Opinião Política | Mário de Sousa (CDS-PP) – Paixões

”A falta de ciência, isto é, a ignorância das causas predispõe, ou melhor, obriga os homens a confiar na opinião e autoridade alheias. …

A ignorância do significado das palavras, isto é, a falta de entendimento, predispõe os homens para confiar, não apenas na verdade que não conhecem, mas também nos erros e, o que é mais, nos absurdos daqueles em quem confiam.

Porque nem o erro nem o absurdo podem ser detectados sem um perfeito entendimento das palavras.”[i]

Thomas Hobbes lá pela metade do sec. XVII definia assim os ‘pecados’ da linguagem ou da falta dela.

Escrevo estas linhas ainda anestesiado pelo extraordinário concerto de órgãos e coros na Basílica do Palácio Nacional de Mafra no passado dia 15 à noite. Penso ter sido um dos mais belos eventos acontecidos em Mafra durante o ano que agora se finda e é pena que este tenha sido o último de uma série de três, protocolados entre a Academia de Música Sta. Cecília e a Câmara de Mafra, conforme nos foi explicado.

Ao mesmo tempo., decorre por todas as Paróquias do Concelho o In Natalis mostrando como as nossas Igrejas podem receber extraordinários Grupos Corais uns amadores outros profissionais, mas todos irradiando uma vontade enorme de se superarem na concretização de bonitas mensagens de Natal.

No entanto, se no concerto ocorrido na Basílica de Mafra tivesse sido possível que cada espectador dissesse o código postal da sua residência, teríamos tido o desgosto de sermos confrontados com a revelação de uma percentagem mínima de mafrenses na assistência.

No In Natalis e mau grado os apelos constantes da organização para que as pessoas aproveitem a ocasião para conhecerem as igrejas de outras Paróquias, raramente nos cruzamos com caras repetidas vindas de outros lugares, que não os moradores locais. Porquê?

Talvez se obtenha parte da resposta na citação no início deste artigo. Porque não entendemos, e não entendemos porque nos desabituaram de pedir a nossa opinião. Então o que nos dão, por não ser uma escolha nossa, não nos atrai. Assistimos por respeito, muito agradecidos, mas isso não nos move na partilha de um gosto comum. E é pena que assim seja!

Vivemos num concelho onde para nada a opinião do munícipe é ouvida. Não se pratica o Orçamento Participativo. Não existe uma Conferência Municipal de Cultura. De que maneira então, a comunidade pode entender a cultura enquanto motor para o seu desenvolvimento? Da maneira que Hobbes apresenta: “…a ignorância das causas predispõe, ou melhor, obriga os homens a confiar na opinião e autoridade alheias.

Daqui a uns anos teremos em Mafra o Museu da Música. Já temos um Depósito de Partituras, celebrou-se um protocolo com a Universidade Nova, mas como realidade nada se vê e se existe, nada é dito ou comunicado à comunidade que com os seus impostos paga tudo isto. Porque na verdade nada nos é oferecido embora seja essa a ideia que se procura transmitir.

E depois da música o que temos? Nada. Débeis exposições de arte, esporádicos espetáculos de teatro, ausência absoluta de eventos literários e quanto a cinema é coisa morta. Museus, não temos. Já tivemos mas faleceram por falta de vontade política.

Inesperadamente o jornal O Carrilhão dá uma pedrada no charco e avança com conferências mensais sobre Mafra. Benvindo!

Em contrapartida temos divertimentos a que pomposamente chamam cultura. Socorro-me novamente de Hobbes “A ignorância do significado das palavras, isto é, a falta de entendimento, predispõe os homens para confiar,…” e porque confiamos chamamos cultura não àquilo que nos define como Mafrenses mas aquilo que se importa de outros sítios e que permite dar espetáculo e vender umas bifanas. E já agora, porque não, umas licenças vendidas pela Câmara.

Termino citando mais uma vez Hobbes quando diz que de tudo isto “… deriva que os homens dêem nomes diferentes a uma única coisa, em função das diferenças entre as suas próprias paixões.”[ii] Difícil de entender? Julgo que não.

 

Mafra, 17 de Dezembro de 2019

Mário de Sousa

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[i] HOBBES, Thomas, Leviatã, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2010, p.94

[ii] Ibidem

 


Pode ler (aqui) outros artigos de opinião de Mário de Sousa.


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