Rituais modernos: Por que criamos superstições em torno de jogos?

Imagine um jogador de pôquer profissional a sussurrar para as cartas antes de um all-in, ou uma streamer de Fortnite a colocar sempre o mesmo boneco de pelúcia ao lado do teclado antes de uma transmissão. Agora, transporte essa cena para o digital: um utilizador da Bizbet apk que toca três vezes no ícone da aplicação antes de carregar no botão “spin”, convencido de que esse gesto trivial aumenta as hipóteses de vitória. Seja numa mesa física ou num ecrã, os rituais persistem — e não são mero acaso.

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Foto de Djalma Paiva Armelin

Hoje, numa era dominada por algoritmos e estatísticas, esses rituais não desapareceram; adaptaram-se. Tornaram-se mais discretos, mas não menos poderosos. Um estudante que joga League of Legends só escolhe a mesma skin após uma vitória, um apostador evita números “azarados” em roletas digitais, e até programadores de IA têm tiques supersticiosos antes de lançar um código crítico.

Mas por que insistimos em rituais quando a ciência já provou que a sorte é mero cálculo probabilístico? A resposta está numa teia complexa de psicologia evolutiva, necessidade de controle e até marketing digital. Plataformas, ao gamificarem cada interação (com sons de vitória, animações vibrantes e recompensas aleatórias), exploram inconscientemente essa fraqueza humana, transformando gestos mecânicos em cerimónias pessoais. O resultado é um paradoxo moderno: quanto mais avançada a tecnologia, mais primitivos nos tornamos nas nossas crenças.

Como o cérebro transforma caos em ritual

Há 50 mil anos, um humano primitivo talvez esfregasse um amuleto antes de partir para a caça, acreditando que isso atrairia a sorte. Hoje, um jogador de pôquer online veste a mesma camisa “sortuda” durante um torneio. A neurociência explica: o cérebro humano é programado para detectar padrões, mesmo onde não existem. Esse viés cognitivo, conhecido como apofenia foi crucial para a sobrevivência — identificar padrões no ambiente (como o rugido de um predador) garantia vantagem evolutiva.

Nos jogos, porém, esse mecanismo vira uma faca de dois gumes. Quando um jogador de roleta ganha após soprar os dados, seu cérebro associa o gesto ao sucesso, mesmo que não haja relação causal. A dopamina libertada reforça o ritual, criando um ciclo de dependência comportamental. Plataformas digitais, com seu design hipnótico de luzes e sons, exacerbam essa ilusão. Afinal, se um emoji de trevo aparece após uma vitória, por que não repetir o gesto que o desencadeou?

A evolução cultural dos rituais

No Egito Antigo, dados eram feitos de osso de carneiro, considerado um animal sagrado. Na Idade Média, cavaleiros carregavam relíquias em batalhas. Hoje, os rituais adaptaram-se aos novos templos: os ecrãs. Um utilizador de slots online pode evitar o número 13, enquanto outro clica no botão “spin” apenas com a mão esquerda. Até em jogos supostamente lógicos, como xadrez, mestres evitam certas aberturas em dias específicos.

 

A cultura pop alimenta essas superstições. Filmes como O Jogador (1992) ou séries como Breaking Bad (com o icónico Heisenberg hat) transformam objetos comuns em talismãs. Nas comunidades gaming, itens como skins raras em Fortnite ou cartas brilhantes em Hearthstone ganham aura mística, mesmo sendo meros pixels.

Mas há uma ironia: quanto mais tecnológico o jogo, mais primitivos os rituais. Nos cassinos online, jogadores desenvolvem hábitos como

  • Jogar apenas em horários “astrologicamente favoráveis”.
  • Usar headphones específicos para “canalizar a sorte”.
  • Recarregar saldo sempre com valores múltiplos de 3.

São tentativas de humanizar o algoritmo, de negociar com máquinas que, no fundo, funcionam em código binário.

Quando a superstição vira ferramenta

Nem todos os rituais são inocentes. Em 2019, um estudo da Universidade de Helsínquia revelou que 68% dos jogadores azarados atribuíam perdas a “maus rituais”, perpetuando ciclos de culpa e compulsão. Por outro lado, psicólogos do desporto defendem que rituais controlados — como meditar antes de uma partida — melhoram o foco e reduzem a ansiedade.

A diferença está no controle. Enquanto um tenista ajusta as cordas da raquete sete vezes para entrar em “estado de fluxo”, um apostador compulsivo joga até a conta zerar, convencido de que “desta vez” o ritual trará sorte. Plataformas responsáveis investem em ferramentas de autolimite, lembrando que sorte é estatística, não magia.

Entre a razão e o ritual, o jogo continua

Os rituais em torno de jogos são um espelho da nossa relação com o desconhecido. Eles revelam que, mesmo na era da inteligência artificial, ainda buscamos narrativas para explicar o inexplicável. Seja esfregando um amuleto ou atualizando uma app, o que queremos, no fundo, é acreditar que temos algum controle — ainda que mínimo — sobre o caos.

E talvez haja beleza nisso. Afinal, como escreveu Carl Jung: “Aquilo a que você resiste, persiste. Mas aquilo a que você presta atenção, transforma-se.” Enquanto jogarmos, seja por dinheiro, glória ou puro divertimento, os rituais continuarão a ser nossa maneira de sussurrar ao universo: “Estou aqui. E ainda acredito.”

 

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