Entrevista | Com Daniela Simões a alma do Coletivo “A Tribo”

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Entrevista | Com Daniela Simões a alma do Coletivo “A Tribo”

 

Jornal de Mafra – Como é que tudo começou?
Daniela Simões – Entrei no mestrado em outubro de 2013 e logo no mês seguinte senti a necessidade de tornar reais e levar à prática todas as coisas que tinha começado a aprender. Mais do que uma vontade, foi uma necessidade física e emocional de começar a mexer e a experimentar.

Jornal de Mafra – O projeto inicial era já este que vemos hoje?
Daniela Simões – O esqueleto continua o mesmo. Usamos a pedagogia do teatro comunitário, e nos dois primeiros anos trabalhei exclusivamente com adolescentes, o que já não acontece atualmente. Quanto ao resto, é tudo mais ou menos semelhante, porque é aquilo que ainda faz sentido neste momento. Mantêm-se as três grandes fases da criação do espetáculo ou do grupo, e a estrutura e a vontade de fazer são exatamente as mesmas.

Jornal de Mafra – Quantos espetáculos já fizeram e com quantas pessoas trabalharam?
Daniela Simões – São 13 espetáculos mas eu sinto que estamos sempre a começar do zero, e por isso, os anos de criação estão organizados por ciclos, assim, interessa-me pouco o número de espetáculos que fizemos, embora reconheça que é bom chegar a um número já significativo. A verdade é que eu preocupo-me sobretudo com o presente, com o que estou a fazer no presente. Neste momento estamos a trabalhar com 70 pessoas.

Jornal de Mafra – O que é que há de positivo para quem faz teatro, para quem assiste e para a comunidade onde o grupo se insere?
Daniela Simões – Eu adoro ver teatro, por isso, não sou isenta. Quem vê teatro ganha uma história nova na sua vida, ganha a possibilidade de pensar sobre aquilo que está a ver, ganha talvez a possibilidade de se divertir e de ver um mundo paralelo, mas que é inspirado pelo nosso mundo real. A vida é muito mais abrangente e interessante do que o teatro, sendo por isso que o teatro vai lá buscar inspiração.
Quem faz teatro aumenta a sua autoestima, fazer teatro ajuda-nos a desbravar as coisas que existem dentro de nós, tornamos-nos melhores observadores do mundo, exercitamos a capacidade de pensar as coisas pela nossa cabeça e de criar sentido crítico, desenvolvemos a criatividade e a capacidade de sermos espontâneos, algo que nos dá uma felicidade imensa. O teatro só traz coisas boas.
Não sei se será demasiado utópico, mas quero acreditar que pela influência que o teatro tem nas pessoas, a longo prazo, será possível termos uma sociedade mais justa, mais equilibrada, em que as pessoas consigam pensar pela sua cabeça e não “emprenhar pelos ouvidos”, como se costuma dizer. O respeito pelo outro e o abandono de preconceitos, são coisas que o teatro nos permite exercitar. Às tantas, se toda a gente fizesse teatro, o mundo poderia mudar.

“Vamos para o teatro, para sermos melhores pessoas e para sermos mais felizes”

Jornal de Mafra – O que é que as pessoas procuram quando vêm para “A Tribo”?
Daniela Simões – Na verdade, procuram a mesma coisa. As pessoas procuram sair da sua zona de conforto e trabalhar a timidez. Por vezes são pessoas que vêm viver para Mafra e que querem criar relações, procurando o teatro para isso. Alguns miúdos vêm incentivados pelos pais e outros vêm porque têm esse chamamento. Na verdade, vamos para o teatro, para sermos melhores pessoas e para sermos mais felizes.

Jornal de Mafra – Qual é a energia que o teatro comunitário vai buscar à comunidade?
Daniela Simões – Vai buscar as suas histórias, as suas vivências, as suas memórias e os seus sonhos. Na verdade, a comunidade é feita desses ingredientes e o teatro comunitário é muito rico, porque vai buscar a todas as pessoas, as histórias vividas e a forma como olham para o mundo. No final, essas pessoas tão diferentes acabam por dar origem a um espetáculo coeso.

Jornal de Mafra – O que distingue o teatro comunitário, das outras formas de teatro?
Daniela Simões – Isto vai parecer estranho, mas importa-me pouco o produto final, o que me importa é o processo. Este processo tem aqui uma média de 9 meses, e é uma bela metáfora, pois é o tempo de gestação de um bebé. Só os últimos 3 meses é que são dedicados à criação do próprio espetáculo, antes disso, há toda uma caminhada, quase invisível, um tempo de crescimento, de coesão de grupo, que é muito importante, só depois surgindo o texto final. Dou um exemplo, este ano no último espetáculo do “Bate à porta”, uma miúda de 12 anos veio ter comigo num pranto, e muito ansiosa. Quando refletimos sobre isso, ela disse-me que estava muito nervosa, mas ainda bem que tinha chorado, porque isso deu-lhe a oportunidade de ver que o grupo estava todo com ela e que a tinham apoiado. Isto representa uma importante tomada de consciência dela e do grupo, e é isto que o teatro comunitário faz. O teatro comunitário torna visível a ligação invisível que une as pessoas do grupo.

Jornal de Mafra – O que é que o teatro comunitário devolve depois à sociedade?
Daniela Simões – O meu trabalho é plantar sementes. Algumas brotarão, outras nem tanto, mas as que brotarem serão sementes mais conscientes, mais objetivas e que serão capazes de olhar para as coisas com o seu próprio olhar, e isso há de tornar a sociedade mais responsável, sobretudo se percebermos que a liberdade é mais do que um conceito teórico, permitindo-nos fazer muitas coisas em relação à nossa sociedade. Utópicamente, quero acreditar que o trabalho na Tribo serve precisamente para tornar as pessoas mais felizes, e sendo as pessoas mais felizes, a sociedade será mais feliz, e com uma visão crítica sobre aquilo que é o mundo.

“O teatro comunitário torna visível a ligação invisível que une as pessoas do grupo”

Jornal de Mafra – Sob o ponto de vista do teatro da comunidade, o que é um bom espetáculo?
Daniela Simões – Um bom espetáculo é aquele em que o público consegue perceber que as pessoas que estão em cima do palco, estão envolvidas entre elas, que há cooperação e que há amor, porque se isso acontecer, então atingiu-se um processo consolidado. Já no plano estético, é possível fazer espectáculos completamente diferentes, dependendo da forma como cada encenador vê o teatro.

Jornal de Mafra – Se pudesse voltar atrás, que erros teria evitado no processo que trouxe a Tribo até aqui?
Daniela Simões – Não consigo ver bem essa coisa dos erros. Eu não penso muito naquilo que vai acontecer. Talvez seja piroso, mas o caminho, faço-o caminhando. Portanto, não sei bem, que caminho devia escolher, porque eu fui para onde tinha que ir, e fui para aí sem fazer grandes planos.

Jornal de Mafra – Com quantos grupos está a trabalhar?
Daniela Simões – Este ano são 4 grupos. Com a possibilidade de conseguirmos abrir também este ano o grupo +60, precisamos de 3 pessoas no mínimo, mas só temos 2. Temos um grupo misto, com adolescentes e adultos, temos ainda 2 grupos de adolescentes e 1 grupo constituído sobretudo por crianças.

“O estado tem uma responsabilidade no apoio à cultura, mas as companhias também têm de criar uma estrutura de  auto-sustentabilidade”

Jornal de Mafra – É possível (ou desejável) desenvolver um projeto destes sem apoios do estado (central ou local)?
Daniela Simões – É importante que existam subsídios, mas é também importante que possamos livrar-nos do lado melodramático de algumas companhias, “que somos uns coitadinhos, que ninguém nos apoia”. O estado tem uma responsabilidade no apoio à cultura, mas as companhias também têm de criar uma estrutura de  auto-sustentabilidade, porque senão, ficam só à espera que caia o apoio, quando isso não acontece, ficam frustradissimos e dizem mal de toda a gente.

Jornal de Mafra – A Tribo continua a receber 500€ anuais da Câmara de Mafra? O que é que faria se recebesse 20 000€?
Daniela Simões – Na realidade é o terceiro ano que recebemos 500€. Se tivesse 20 000€, gostaria de conseguir um espaço próprio para A Tribo, até porque há uma série de projetos paralelos que gostávamos de desenvolver, mas que não são exequíveis por falta de um espaço próprio. 20 000€ não daria para isso, mas seria um excelente pontapé de saída.

Jornal de Mafra – O que é que o teatro mudou na Daniela?
Daniela Simões – Cada vez que entro num ensaio, eu, sou mais eu, e isso é bom, é bom termos um espaço onde possamos ser nós mesmos. O teatro também faz que esta minha caminhada de desenvolvimento pessoal seja muito mais consciente e divertida. Como profissional, o teatro faz com que  acorde todos os dias com um sorriso na cara, faz com que tenha quarenta mil cadernos para apontar ideias, e tenha sempre dificuldades em ter uma conversa focada, porque, de repente, passa um pássaro, salta-me uma ideia, e eu lá tenho de parar para tomar nota.

“Mais do que subsídios, eu gostava que essa coisa do poder político olhasse para A Tribo com a relevância real que ela tem no panorama cultural do concelho”

Jornal de Mafra – E planos para o futuro?
Daniela Simões –
Quero fazer 4, se não 5 fortes espetáculos, de modo a que os grupos consigam sair das suas zonas de conforto, consigam ligar-se e consigam chegar ao palco e rebentar com uma história qualquer. Neste momento, ainda estou numa fase que é de vazio e de pânico, porque ainda não sei bem o que vai acontecer em termos de espetáculo. Vamos continuar com os espetáculos e prevejo que em 2020, lá para o final do ano, consigamos estrear o nosso 3º documentário. Também até ao final de 2020, espero que consigamos dispor já de um espaço que nos permita levar a cabo os outros projetos que temos, um projeto relacionado com artes plásticas e comunidade e outras coisas mais relacionadas com movimento e comunidade.

Em 2020 vamos ter novamente o Festival “Berro”, em 17, 18 e 19 de abril. Serão 3 dias, 3 workshops, 3 espectáculos. Será uma vez mais uma forma de fazer cultura, de expandir cultura e de mostrar cultura, tudo feito de uma forma desinteressada, pois não temos um cachet para pagar às companhias que participarão no festival.

Jornal de Mafra – Está nos planos a criação de um grupo de teatro profissional?
Daniela Simões – Não tenho mesmo nenhum interesse nisso. A minha paixão e aquilo que me move não é trabalhar com atores profissionais, mas sim trabalhar com as pessoas da comunidade.

Jornal de Mafra – Quando se trata de planear políticas culturais, A Tribo, enquanto player na área cultural, é ouvida pelos poderes políticos?
Daniela Simões – Acho que não. Há uma aproximação em relação à Tribo, no sentido em que o vereador da cultura tem sido muito amável connosco, vai ver os nossos espectaculoso e apoia-nos muito nesse sentido, mas, sentarmos-nos e vermos o que é que podemos fazer de diferente, isso não aconteceu. Mais do que subsídios, eu gostava que essa coisa do poder político olhasse para A Tribo com a relevância real que ela tem no panorama cultural do concelho, e que pudéssemos trocar ideias. Eu gostava que isso acontecesse, e não aconteceu.

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