O historiador Armando Norte olha para João XXI (o único papa português) como um “político astucioso e homem ambicioso”, duvidando mesmo, de que tenha sido sua a autoria de muitas obras que lhe são atribuídas.
Desde logo, convém ter em conta que olhamos para o homem e para o papa, a mais de 700 anos de distância – viveu entre 1215 e 1277 – com tudo o que o tempo leva, em termos de fatos e com tudo que ele traz, em termos de lenda.
João XXI (na realidade, devia ter sido João XX, uma vez que a contagem de papas se revelou incorreta) nasceu com o nome de Pedro Julião Rebolo, sendo ainda conhecido como Pedro Hispano. A sua eleição resultará da morte prematura de Adriano V, que só ocupou o cargo durante um mês. João XXI também só viria a ocupar o posto de S. Pedro durante uns escassos 8 meses.
”Nunca inibiu uma certa capacidade inata para urdir redes apertadas de dependência, para forjar e manter patronatos e clientelas, para distribuir, colecionar e cobrar favores”
[Historiador Armando Norte]
Pedro Julião desempenhou muitas funções, dentro e fora da igreja, e moveu-se com inegável astúcia nos meandros do poder da época. Foi cónego, professor, deão em catedrais, prior e bispo de Braga, a diocese mais importante do reino, isto, quando em Portugal reinaram Afonso III e depois D. Diniz.
A sua morte ocorre em Viterbo, Itália, quando ruiu o teto do edifício onde se encontrava.
Pedro Hispano é considerado um homem de vasta cultura, destacando-se na área médica, da lógica e da filosofia, atribuindo-se-lhe a autoria de várias importantes obras. No entanto, existe uma outra versão, que atribui a autoria destes tratados a um frade dominicano espanhol com o mesmo nome, de resto, um nome, reconhecidamente comum naqueles tempos.
De Pedro Hispano papa, com um pontificado tão curto, pouco haveria a dizer, até porque, segundo alguns autores, se dedicava mais à medicina do que aos seus deveres pontifícios.
”Embora fosse homem de grande ciência, foi de modestas discrição; era precipitado no uso da palavra e brando nos costumes, e quanto mais aparecia – pois era fácil aceder a ele – , mais eram evidentes a todos os seus defeitos” [Historiador dominicano Ptolomeu de Lucca, sec. XIV]
As referências a este papa são muito dispares.
Por um lado, Dante, na Divina Comédia, trata o papa português com brandura, colocando-o no paraíso, ao lado das almas das grandes figuras da igreja católica medieval – “Pedro Hispano, aquele que brilha nos seus 12 livros“. Por outro lado, a sua morte foi encarada por outros como um castigo divino. No livro de João Paulo Bessa, Papa João XXI, Pedro Hispano, refere-se que um frade dominicano alemão terá escrito que “foi esmagado pelo diabo”, chamando-lhe “herético” e “nigromânico”, um bruxo que consulta os mortos. Há mesmo cronistas da época a referir que a derrocada do teto que vitimou João XXI, se terá ficado a dever a uma explosão provocada por experiências cientificas mal calculadas.
Regista-se ainda o mal-estar entre o papa português e o rei Afonso III que, dizia-se, impedia padres de cobrar o dizimo, mandando ainda executar padres sem a devida autorização dos bispos.
“Vários documentos referem que recebeu o priorado de Mafra, em 1263, embora outras fontes digam que nunca chegou a tomar posse. De qualquer maneira, tenha ou não tenha estado efectivamente ligado a Mafra, trata-se de um grande português que é preciso tornar mais conhecido“ [Nunes Forte, um dos promotores da iniciativa]
Segundo a tradição (não haverá documentos que o comprovem), Pedro Hispano, no inicio da sua carreira eclesiástica, terá sido pároco da igreja de S. André em Mafra, daí e só daí, a sua pretensa ligação à vila.
Em 2007, alguns habitantes do concelho de Mafra ligados à igreja católica e com acesso aos meios de comunicação social locais constituíram-se em comissão e depois em associação – Grupo de Homenagem ao Papa Português – nascendo daí a ideia de erigir uma estátua que consagrasse a pretensa passagem de Pedro Hispano (o que viria a ser papa) por Mafra.
Num texto publicado em 2009, na página da RTP, pode ler-se: “Vários documentos referem que recebeu o priorado de Mafra, em 1263, embora outras fontes digam que nunca chegou a tomar posse. De qualquer maneira, tenha ou não tenha estado efectivamente ligado a Mafra, trata-se de um grande português que é preciso tornar mais conhecido” [Nunes Forte, um dos promotores da iniciativa].
No entanto, a passagem de Pedro Hispano (o futuro papa) por Mafra está também por provar e encontra-se envolta em controvérsia.
O rei Afonso III de Portugal confia-lhe o priorado de Santo André em Mafra em 1263, referem algumas fontes. Outras fontes, de que se destaca o escritor e historiador Alexandre Herculano, admitem ter havido dois padres contemporâneos um do outro, conhecidos pelo mesmo nome, sendo o que priorou em Mafra, aquele que não foi médico nem chegou a papa. Já o historiador e conhecido comunicador José Hermano Saraiva inclinou-se para dar razão a Herculano. O próprio padre Vítor Milícias, convidado a apadrinhar a ideia de lhe erigir uma estátua, em novembro de 2008, referiu que “… fosse, que não fosse, a tradição tem muita força…”, mostrando claramente, não tomar como crível a tradição que coloca Pedro Hispano, futuro papa, como prior de S. André.
30 mil euros depois e passados que foram 12 anos, eis que no próximo dia do município, a já histórica estátua verá finalmente a luz do sol em Mafra
A verdade é que em 2007 terá surgido a ideia de erigir por aqui uma estátua consagrada a João XXI, tivesse ou não tivesse sido ele prior em Mafra. Da ideia passou-se à recolha de apoios e de euros, cerca de 30 mil euros depois e passados que foram 12 anos, eis que no próximo dia do município, a já lendária estátua verá finalmente a luz do sol em Mafra.
Com uma figura envolvida em tantas dúvidas históricas, e após tantos anos de “cozedura”, é natural que à história da estátua faltasse um capítulo final político-religioso. Ministro dos Santos (porventura mais laico) pretendia que a estátua ficasse situada junto à Igreja de S. André, já Hélder Silva (confessionalmente mais engajado) foi sensível aos pedidos que apontavam para que se desse uma maior visibilidade à estátua e o ámen fez-se
Numa vila que nenhum relevo dá a Saramago (o segundo português a quem a vila mais deve), numa vila onde o monumento que celebra o 25 de abril de 1974 (data que representa a instauração da democracia política no país) não passa de uma pequena lápide colocada num ridículo canteiro, numa vila que aceitou apor o nome de Salgueiro Maia a uma rua ou a uma praça, mas que ainda não encontrou lugar nem tempo para isso, numa vila com este historial toponímico e onomástico, vai ser inaugurada uma estátua a um papa português com um pontificado de 8 meses, eleito num conclave onde participaram só 10 cardeais, havendo dúvidas históricas fundadas de que tenha sido o prior de Mafra, localidade pela qual, sem dúvida, nunca fez nada de útil.
A estátua, que algumas fontes revelam ter cerca de 4 toneladas de peso, é da autoria do escultor Rogério Timóteo e terá passado por três fases de moldagem, em barro, depois em gesso e finalmente em mármore de lioz, pedra que terá sido oferecida por um empresário residente no concelho de Sintra.
Em Portugal foi conferido o nome deste papa, ao Hospital Pedro Hispano em Matosinhos, à Avenida João XXI em Lisboa, ao Centro de Estudos Pedro Hispano da Faculdade de Letras de Lisboa e dentro de dias, a una ruela esconsa da Vila Velha e agora uma estátua plantada em Mafra.
Paulo Quintela
Diretor do Jornal de Mafra
É uma pena o comunista que escreveu este artigo em vez de enaltecer as partes positivas e dar enfase ao acontecimento foi buscar assuntos que podem ser do interesse dele
Vicente Barbosa