Os censos gerais da população constituem uma importante ferramenta de planeamento à disposição do estado, das empresas e das universidades.
Sabendo quantos somos, como somos, o que fazemos, que formação temos ou onde habitamos, poderemos avaliar as necessidades que teremos que suprir no futuro – quantas escolas, quantos hospitais, quantos lares de idosos, como planear a arrecadação de financiamento público ou privado para manter os sistemas de apoio social ou as reformas, entre muitos outros fatores que afetam e/ou contribuem para o desenvolvimento do país.
Este é ano de censos. Os últimos censos gerais da população datam de 2011 estando, naturalmente, desatualizados. A 5 de abril iniciou-se em Portugal a maior operação estatística que o país alguma vez viu, os Censos 2021, o 16.º Recenseamento Geral da População e o 6.º Recenseamento Geral da Habitação.
Os primeiros resultados destes censos serão conhecidos daqui a 4 meses, os resultados provisórios daqui a 10 meses e toda a informação censitária deverá ser conhecida daqui a 18 meses.
Esta é uma operação complexa, que envolve globalmente na realização e no tratamento dos dados, cerca de 15 000 pessoas.
No concelho de Mafra, esta operação envolve uma Coordenadora Municipal dos Censos, Lucília Gaspar, funcionária municipal a exercer funções na Unidade de Sistemas de Informação Geográfica e um Subcoordenador Municipal, Miguel Ângelo Correia, que desempenha funções no gabinete de apoio aos vereadores da Câmara Municipal de Mafra (CMM), para além de exercer também funções enquanto Deputado Municipal pelo PSD. Estes foram os nomes indicados ao Instituto Nacional de Estatística (INE) pela Câmara de Mafra.
Para além desta estrutura municipal, existem ainda Delegados Municipais, e ao nível de cada uma das freguesias existe um Coordenador e um Subcoordenador de Freguesia, para além de vários Recenseadores (a nível nacional mais de 60 000 pessoas candidataram-se para exercer a função de recenseador nos Censos 2021).
Cabe ao Coordenador de Freguesia, entre outras funções, reportar à cadeia de recolha quaisquer problemas que considere ultrapassarem a sua esfera de competências e, no final da operação, proceder à recolha e verificação dos recibos de pagamento de acordo com as normas e procedimentos definidos.
Também o Presidente da Junta de Freguesia exerce funções definidas nos Censos 2021, já que compete ao Coordenador de Freguesia “analisar os dados apurados por Freguesia e justificar, com a colaboração do Presidente da Junta de Freguesia, os eventuais desvios identificados”.
O Coordenador e Subcoordenador de Freguesia assinam um contrato de prestação de serviços por 3 meses, e os recenseadores, por 2 meses (entre abril e junho de 2021). “O pagamento pelos serviços prestados varia em função dos resultados apresentados (um recenseador com 600 alojamentos atribuídos e que termine o seu trabalho em 6 semanas receberá em média 1500 €)”.
Aos Delegados Municipais cabe coordenar a atividade censitária no município, para além de “Promover e assegurar o recrutamento e as sessões informativas de coordenadores e subcoordenadores de freguesia e de recenseadores” e assina um contrato de prestação de serviços por 6 meses (entre fevereiro e agosto de 2021).
Na Freguesia da Encarnação, presidida por Carlos Manuel Antunes Póvoa, que exerce os seus poderes apoiado numa Assembleia de Freguesia onde o seu partido tem maioria absoluta, foram recrutados para exercer funções no âmbito dos Censos 2021, Fábio Póvoa (filho do próprio Presidente Carlos Póvoa) e Rodrigo Moreira Luís (filho do Vereador da Câmara Municipal de Mafra, Hugo Moreira Luís, que também exerce as funções de Presidente da Comissão Política do PSD Mafra), para além de mais 3 elementos.
Consultada a Câmara Municipal de Mafra, no sentido de saber, como ocorrera na Freguesia da Encarnação, a seleção dos elementos para os Censos 2021, a CMM respondeu, afirmando que a seleção fora feita pelo INE e que “a única exceção é a designação do Técnico Municipal, que dá apoio logístico à operação”, não esclarecendo a que técnico, especificamente, se referia.
Na resposta enviada às questões cocadas pelo Jornal de Mafra, a Câmara Municipal refere que “o processo de Recrutamento e Seleção é da responsabilidade do INE para qualquer Autarquia, quer seja nos 308 municípios, ou nas 3092 Freguesias. A Câmara não teve qualquer intervenção neste processo”.
Relativamente à responsabilidade da Coordenadora Municipal dos Censos, Lucília Gaspar e/ou do Subcoordenador, Miguel Ângelo Correia, no recrutamento dos elementos dos Censos em serviço na Freguesia da Encarnação, e de modo a compreender, “numa freguesia com cerca de 4.800 habitantes, que razões levaram os responsáveis a fazer recair a escolha dos recenseadores em dois familiares próximos de políticos no ativo no concelho, um deles, o próprio Presidente da Junta de Freguesia da Encarnação e o outro, o Sr. Vereador Hugo Luís, também Presidente da Comissão Política do PSD Mafra?, ou de saber quantos cidadãos se candidataram às vagas existentes para recenseadores na Freguesia da Encarnação, ou ainda, quanto a saber “como é que a coordenação concelhia dos Censos 2021 fez a publicitação das vagas para recenseador na Freguesia da Encarnação? A todas estas questões obtivemos invariavelmente, a mesma resposta, “a Câmara desconhece, porque todo o processo de recrutamento é da responsabilidade do INE”.
Finalmente, quando perguntámos à CMM, “como é que, no plano ético e político, os responsáveis pela Câmara Municipal de Mafra olham para a escolha de um familiar direto do atual presidente da junta e de um familiar direto de um atual vereador da Câmara de Mafra, para assumirem as funções de agentes recenseadores da freguesia da Encarnação?”, a Câmara Municipal de Mafra respondeu que “dado que a Câmara não interveio no processo, não fazemos juízos de valor sobre as opções do INE”.
Embora se trate de entidades independentes, sujeitas a eleições próprias, regidas por legislação específica, o executivo da Junta de Freguesia da Encarnação, às 7 questões colocadas pelo JM respondeu com uma única frase, “Na resposta às questões formuladas, informamos que todo o processo de seleção foi da responsabilidade do INE“.
Contactado pelo Jornal de Mafra, o Instituto Nacional de Estatística, entidade que promove e coordena os Censos 2011, respondeu que “compete ao INE promover o recrutamento, seleção e contratação dos coordenadores e recenseadores de acordo com as necessidades regionais e locais e assegurar a sua formação […] O recrutamento temporário de pessoal para o exercício de funções de coordenação e de execução regional e local de tarefas relativas aos Censos 2021 é realizado pelo INE, I. P., em articulação com as autarquias locais, através da celebração de contratos de tarefa”.
Perguntado, se a seleção dos recenseadores cabe à própria Junta de Freguesia, que indica os nomes dos candidatos, e se, no caso de concorrerem mais candidatos do que aqueles que são necessários, a quem coube a seleção final dos candidatos a contratar, o INE responde “a seleção final dos candidatos esteve a cargo do respetivo Delegado Municipal em articulação com as autarquias locais. De acordo com o definido no anúncio de candidatura “Serão pré-selecionados/as e convocados/as para entrevistas de seleção apenas os/as candidatos/as que melhor se enquadrem nos requisitos definidos, de acordo com as necessidades para o(s) município(s) a que se candidatarem””.
É o Decreto-Lei n.º 54/2019 aquele que estabelece as normas a que deve obedecer a realização do XVI Recenseamento Geral da População e do VI Recenseamento Geral da Habitação.
O Artigo 9º deste decreto estabelece que “À câmara municipal compete a organização, coordenação e controlo das tarefas de recenseamento, em estreita articulação com o INE, I. P. Refere-se ainda que “[…] a câmara municipal deve convocar os presidentes das juntas de freguesia ou os seus substitutos devidamente designados”.
No Nº 4 do referido artigo pode ler-se que “As câmaras municipais, através dos seus serviços, exercem ainda as seguintes competências, em estreita articulação com o INE, I. P.:
f) Apoiar o INE, I. P., no processo de divulgação e recrutamento de candidatos ao exercício das tarefas relativas ao trabalho de campo;
i) Proceder ao pagamento das remunerações do pessoal interveniente nos trabalhos de recenseamento, através de uma conta bancária aberta especificamente para este efeito.
Já o Artº 10º do referido Decreto-Lei, no que se refere às Freguesias, pode ler-se que “No âmbito da competência de gestão de recursos humanos, a junta de freguesia tem a faculdade de indicar ou recrutar pessoa habilitada para a execução das operações dos Censos 2021” e que “Apoiam o INE, I. P., e os respetivos municípios no processo de divulgação e recrutamento de candidatos ao exercício das tarefas relativas ao trabalho de campo”.
Nota da Redação: Os sublinhados e os negritos são da responsabilidade do Jornal de Mafra
[Imagem: Junta de Freguesia da Encarnação – Mafra]