Crónica de Raphael Mesquita | Caiu a Ficha à luz do dia

Raphael Mesquitacp

Crónica de Raphael Mesquita | Caiu a Ficha à luz do dia

 

No dia 28 de abril de 2025 Portugal sofreu um apagão. Poucos dias após o Dia da Liberdade nos dar umas luzes ficámos livres de qualquer luz.

Ultimamente temos visto a volta do nazismo, agora vimos a volta da luz das velas, acho que por este andar daqui a uns dias vemos dinossauros.

Quando a eletricidade foi abaixo houve uma sequência de pensamentos semelhante em todas as casas portuguesas: será que me esqueci de pagar a conta da internet? Afinal deve ter sido a conta da luz… Espera, não há luz no prédio, será problema do condomínio? Okay, não há luz na cidade, é culpa da câmara… Raios, afinal não há no país todo, queres ver que os russos descobriram que Portugal existe? Afinal foi um apagão em várias partes da Europa, será que o boicote à Tesla foi longe demais?

A reação seguinte foi ligar a rádio para tentar perceber o que se passou. Numa delas passavam o que chamavam de música; e quem diria que a banda sonora do apocalipse seria kizomba?

Já na rádio de serviço público ouviam-se importantíssimas como “acho que esta loja está fechada porque tem aqui um papel a dizer que está fechada” ou “estão os donos das lojas todos à porta de braços cruzados”.

Mais tarde chegou finalmente um esboço de explicação: Portugal estava a importar eletricidade de Espanha para poupar dinheiro quando houve uma falha no país vizinho. Não poderia haver explicação mais portuguesa do que ficar de luz apagada para poupar uns trocos.

Já por sua vez as pessoas não olharam a trocos para rapidamente açambarcarem carrinhos de compras com dezenas de garrafões de água, fazer filas de quarteirões para comprar fogõezinhos a gás e sacar de baús empoeirados todos os rádios a pilhas que conseguiam. O desespero estava quase ao ponto de alguém perguntar: Só para não causar mau ambiente social, quanto tempo é que acham aceitável esperar antes de recorrer ao canibalismo?

Tal como na altura da pandemia, esgotou-se o estoque de papel higiénico dos supermercados, provando mais uma vez que se há algo que não se pode dizer do povo português é que têm falta de fibra.

Imagino que para muita gente isto até foi pior que a pandemia, porque pelo menos nessa altura gente feia andava com a cara tapada.

Este fator é importante tendo em conta que as ruas estavam cheias. O apagão tirou malta de casa que já não fazia a fotossíntese desde a última celebração dos Santos Populares.

Pelo menos esta idade média tinha muitas mais t-shirts, tendo muitas famílias aproveitado a calamidade para passear em jardins. Nada mais português que tentar ver o lado bom na tragédia, por exemplo: foi preciso desligarem os semáforos para quem anda de carro lembrar que tem de parar em passadeiras.

Já a Proteção Civil protegeu os civis de receberem qualquer mensagem de aviso da Proteção Civil; E o governo, sempre super solícito e atento à situação, foi ao longo do dia publicando mensagens muito importantes nas redes sociais quando ninguém tinha acesso às redes sociais para ver as mensagens. Sugiro que mantenham a tendência e tentem acender fogueiras num dia de chuva em excesso.

Há que dar parabéns por conseguir utilizar a pior forma de dar umas luzes sobre o assunto, tendo o governo estado mais ausente que a própria luz.

Ao fim do dia a eletricidade chegou aos poucos às casas do Zé Povinho que rapidamente se apressou a publicar nas redes: “O que vivemos hoje vivem todos os dias as pessoas em Gaza”. Não, Zé Tó, tu só tiveste de te entreter com livros durante um dia.

Os telejornais entrevistavam o André Ventura acerca da escuridão causada pela falta de luz. Será que é por ser especialista em dizer mal de tudo que é escuro?

Nada como ver jornalistas a perderem tempo com comentadores especialistas em tudo e nada para nos lembrar que voltámos a normalidade.

Raphael Mesquita


Raphael Mesquita
Sou o Rafu, comediante com 6 anos de experiência, nascido no Brasil, filho de mãe angolana e com raízes portuguesas – uma mistura que me proporciona um olhar único sobre as realidades dos dois lados do Atlântico. Atualmente vivo no Porto, após percursos por Lisboa e Coimbra, deixando abaixo uma breve apresentação:
“O Rafu é um jovem velho, de Coimbra a viver no Porto; Não é pessoa de meias medidas (veste uma de cada tamanho) e sabe como as palavras podem magoar (porque uma vez um livro lhe caiu em cima). O Rafu nasceu no Brasil, a mãe é angolana, a avó portuguesa e às vezes vê-se russo com isso. Foi vocalista de uma banda, o que lhe valeu o primeiro emprego e a falta de vida própria. Deixou Lisboa porque estava cansado de pedir uma torrada em inglês. Trabalha muito, ganha pouco e só precisa de uma oportunidade (e algum dinheiro, vá). Fez de padre numa curta metragem, foi o mais próximo que esteve de ser santo.”

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Raphael Mesquita


 

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