Iniciamos hoje a nova rúbrica do Jornal de Mafra, Viagem pelos Castelos de Portugal. Para início de percurso decidimos hoje ficar por perto e visitar o Castelo de Torres Vedras.
“O castelo, cuja posição é formidável, tem uma única porta, e antigamente tinha casa para o alcaide mór, e um caminho subterrâneo para o rio.”
pode ler-se num relato de 1856.
O Castelo de Torres Vedras localiza-se na freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, no concelho de Torres Vedras, distrito de Lisboa. Encontra-se numa posição dominante sobre um monte escarpado e íngreme, envolvido pela malha urbana e na margem esquerda do rio Sizandro.
O Castelo de Torres Vedras possui uma arquitetura militar, gótica, manuelina e revivalista, sendo constituído por uma “cintura de muralha exterior de planta ovalada com cubelos semicilíndricos e vazado por porta de arco quebrado encimada por elementos heráldicos manuelinos. Alcáçova de planta retangular irregular a que se liga em avanço torre circular com um piso abobadado de polinervura sobre mísulas“.
Trata-se de uma obra militar (nº 27) que se insere na 1ª Linha do sistema defensivo das Linhas de Torres Vedras.
“Barbacã (1) de planta ovalada, provida de cubelos semicilíndricos salientes, reforçada por contrafortes cónicos a SE. e SO. e rematada por merlões com seteiras a S.(…)O portão é em arco quebrado encimado por pedra de armas com o escudo real entre 2 esferas armilares em alto-relevo sobre colunelos e rematadas pela cruz da Ordem de Cristo. Na face interna da muralha, à esquerda, escada para o adarve e em frente rampa e caminho que passa por uma segunda porta (de que existem apenas escassos vestígios) e prossegue rodeando todo o perímetro muralhado e conduzindo à igreja, ao castelejo e ao que resta da alcáçova (…). Entre este torreão e um outro (desaparecido) do lado O. é visível resto de uma cortina de muralha pertencente ao castelejo, antecedida por outro pano de muro em cota inferior, formando duas plataformas em socalco. Paço: existe apenas a caixa murária correspondente ao 1º piso e parte do 2º; a fachada principal, a S., tem porta de verga reta e o 2º piso é marcado pelo parapeito e parte das ombreiras de janelas com conversadeiras; nas fachadas E. e O. abrem-se grandes janelas retangulares e a N. uma porta. No espaço interior subsistem apenas vestígios de paredes divisórias de dependências (átrio, cozinha com forno), uma escada a E. e 2 aberturas (tapadas) de cisternas; na parede S. ladeando a porta principal duas mísulas ou capitéis esculturados“.
O terramoto de 1755 causou elevados danos ao castelo, tendo abatido a parte do paço que ainda restava e os remates das muralhas.
Em 1810, com as invasões francesas, o castelo passou a fazer parte das Linhas de Torres e terá sido reparado e adaptado para o uso de artilharia.
Existem relatos que referem que antes do terramoto de 1755 o Castelo tinha ”um caminho subterrâneo pelo qual se descia á margem do Sizandro”.
Júlio Vieira em 1926 no livro Torres Vedras Antiga e Moderna, refere que “no castelo existe uma passagem subterrânea que ia dar ao rio Sizandro, à qual vários escritores se referem, dizendo-se que os mouros se serviam desse caminho para dessedentar (“matar a sede”) os cavalos. Não se sabe desde quando essa passagem está obstruída na parte inferior, pois o sucessivo levantamento do leito do rio fez fechar a porta de saída“.
Época de Construção: Séc. 13 / 14 / 16 / 19 / 20
Arquitecto / Construtor / Autor: Engenheiro Militar: Luís Máximo de Sousa Bellegarde (séc. 19). Pedreiro: João de Tomar (1539).
Materiais: Cantarias de calcário; alvenaria mista argamassada; betão; tijoleira.
Protecção: Imóvel de Interesse Público desde 18 julho 1957
Enquadramento: Urbano. Destacado, implantado no cimo de monte com forte inclinação do lado N., envolvido por arvoredo e pela malha urbana da cidade, antecedido a S. por pequeno largo com estacionamento. No interior do recinto muralhado localiza-se a Igreja de Santa Maria do Castelo e o cemitério.
Utilização:
Inicial: Militar: castelo e cerca urbana
Actual: Cultural e recreativa: marco histórico-cultural
Propriedade: Pública: estatal
Cronologia
1148 – conquista de Torres Vedras por D. Afonso Henriques; 1149 – o rei doou o senhorio de Torres Vedras a D. Fuas Roupinho; 1250 – foral de D. Afonso III; 1288 – D. Dinis ampliou o castelo; 1382 – D. Fernando mandou reparar os muros da vila; 1384 – o Mestre de Avis cercou o castelo a instâncias de Nuno Álvares Pereira; 1516 – reconstrução manuelina, incluindo a construção do paço; 1519 – reparações nas muralhas da vila; 1539 – obras no castelo, onde trabalha o mestre pedreiro João de Tomar; 1586 – D. António, Prior do Crato, entra no castelo; 1589 – Martins Soares e o Cap. António Pereira, quase sem combate, submetem-no à obediência de Filipe II; 1604, 23 abril – auto de posse do castelo pelo alcaide-mor D. João Soares de Alarcão, sendo descrito como tendo dois baluartes, um a N. e outro a S., muitas casas, 3 cisternas, e as muralhas estavam em muitas partes quebradas e caídas e a barbacã toda desmanchada; 1755 – o terramoto faz abater parte do paço e os remates das muralhas; 1758 – o cura da Igreja de Santa Maria do Castelo, respondendo ao questionário do padre Luís Cardoso refere que a vila fora toda murada possuindo 4 portas e que todo o muro está demolido, apenas com alguns vestígios visíveis na rua da Olaria, quanto ao castelo tinha no meio um pátio com uma cisterna, e em redor deste muitas salas pintadas com acesso por escadaria de pedraria lavrada, tudo era cercado de muralha e por fora desta corria uma ante muralha menor, e quer as salas quer os remates das muralhas caíram com o terramoto; 1790 (depois de) – a Câmara Municipal deixa de arrendar a zona junto às muralhas do castelo para sementeira, devido à ruína das mesmas; 1792 – a vereação ordena que ninguém tirasse pedra alguma do castelo, muros, casas ou cisternas; 1799 – ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder em França; 1807, outubro – França e Espanha assinam o Tratado de Fontainbleau, prevendo a invasão e subsequente divisão do território português em três reinos; novembro – tropas francesas comandadas pelo General Junot entram em Portugal; a diplomacia portuguesa solicita o apoio da Inglaterra; 29 novembro – a família real portuguesa abandona o país partindo para o Brasil; 1808, julho – as tropas luso-britânicas comandadas pelo general inglês Wellesley vencem os franceses nas Batalhas da Roliça e do Vimeiro, forçando a rendição de Junot; 1809, março – as tropas francesas, comandadas pelo marechal Soult, procedem a uma segunda invasão, sendo de novo obrigadas a retirar; é decidida a construção de uma linha de defesa de Lisboa, edificadas por ordem do general Wellesley, caso se verifiquem novas invasões das tropas francesas; séc. 19 (início) – decorrente das Invasões Francesas e da consequente construção das Linhas de Torres, o castelo foi reutilizado e artilhado (com couraças e baterias), demoliu-se a porta do castelo e passou a ser o reduto nº 27 do 1º Distrito das mesmas; é responsável pela direção das obras do reduto Luís Máximo de Sousa Bellegarde; 1810 – Napoleão envia o general Massena para conquistar Portugal mas é vencido por Wellesley no Buçaco; 1814 – Napoleão abdica do poder; 1829 – o Capitão J. T. Jones refere que a guarnição do castelo seria de 500 soldados e teria 5 peças de artilharia de calibre 12; 1830 – Sob direção do Cor. Lourenço Homem da Cunha de Eça, reparou-se a muralha do lado E. e alguns torreões do lado N.; 1846 – o bombardeamento pelo Marechal Saldanha, seguida de explosão do paiol, leva à sua rendição e à ruína quase total do paço; 1866 – o trecho de muralha do lado da R. dos Pelames é reparada por soldados sapadores; 1929 – o Ministério da Guerra deu a afetação do imóvel à Câmara Municipal, com encargo da sua conservação e limpeza; 1940 – Estado de eminente ruína, devendo a C. M. proceder a obras; 1945 / 1947 – as muralhas continuam em mau estado; 1955 – desabamento de parte da muralha a NO., e risco de desmoronamento completo; 1959 – as muralhas ameaçam desmoronar-se, sobretudo a N.; 1963 – nova derrocada.; 1980, maio – R. W. Bremner visita o castelo não encontrando quaisquer vestígios das fortificações de 1810; 1983 – ruiu parte da muralha E.; 1984 / 2004 – escavações arqueológicas no recinto pela Câmara Municipal de Torres Vedras; 2004, dezembro – elaboração da Carta de Risco do imóvel pela DGEMN; 2013, 14 janeiro – abertura do procedimento de classificação das 1ª e 2ª Linhas de Defesa a Norte de Lisboa durante a Guerra Peninsular, também conhecidas como Linhas de Torres, nos concelhos de Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira, no distrito de Lisboa, pelo anúncio nº 12/2013, DR, 2ª série, nº 9 (128 obras militares).
(1) A barbacã, em arquitectura militar, é um muro anteposto às muralhas, de menor altura do que estas, com a função de proteger as muralhas dos impactos da artilharia.
Intervenções realizadas:
DGEMN:
1947 – demolição de alguns maciços de alvenarias argamassadas em apeamentos de muralha que ameaçam ruína; construção e reconstrução de muralhas e cortinas; CM Torre Vedras:
1947 – desentulhar de duas cisterna e do torreão S.;
1957 – abertura de uma seteira num torreão, sem justificação e destruindo os elementos arquitetónicos primitivos; execução de massames para pavimentos, para instalar o Museu Arqueológico; consolidação do torreão S., refechamento de juntas e gateamento; reparação do pavimento superior para evitar infiltração de chuva e a ruína do teto abobadado, revestimento do pavimento a tijolo prensado; reboco a cal das alvenarias e construção de merlões no terraço do torreão, apesar de não haver vestígios dos mesmos (pediu-se a suspensão destas obras);
1957 – reparação da muralha: demolição de um troço NE e escoramento do terreno; aplicação de alvenaria hidráulica em elevação, sendo as juntas tomadas com argamassa; consolidação de um gigante e da muralha S., junto ao portão, refazendo a alvenaria e construindo valetas para desviar águas pluviais;
1962 – consolidação de muralhas exteriores E. e O., com calçamento das zonas em perigo de ruir, aplicando gatos de betão armado nas fendas e refechando as juntas de alvenaria;
1963 – obras de consolidação: reconstrução de troço de muralha exterior a O. com c. 20 m que ruiu, abrindo-se fundações, reconstruindo-se aterro e muralha de alvenaria em elevação com paramento visto, assente com cal, cimento e areia;
1965 / 1967 – obras de consolidação e restauro: reconstrução de troço de muralha exterior do lado E., com novas fundações, alvenaria hidráulica em elevação, paramento visto em rústico e juntas exteriores tomadas com argamassa de cimento e areia; demolição e reconstrução de parte da parede E. da antiga residência do Governador da fortificação, aplicando cintas de betão armado; colocação de nova porta de madeira exótica com ferragens na entrada principal;
1969 – reconstrução da parede E. da residência do alcaide, executada em alvenaria hidráulica de pedra rija e argamassa de cimento e areia até altura das paredes existentes e rebocada “a imitar o reboco antigo”;
1973 – reconstrução e consolidação de paredes da residência do alcaide: reconstrução do troço N., de 2 m a 6 m, início da reconstrução da parede O., até 1,30 m, regularização das alvenarias dos 4 vãos de janelas da fachada O. com alvenaria hidráulica de pedra rija, argamassa de cimento e areia e reboco tosco;
1974 – obras de consolidação e conservação;
1979 / 1980 – reconstrução das muralhas N. e E.: demolições de troços de muralha que ameaçavam ruína, aproveitando as pedras para a reconstrução; abertura de fundações para a mesma; abertura de caixa para sapata de betão com dente inferior pata aumentar o atrito com o terreno, construção das muralhas em alvenaria hidráulica de acordo com as existentes, paramentos rústicos e juntas tomadas com argamassa de cal parda, cimento e areia; 1980 – reconstrução de muralhas: construção de troço de muralha N., sobre o existente; ameia sobre a muralha anteriormente reconstruída, igual à da entrada do castelo; reconstrução do talude exterior à muralha, demolição dos pedaços de muralha antiga para que não se desloquem; limpeza da cobertura da capela e fixação de telhas; reparação do algeroz, consolidação de 4 ameias a S., junto à entrada, que ameaçam ruir;
1981 – valorização do enquadramento;
1982 – obras de conservação;
1984 – beneficiação das muralhas: consolidação de 3 vãos de janelas com vergas em betão armado, sob as quais irão ficar suspensos com gatos os elementos de pedra existentes; escoramento de pedras, encasque e refechamento de juntas dos panos de muralha anexos;
1984 / 1985 – consolidação da muralha O., em risco de ruína; construção de um muro de suporte do lado interior, para defender a muralha do deslocamento das terras; consolidação das fundações da muralha junto à entrada; refechamento e reparação de vários panos de muralha; reconstrução de parte da muralha do lado E. em betão; escavação e remoção de terras junto à fachada N. da capela;
1986 – beneficiação das muralhas;
1994 / 1995 – beneficiação das muralhas: abertura e limpeza das juntas, refechamento em profundidade, acabamento exterior com argamassa de cal e areia; consolidação das fundações do torreão;
1996 / 1997 – beneficiação das muralhas e consolidação: refechamento das juntas da muralha, execução de boieiros para escoamento de águas pluviais; reconstrução de um pano da muralha, superior ao caminho de ronda, com alvenaria de pedra; recuperação da sala do Torreão Redondo; consolidação da igreja e casa adjacente; 1999 – pavimentação em tijoleira, do terraço do Torreão Redondo;
DGEMN / CMTV 2001 / 2002 – reconstrução do troço de muralha N.; consolidação dos panos de muralha na zona NO. e colocação de guarda de proteção em ferro num dos cubelos;
2002 / 2003 / 2004 – intervenção de consolidação de alguns troços da muralha a N.e NO., devido a um deslizamento da encosta, com drenagens, limpezas, desmatação e arranjos exteriores; colocação de proteções metálicas no contraforte semicircular;
2004 – torreão em obra (Arq. Júlio Grilo);
2004 / 2005 – beneficiação e remate dos coroamentos dos panos de muralha; recuperação das alvenarias da alcáçova e do torreão circular.
[Fonte: DGPC]