Estou a escrever esta crónica no chamado dia de reflexão. Amanhã lá estarei, numa mesa de voto, para cumprir o calendário eleitoral ditado pela nossa Constituição.
Alguns amigos perguntam-me se não tenho medo de ser contaminado. Respondo que vou fazer tudo para não ser contaminado e para que os eleitores não sejam contaminados. Depois explico que o contacto com os eleitores se vai limitar à verificação da identidade, entrega e recolha do voto, nada comparado com o trabalho de um caixa de supermercado e não é por isso que deixamos de ir ao supermercado e muito menos reclamarmos o seu fecho. Temos de viver a vida e a democracia faz parte da vida.
Mas tenho medo.
Tenho medo que a falta de reforço do Serviço Nacional de Saúde, com mais profissionais e meios, possa provocar dificuldades na assistência necessária, quer a necessidade seja provocada pelo coronavírus, quer por outra patologia e até pelo adiar na vigilância que a minha idade (a de cada um de nós) aconselha.
Tenho medo que, eu e os meus concidadãos, não recebamos atempadamente a vacina, esperança do controlo da pandemia, que parece estar sujeita à política de racionamento que serve os interesses dos laboratórios das duas empresas multinacionais norte-americanas que querem ter o monopólio da sua venda na UE. Não se compreende que a sua aquisição não possa ser diversificada.
Tenho medo que a falta de capacidade de resposta do SNS agrave ainda mais as medidas de isolamento, a solidão, o medo ou mesmo o pânico com implicações profundas e, em alguns casos mesmo irreversíveis, na saúde física e psicológica, particularmente de idosos.
Tenho medo que a estratégia para defender a saúde do povo português não crie condições de vida dignas. Não defenda os direitos dos trabalhadores e do povo da voracidade dos interesses do grande capital. Não apoie os micro, pequenos e médios empresários e os profissionais da área da cultura.
Tenho medo que a crise sanitária se converta em crise social incontrolável e profunda crise económica que nos arraste para a miséria.
Mas de medo morre-se quando nos falta a coragem.
Quando nos falta a coragem para exigir salários a 100% dos trabalhadores em lay-off.
Quando nos falta a coragem para lutar contra o encerramento de empresas.
Quando nos falta a coragem para lutar pelo aumento de salários e pensões, base para o relançamento da economia das pequenas e médias empresas.
Quando nos falta a coragem para sonhar com um futuro e uma vida melhor e para dar os passos necessários à sua concretização.
Quando nos falta a coragem para exigir aos nossos representantes que nos prestem contas do que estão a fazer para acabar com o “medo”.
Quando nos falta a coragem para juntarmos a nossa voz, o nosso crer, à voz, ao crer dos outros, quer seja nas associações de classe, nas associações de solidariedade social, nas associações de cultura e recreio, nos partidos políticos, que tem de ser responsabilizados pelas políticas desenvolvidas pelos candidatos eleitos que nos propuseram.
Não tenho (tive) medo de estar numa mesa de voto.
Afinal para não ter medo basta ter confiança, em nós, e nos nossos concidadãos.
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