EDITORIAL

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Mafra, o Museu da Música, o Rei Salomão
e o país que perde sempre com as costumeiras negociatas políticas

 

Num “desabafo” à lusa, alguém do Ministério da Cultura terá “soprado” uma ideia peregrina – dividir em dois, o espólio do Museu da Música, criar um pólo em Mafra e outro no Palácio Foz.

O espólio anterior ao romantismo iria para o Palácio Nacional de Mafra, para satisfazer em parte a vontade, as pressões políticas e as promessas eleitorais do presidente Hélder Silva, enquanto a parte do espólio posterior ao romantismo iria para o Palácio Foz, nos Restauradores.

Vassallo e Silva era Director-Geral do Património Cultural (DGPC) ao tempo de Passos Coelho, sendo ele que deu ouvidos ao presidente da Câmara de Mafra, e da comissão política da concelhia do PSD Mafra, no sentido de se instalar em Mafra o Museu da Música. Não só lhe deu ouvidos, como influenciou Jorge Barreto Xavier (PSD), então Secretário de estado da Cultura, que acabou por cancelar um procjeto da ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas (PS) tendente à instalação do museu no Convento de São Bento de Cástris em Évora.

Entretanto, mudou o governo. O PS substitui o PSD em S. Bento e a ideia de trazer o Museu da Música para Mafra, perde gás. O Jornal de Mafra teve, entretanto, ocasião de por a questão a altos responsáveis da actual gestão do Ministério da Cultura. A resposta que obtivemos foi categórica. Estava fora de questão a vinda do museu para Mafra. As razões seriam de carácter técnico e económico. As condições de temperatura e humidade do Palácio Nacional de Mafra, não permitiriam a instalação segura dos instrumentos musicais, a menos que se fizesse um investimento muito vultuoso naquelas instalações, e isso, estaria fora de causa.

Recentemente, em declarações à Lusa, Vassallo e Silva vem agora defender a sua dama política, Hélder Silva, defendendo que todo o espólio deve vir para Mafra e que não faz sentido dividir o espólio entre dois pólos. E tem toda a razão. Dividir o Museu da música é uma ideia que só poderia passar pela cabeça de políticos, no sentido negativo que a palavra pode ter.

Dividir o Museu da Música em dois pólos é uma ideia peregrina, em que um ministro que claramente não se sente bem no lugar, cede à vontade politica de um presidente da câmara do PSD, sabe-se lá porquê, e, qual rei Salomão, decide dividir o espólio de um museu entre dois pólos a dezenas de quilómetros um do outro.

Luís Filipe de Castro Mendes é um poeta de algum gabarito e dedicou toda a sua vida profissional à diplomacia. A politica executiva não é seguramente algo para que esteja fadado. Conhece muito mal os dossiers, refugia-se frequentemente num discurso politicamente vago e sem a sempre pronta ajuda de assessores e de quadros intermédios do ministério, dificilmente daria conta do recado. Luís Filipe de Castro Mendes é um erro da casting neste governo.

Sem considerarmos os aspectos técnicos envolvidos e as correspondentes condicionantes financeiras, a vinda para Mafra do Museu da Música seria seguramente uma forma de valorizar a vila e o Palácio, uma forma de ancorar em Mafra mais turismo cultural e de integrar a vila na modernidade.

No entanto, nada disto resolveria o problema fundamental deste importante pólo turístico do concelho. Ninguém manda no Palácio de Mafra. A DGPC tutela uma parte do palácio, a Câmara de Mafra tutela outra parte, os militares governam o seu quinhão (em que estado de conservação está a parte que compete ao exército? É segredo?) e claro, a Igreja Católica tutela outra parte. Nestas condições não há gestão que resulte, e a ideia, infelizmente, é capaz de ser essa mesmo.

A integração da vila nos circuitos turísticos do eixo Lisboa-Sintra-Cascais seria uma forma de dar peso económico, cultural e turístico à vila – integrando também a Ericeira enquanto pitoresca vila piscatória (que também poderia ser). No entanto, para que isso possa acontecer é necessário que, politica e culturalmente, Mafra se “abra ao mundo” e se integre na área geográfico-cultural a que pertence, é necessário que os militares encontrem uma alternativa a Mafra e vão “fazer a guerra” para outro lado, é preciso que Mafra encontre um projecto credível e integrado para a actual ala militar. É necessário definir quem “governa” e quem paga os serviços da Basílica – claro que, historicamente, não está em causa a sua utilização regular pela Igreja Católica.

Museu da Música em Mafra? Claro que sim. Se for viável financeiramente e se o projecto se integrar em algo mais amplo, algo mais sistémico, algo que leve, por uma vez, o Palácio Nacional de Mafra à posição que ele merece, e que integre Mafra, finalmente, no mundo geográfico-cultural que é o dela.

 

Paulo Quintela
Director do Jornal de Mafra

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