MESMO | Perturbação de stress pós-traumático

Saúde Mental e Ocupacional | Ciro Oliveira

 

Perturbação de stress pós-traumático

A perturbação de stress pós-traumático (PSPT) é uma perturbação mental que resulta da exposição a uma situação potencialmente traumatizante que condiciona uma sobrecarga dos recursos internos da pessoa e desencadeia um quadro clínico gerador de sofrimento e disfuncionalidade. Evidentemente, um trauma não desencadeia necessariamente uma PSPT em todas as pessoas, dependendo a existência de uma resposta mórbida de diversos fatores internos da pessoa (personalidade, existência prévia de outras perturbações mentais ou fatores neurobiológicos) e ambientais (gravidade e violência do trauma, história da infância e familiar, aspetos culturais ou apoio sócio-familiar).

Historicamente, existem descrições de PSPT desde a Antiguidade, muitos delas resultantes da presença em cenários de guerra. Com o avanço da maquinaria de guerra e a sua maior capacidade de destruição, a ideia de que um traumatizado de guerra era cobarde ou fraco foi dando lugar à ideia de vítima, dada a evidente impotência do soldado face aos meios utilizados. Assim, os primeiros estudos sérios surgem apenas no século XX após a Primeira Guerra Mundial (1914-18), conhecendo um desenvolvimento maior depois da Guerra do Vietname (1955-75). Ainda assim, a PSPT só surge como diagnóstico em 1980, aquando do lançamento do DSM-III (sistema de classificação de perturbações mentais norteamericano). Tal facto permitiu não apenas o reconhecimento — público e na comunidade científica — de uma entidade clínica com enorme impacto pessoal, social e económico, como a criação de um corpo teórico e de investigação que possibilitou dar resposta e alívio às pessoas que sofriam dessa perturbação.

Do ponto de vista epidemiológico, sabe-se que mais de metade da população é exposta a um acontecimento potencialmente traumático ao longo da vida. Contudo, apenas cerca de 1 em cada 10 desenvolverá um conjunto de sintomas compatíveis com o diagnóstico. Apesar de o género masculino ser, por regra, mais exposto a acontecimentos traumáticos, a probabilidade de desenvolver PSPT é ligeiramente superior no género feminino.

A natureza do acontecimento traumático é muito diversa. Eis alguns exemplos: guerra (como combatente ou civil), ameaça ou agressão física real (ataque físico, roubo, assalto, tortura), ameaça ou violência sexual (violação, abuso sexual sem contacto, tráfico sexual; em crianças, experiências sexuais inapropriadas), fenómenos naturais (cheias, terramotos), acidente de viação, ataque terrorista, rapto, incidentes médicos catastróficos (choque anafilático), etc. Mas os acontecimentos não têm necessariamente de ser vividos na primeira pessoa. Podem também ser testemunhados (observação de agressão física/sexual, morte catastrófica, violência doméstica, etc.) ou relatados (limitando-se aqui a acontecimentos com familiares ou amigos muito próximos).

O quadro clínico surge, habitualmente, após a exposição ao acontecimento traumático e, para que possa ser atribuído o diagnóstico, deve persistir por mais de um mês. Contudo, o facto de surgir mais de 6 meses depois (ou mesmo anos) não invalida o diagnóstico. Comummente, após a exposição direta, testemunho presencial ou tomada de conhecimento de um acontecimento traumático, surgem os sintomas que geram mal estar. A saber: lembranças recorrentes e intrusivas do sucedido; sonhos perturbadores cujo conteúdo se relaciona com o acontecimento; reações — conhecidas como flashbacks — em que a pessoa atua/sente como se o acontecimento estivesse de novo a ocorrer; mal-estar psicológico quando se é exposto a estímulos que se assemelham ao sucedido; reações físicas (tremores, palpitações, sensação de falta de ar). Além destes sintomas, há tendência para evitar memórias, pensamentos e emoções que se relacionam com o acontecimento traumático, bem como para evitar pessoas, lugares, conversas ou atividades sugestivas desse acontecimento.

A pessoa com PSPT desenvolve, também e frequentemente, alterações do humor e da forma como se recorda ou valoriza o acontecimento. Por exemplo, tem tendência a ter dificuldade em recordar-se de pormenores importantes sobre o episódio, a julgar-se a si ou ao mundo de forma negativa («não presto», «não se pode confiar em ninguém»), a considerar-se erradamente culpada pelo que aconteceu («a culpa foi minha… não devia ter feito isto…»), a sentir-se desligada das coisas, incapaz de sentir emoções positivas, irritada, sempre alerta ou sobressaltada, com dificuldade em adormecer ou com um sono agitado.

Obviamente, a PSPT tem um impacto muito importante na vida da pessoa, uma vez que lhe causa sofrimento psíquico e impacta negativamente na vida familiar (relação conjugal e com os filhos), na capacidade para o trabalho nos períodos de maior agudização dos sintomas e na vida social.

Existem, hoje em dia, estratégias de tratamento eficazes que podem melhorar muito a qualidade de vida destas pessoas e que passam por intervenções farmacológicas e psicológicas.

Por tudo isto, caso apresente estes sintomas ou os identifique num familiar ou amigo, não hesite em procurar ajuda profissional, nomeadamente junto do seu médico de família, de modo a que este possa fazer uma primeira avaliação e dar o devido encaminhamento.

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