Opinião Política | Mário de Sousa (CDS-PP) – Começar pelo telhado

“As comunidades de leitores têm por objetivo partilhar leituras, através da conversa informal entre um grupo de pessoas, acerca de obras previamente escolhidas. Estas iniciativas destinam-se a todos aqueles que gostam de ler, confrontar experiências, refletir e debater temas, livros e ideias.”[i]

Faz por agora 9 anos que terminou a última sessão de uma Comunidade de Leitores, no Concelho de Mafra. Teve lugar na Biblioteca Municipal da Malveira e os seus participantes não o sabiam. Havia anunciada uma próxima, a ter início em breve na Biblioteca Municipal de Mafra. Nunca se veio a realizar. A crise ???? não o permitiu.

Terminada esta, tudo permaneceu até hoje num confortável cenário de imobilismo em contraciclo com outros municípios em volta de Mafra. Óbidos, Loures, Sintra, Torres Vedras, Cascais, etc, são exemplos de investimento na leitura para jovens e adultos.

Em Mafra as atividades literárias não têm espaço. Não existe qualquer incentivo para quem termina o ensino obrigatório criar ou manter hábitos de leitura. A ‘cultura’ é monolítica, virada para os eventos públicos e mediatizáveis e não para aqueles que se constituem como apostas a longo prazo e fora dos holofotes dos colunáveis.

Não quer isto dizer que o enorme esforço que tem sido feito na promoção dos órgãos históricos do Concelho, na vinda do Museu da Música para Mafra e na recuperação dos Carrilhões da Basílica não sejam investimentos muito relevantes, úteis e francamente notáveis.

Que as Bibliotecas Municipais e Escolares do concelho não desenvolvam um trabalho considerável, por vezes hercúleo, esforçado e permanente, inventando formas e criando meios e condições de trabalho que os Ministérios da tutela lhes sonegam de forma inacreditável.

O problema, é que após o ensino obrigatório os jovens deixam de ter qualquer incentivo para continuarem a cultivar a leitura e a escrita com os resultados bastante desanimadores que todos conhecemos e lamentamos.

Como analogia, imaginemos um agricultor que investe tudo o que tem na plantação de um pomar e quando as jovens árvores começam a dar as primeiras flores abandona a rega deixando que tudo mirre por falta de alimento.

“… de acordo com o último PISA, … entre 2009 e 2018, a percentagem de alunos de 15 anos que disseram só ler se forem obrigados aumentou em Portugal  de 22% para 31%. Se os números forem desagregados por género, esse valor médio dispara para os 41% entre os rapazes, sendo de 20% entre as raparigas.”[ii]

Ignorar isto só pode acontecer por displicência, e não afetar recursos a combater estes números desoladores é contribuir para uma fraca e triste cidadania.

Por aqui, no nosso concelho, temos um Orçamento anual que ultrapassa os 66 Milhões de Euros mas para a cultura literária não existe expressão. E se pensarmos que para a ação social apenas se reservam 1,1% imagine-se o que se espera para a leitura: minudências. Lembro-me da inauguração dos Caminhos da Poesia. Teve Ministro, discursos, fotografias, comunicação social. Uma Comunidade de Leitores quando se reúne não tem nada disso, mas talvez não tenha menos massa crítica e é de certeza um investimento muito mais produtivo. Os políticos passam mas os cidadãos permanecem.

Vem isto a propósito do anúncio da 1ª Edição Prémio Literário do Município de Mafra – Poesia 2019 / 2020. Saúdo efusivamente a iniciativa mesmo sabendo que ela não teve origem na edilidade. Saúdo-a porque ela nasce no mesmo mês em que morreu a última livraria da Vila. O Sol nasce sempre após o ocaso. Saúdo o Júri que em tempos idos orientou algumas Oficinas de Poesia e Leitura que por este concelho tiveram lugar e nas quais tive o privilégio de participar.

A minha discordância não vai par a instituição do Prémio vai para a fraquíssima possibilidade que os mafrenses terão de se abalançarem a ele concorrerem. Poder-se-á dizer que por algum lado se tem de começar. É verdade, mas não é seguramente pelo telhado que se começam a construir os edifícios.

Diz a Sofia que tem 14 anos:

“Desde que aprendi a ler que gosto de ler. Permite pensar, saber mais sobre as coisas que acontecem à nossa volta. O meu livro preferido é ‘O Monte dos Vendavais’. Retrata um ambiente diferente que nos faz pensar de outra forma.

No geral, ler faz-nos escrever melhor, ter melhor raciocínio e ajuda bastante na escola”[iii]

 

Pois é, ler permite pensar, ter melhor raciocínio… e prepara-nos melhor para enfrentarmos os nossos montes dos vendavais.

 

Mafra, 29 de Janeiro de 2020

Mário de Sousa

 

[i] Comunidade de Leitores José Saramago – C.M.Loures

[ii] Expresso, 25 de Janeiro de 2020 1º Caderno p.24

[iii] Expresso, 25 de Janeiro de 2020 1º Caderno p.25

 


Pode ler (aqui) outros artigos de opinião de Mário de Sousa


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