Lágrimas Regam O Crescente Fértil
por Alexandre Honrado
Escrevi este texto em 2006, para um livro-catálogo do meu amigo fotógrafo de guerra Ângelo Lucas. Achei-o por acaso – e nada é realmente por acaso.
Com as devidas desculpas, resgato-o ao tempo e elucido-me. O que se terá passado durante os 17 anos seguintes? O que piorou?
Santo Agostinho – no século V, onde isso já vai!!! – falava do fim dos tempos. Hegel, nos primórdios do século XIX, do fim da História. Nós, no século XXI, do fim do petróleo. Quem está mais perto da razão? O velho Santo, que antecipava o último grão de areia da ampulheta dos sonhos? O filósofo alemão que sabia que a História – palavra grega que significa testemunho –só existe enquanto houver um intérprete da História, alguém que perceba e partilhe o testemunho? Ou os seres atuais, que de petróleo só sabem, comummente, que enche tanques de carros apressados, e que desconhecem que o mesmo é pedra e óleo – petra e oleum – coisa dura e a um tempo escorregadia?
Talvez todos tenhamos razão. E o fim dos tempos, da História e do Petróleo estejam unidos por um fio invisível e um ponto comum. Talvez Santo Agostinho, Hegel e um de nós, estejam nesta fotografia do Ângelo Lucas – que é ao mesmo tempo um testemunho e uma metáfora.
É surpreendente ver o estado em que estão os berços da nossa civilização – o Iraque que era a velha Mesopotâmia, a Etiópia que era a fantástica Abissínia, o Líbano, pátria histórica dos fenícios e um dos centros da cobiça do Império Romano! Na foto de Ângelo Lucas, que agora interpreto sentimentalmente, é um instante registado da imbecilidade do Mundo: Aytacahab, Sul do Líbano. Aqui, no verão de 2006, perto desta pequena povoação junto à fronteira com Israel, dois soldados israelitas foram levados pelo hezbollah (movimento radical xiita), o que viria a espoletar uma guerra (mais uma) que devastou parte do Libano, provocando milhares de vítimas. As marcas dos confrontos estão ainda bem presentes em Aytacahab. Uma foto tirada então na sequência da chamada segunda guerra do Líbano. A história – muito desinteressante e inútil, mas que relevo apenas para enquadramento – começou com a “Operação Promessa Leal”, durante a qual milicianos do Hezbollah dispararam foguetes Katyusha sobre localidades e posições militares israelitas próximas ao território libanês. O que me agrada na foto: a ausência de pessoas, à excepção do rosto de propaganda política-religiosa pintado no muro! O que me faz sorrir: os carros estacionados, como se a vida fizesse sentido, o BMW que já teve grandes dias, a carrinha Toyota aberta, daquelas que os talibãs tanto gostam para passear por entre a poeira que Bush deitou aos olhos do Mundo. É o fim dos tempos, o fim da História e o desejo que o petróleo não acabe. E uma fotografia extraordinária que assina a dor do século em que vivemos.
Alexandre Honrado