Possuído por um momento de louco arrojo, vai o escriba armar-se em crítico de teatro. Loucura maior esta, quando o texto é de Beckett, o espectáculo é dirigido por Carlos Pimenta, que também engendrou o cenário, e os actores, Pedro Lacerda, Ivo Alexandre, Nuno Correia Pinto e Anabela Faustino são gente experimentada no métier.
O texto de Samuel Beckett é denso, depressivo, pessimista, hermético, difícil, desafiador e será absurdo, se dermos por bom o rótulo geralmente aposto ao autor de “Fim de Partida” e de “À espera de Godot”.
Num cenário minimalista, despojado e sujo, movem-se quatro personagens. Hamm, Clov, Nagg e Nell vivem num mundo que na realidade não o é. Um mundo sujeito a várias interpretações – esta pluralidade é um dos atractivos de qualquer arte – mas cuja génese não pode ser desligada da realidade da II Guerra Mundial, uma realidade pejada de sofrimentos e ela mesma, parida do absurdo.
A desesperança que tolda todo o tempo em que a cena está ocupada, pode transformar-se, através das energias do espectador – se quisermos ser optimistas – num incentivo à análise e por aí, poderá este absurdo, na sua antítese, transformar-se em acção e em futuro. Veremos.
“Interior sem mobília.
Luz cinzenta.
À direita e à esquerda, duas janelas pequenas e altas, cortinas fechadas.
Na frente à direita, uma porta. Ao lado da porta, pendurado, um quadro, voltado para a parede.
Na frente à esquerda, cobertos por um lençol velho, dois latões encostados um ao outro.
No centro, coberto por um lençol velho, sentado em uma cadeira de rodas, Hamm.
Imóvel ao lado da cadeira, olhar fixo em Hamm, Clov. Rosto muito vermelho”
A ver, pela qualidade da encenação, da interpretação e do texto. Como bónus, voltar a Sintra.
AUTOR: SAMUEL BECKETT
ENCENAÇÃO: CARLOS PIMENTA
ESTREIA: 21 DE JUNHO
Companhia Teatro de Sintra
No Chão de Oliva
Rua Veiga da Cunha, 20
Sintra