem combate aos comportamentos sociais que possam provocar a depredação irresponsável daquilo que é de todos nós, destrói um bem de valor incalculável chamado Cidadania.
Mafra, 20 de Novembro de 2019
Mário de Sousa
[i] https://jornaldemafra.pt/2019/11/16/destruicao-no-parque-ecologico-da-venda-do-pinheiro/
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