Jorge C Ferreira

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A Praia

Tanta gente a correr para a praia. Vejo-os passar sentado na esplanada. As peles ávidas de sol. Irão descer a rua e aproveitar estes raios que nos têm aquecido. A praia já deve ter os habituais clientes de todo o ano e mais alguns. Descem a rua e vão com ar de quem ama o calor.

As ondas batem na parede do bar. Pouca gente na água. Muita gente a trabalhar para o bronze. Gente que vive a esturricar a pele. Apesar dos cremes o perigo ronda. Dois pescadores tentam a sua sorte. Procuram os peixes que teimam em lhes fugir. Nas rochas escondem-se os polvos. Logo à noite barquinhos com uma luz irão procurar outras espécies.

O bar. Um barco encalhado nas rochas. Foi assim que sempre o vi. Conheço-o desde criança. O tempo das barracas e dos toldos alugados à época. No tempo dos banheiros que levavam as crianças ao banho. Aquele lugar começou a ter sentido quando a idade cresceu. As amigas e os amigos. As namoradas. As festas que dali partiam. O meu amigo que tinha um cão premiado. Esse cão que muitas vezes partia à desfilada e levava cadeiras com ele. Esse bar, esse barco, que ali continua.

Há sempre quem se passeie a fazer corpo. A mostrar o que o sacrifício do ginásio produziu. Juntam-se nas rochas os que procuram a cura para as maleitas dos ossos. Dizem que esta praia, tem muito iodo, que tem um microclima. Já teve direi eu. As algas já não se enrolam nas nossas pernas. As rochas, cada vez menos, pintadas de um verde vivo.

Há quem se lembre das pessoas vindas em padiolas desde o antigo sanatório até à praia. Sanatório de doenças de ossos. Eu, lembro-me do solário. Onde se marcavam as horas para os banhos de sol. Todo o corpo liberto a absorver os raios solares. Tudo para calar as dores que não se calavam.

As ruas que vão dar à praia já mudaram um pouco. Algumas vivendas desapareceram. Desapareceu o Pavilhão onde se íamos ver o hóquei. Tantas equipas da linha a jogarem na elite. Tantos craques. Os miúdos que aprendiam a andar e a patinar.

No natal os perus, passavam e ficavam num terreno perto da linha do comboio. Era lá que se iam comprar. Depois era embebedá-los, matá-los e cozinhá-los. O segredo do recheio. Quando acabaram os perus apareceram atracções e circos. Os carrinhos de choque. O carrossel. Há já muitos anos que, naquele sítio, mora um prédio com lojas por baixo.

A parte de cima e a de baixo da linha. Sempre houve uma distinção. Agora as passagens são subterrâneas. Dantes havia sinais sonoros e guarda da linha com bandeira. O chefe de estação e o seu apito. As traves de madeira que calcorreávamos.

Voltemos à esplanada. As pessoas estão a voltar da praia. Afogueadas algumas criaturas. As chinelas. Os corpos a precisarem de água doce. Alguma areia que sobra em certos sítios do corpo. Grãos que o sol doira. Os cabelos mais clareados. As caras mais coradas. Mais uma água e casa.

«Olha, hoje gostei do passeio. Sim senhor.»

Fala de Isaurinda.

«Os velhos e os novos tempos. Assim passeámos.»

Respondo.

«Olha ainda me lembro desse cão que falas e do teu amigo. Vocês eram pouco malandros, eram!»

De novo Isaurinda e vai, o sol na mão.

Jorge C Ferreira Abril/2019(203)

 



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