“Este município informou, em nota de imprensa, que o Edifício Municipal Boavista, localizado no Largo da Boavista, entrou na segunda-feira em funcionamento…” diz a Lusa. O município é o de Mafra, o mesmo que impediu a reportagem do Jornal de Mafra, barrando-nos a entrada no edifício que é objeto desta notícia.
O recurso à Lusa (agência de notícias nacional), com recusa de acesso a um OCS do próprio concelho, tem um claro significado político e cultural, e esse passa claramente pela promoção nacional que serve politicamente o Presidente dos Autarcas Social Democratas, por acaso, também Presidente da Câmara Municipal de Mafra.
No local, o próprio presidente Hélder Silva nos disse, que não estávamos autorizados a entrar no edifício para cobrir a inauguração, alegando que isso se ficaria a dever a razões relacionadas com a pandemia por covid-19.

O barramento a que fomos sujeitos, para encurtar razões, funda-se no facto de a Câmara de Mafra “desconhecer” o que são conferências de imprensa, “desconhecer” o que são notas de imprensa ou comunicados enviados à imprensa local, funda-se no facto de raramente responder a emails por nós enviados, e no facto de o seu presidente sempre ter recusado os pedidos de entrevista que lhe temos endereçado. A atual gestão da Câmara de Mafra não gosta de responder a perguntas, não gosta de ser sujeita ao escrutínio da imprensa (o mesmo escrutínio a que se sujeitam os políticos nacionais). A atual gestão da Câmara de Mafra sente-se confortável com a imprensa local que tem e assim quer continuar.
Em termos conjunturais, acresce que o senhor presidente da câmara de Mafra é também presidente dos Autarcas Social Democratas. Vistas bem as coisas, os OCS de Mafra pouco pesam, alguns deles orgulham-se mesmo de não fazerem ondas, mostrando-se mais preocupados com as festarolas, o futebol local e as inaugurações, tendo se criado no concelho a ideia de que a imprensa local é amiga do poder ou é simplesmente desinteressada. Por aqui, um jornal que investiga e que faz perguntas, é olhado como um ser extraterrestre isolado, que mais tarde ou mais cedo acabará por sucumbir ao peso da cortina de ferro que sobre ele se lançou (parecerá lancinante e teatral, mas corresponde à realidade). Conjunturalmente, o que importa mesmo é a promoção nacional e essa faz-se enviando notas de imprensa (afinal a câmara de Mafra conhece a ferramenta) à Lusa, impedindo a presença dos OCS locais no ato de inauguração do edifício.
Por seu lado, toda a oposição do concelho, que se mantém oposição desde 1979, faz aquilo que, aparentemente, melhor sabe fazer, assobia para o lado. Sem surpresas. Embora, com a postura de investigação e de indagação jornalística que assumimos desde que fundámos o Jornal de Mafra, tenhamos, logo desde o início, sido apontados como pertencendo à oposição, “pagos pela oposição“, mas a realidade é bem diferente. Nunca esquecerei as palavras de uma personalidade política local, que na altura fazia comentário político no JM, que ao ouvir-me queixar das dificuldades de acesso à informação e das condições desfavoráveis que aqui encontramos, relativamente à concorrência, afirmou que nós éramos uns “queixinhas“. Não há aqui queixumes, há cidadania, um exercício que também compete à imprensa e um conceito muito na moda mas pouco exercitado.
As queixas do JM relativamente aos graves problemas, que desde sempre temos sentido no acesso à informação, têm sido olimpicamente ignoradas, durante todo o tempo, pela maioria, por todas as oposições e pelos restantes OCS do concelho. Por esse lado, nunca conseguiremos ultrapassar os problemas de acesso às fontes, nem as condições de desigualdade no exercício da atividade jornalística, relativamente à concorrência.
Num concelho, onde um dos OCS que beneficia de um comodato com a câmara municipal é parceiro de uma entidade municipal que aloja dois outros órgãos de comunicação social, o exercício da concorrência em condições de equidade é uma quimera e o acesso à informação em condições equitativas é um conto de fadas.
Vamos lá então a um episódio final, que aqui acaba por desempenhar a função de cereja no topo do ambiente que se vive no concelho de Mafra, no que à atividade da imprensa diz respeito. Quando nos foi barrada a entrada no edifício municipal a ser inaugurado, foi possível vislumbrar no interior, a presença do director de um outro órgão de comunicação social do concelho, devidamente equipado para a reportagem. Mas este é já um outro episódio desta ópera bufa, algo que, em termos deontológicos, ainda não decidimos como iremos tratar.
Paulo Quintela
Diretor do Jornal de Mafra