Crónica de Raphael Mesquita | Trump continua a dar cartas
Em mais um episódio de “Os EUA Tentam Mandar No Mundo pela milésima vez”, Donald Trump quis mostrar a sua superioridade e dominância à esfera global com um ataque de menino GRANDE, FORTE e AMEAÇADOR na forma de uma cartinha.
Nesta carta ele exige que todas as empresas portuguesas acabem com qualquer política de inclusão na gestão do seu capital humano em nome da antidiscriminação. Isto porque tentar incluir quem quer que seja aparentemente é discriminatório, da mesma forma que para ele talvez bater mais em pessoas negras seja essencial para que se sintam integrados. Aliás, é por isso que está ao lado de um Musk que faz a saudação nazi, ou não fossem ou neonazis se sentirem excluídos…
A carta tenta impor a ordem executiva de Trump, onde essencialmente diz que programas de diversidade são “perigosos, degradantes e imorais”. O mais chocante disto é descobrir que o Donald sabe tantos adjetivos. Aparentemente dentro das classes gramaticais, a única coisa que o incomoda são os pronomes.
A embaixada recebeu por correio o que poderia ser um tweet, aliás, um x, nome que combina, sendo que este deveria ser o x da questão: “Podem parar de contratar muitas mulheres ou pessoas de cor? Podem fazer o favor de voltarem ao século XVIII? Thank you, lots of kisses”.
A diversidade é perigosa. Quem nunca teve de lidar com a situação onde um contabilista angolano, uma engenheira brasileira e um técnico português entram num elevador e de repente e de forma assustadora começam uma conversa civilizada? Algo arrepiante!
O presidente laranja insiste que se deve tentar impor a boa e velha prática da “meritocracia americana” e tal conceito está plenamente bem representado na figura do Donald, visto que nada grita mais meritocracia do que um ex-astro de reality shows acusado de crimes que nasceu rico, herdou dinheiro e fama do pai e chegou à presidência com o apoio e dinheiro de bilionários. Quem diria que os valores tradicionais americanos do trabalho árduo, excelência e conquistas individuais são nada mais do que milhões de dólares?
Seria de esperar que simpatizasse com um país que desde sempre manteve o “networking familiar” e o “filho do dono” como instituições mais antigas e perpétuas que a Universidade de Coimbra, mas ao que parece há filhos e enteados nisto das falcatruas entre filhos e enteados.
O narcisismo americano é igual à política do seu presidente, não parece respeitar fronteiras. Não contentes em despedir americanos, agora os sobrinhos do Uncle Sam querem despedir tugas, como se nós precisássemos do Trump para ter mais gente no desemprego.
Senhor Donald, nós temos os nossos próprios critérios para criar desemprego! O que não nos falta é diversidade no mercado da falta de trabalho. É aqui que se nota mais o excecionalismo americano: em Portugal não são precisas tantas desculpas para ter pessoas no olho da rua, muitas vezes basta a situação económica. A discriminação também existe, mas não vem em forma de carta.
Só mesmo um país de grande mérito como os EUA para conseguir conjugar uma cerejinha de racismo, xenofobia e machismo num mesmo bolo de mercado empresarial do qual quer que todo o mundo coma.
Raphael Mesquita
“O Rafu é um jovem velho, de Coimbra a viver no Porto; Não é pessoa de meias medidas (veste uma de cada tamanho) e sabe como as palavras podem magoar (porque uma vez um livro lhe caiu em cima). O Rafu nasceu no Brasil, a mãe é angolana, a avó portuguesa e às vezes vê-se russo com isso. Foi vocalista de uma banda, o que lhe valeu o primeiro emprego e a falta de vida própria. Deixou Lisboa porque estava cansado de pedir uma torrada em inglês. Trabalha muito, ganha pouco e só precisa de uma oportunidade (e algum dinheiro, vá). Fez de padre numa curta metragem, foi o mais próximo que esteve de ser santo.”
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