Pista de motocross da Encarnação envolvida em polémica

Este caso parece ser um exemplo do difícil equilíbrio que em Portugal existe entre a modernidade e a tradição, entre a ruralidade e o desenvolvimento urbano, entre o direito à tranquilidade e a necessidade de desenvolver e de viabilizar os espaços e as regiões do ponto de vista económico e turístico.

Em finais de novembro do ano passado, o Jornal de Mafra teve conhecimento de uma petição destinada a “ajudar a manter a Miranda’s Wonderland!”, uma pista de motocross propriedade de João Miranda localizada na Encarnação, Mafra.

Na petição, que tem  1.257 assinaturas, pode ler-se: “O distrito de Lisboa está em risco de perder uma das pistas com melhores referências atualmente para a prática do Motocross. Inicialmente, a Câmara Municipal de Mafra emitiu uma licença de ruído para 5 dias da semana mas depois reduziu-o para apenas 3 dias […] João Miranda, o proprietário da pista, teve de contratar os serviços de um engenheiro para comprovar que estão a ser respeitados os níveis máximos de ruído permitidos por lei. Apesar disto, a Câmara Municipal de Mafra alega agora outros motivos relacionados com a movimentação de terras para não permitir a utilização da pista“.

Ainda em novembro de 2020, o Jornal de Mafra contactou o proprietário desta pista de motocross, no sentido de conhecer e dar a conhecer a história por detrás desta petição. João Miranda não se mostrou interessado em conversar com o JM porque, disse, estar “em negociação com a câmara e enquanto não chegarmos a um resultado oficioso não pretendo prestar declarações“.

O Jornal de Mafra teve, entretanto, acesso a informação que pode fazer alguma luz relativamente às razões que estão na base do lançamento desta petição.

A inevitável e frequente movimentação de terras destinada a modelar o circuito da pista e o ruído provocado pelas motocicletas de estilo off-road utilizadas neste tipo de manifestação desportiva, acabaram por dar origem a várias queixas de moradores das imediações, queixas que conduziram às atuais limitações de utilização.

As queixas apresentadas à GNR e à Câmara Municipal de Mafra resultaram na deslocação de militares da GNR do posto da Ericeira ao local onde se sititua a pista de motocross.

Em outubro de 2020 após apresentação de uma queixa por ruído excessivo, uma viatura da GNR da Ericeira desloca-se à pista de motocross da Encarnação. “[…] fomos informados via rádio, pelo militar de serviço ao Atendimento do Posto Territorial da Ericeira, para nos deslocarmos à Estrada Municipal 552, n.º 44, junto a um terreno agrícola que lá se encontrava, em virtude de estar a ocorrer um ruído ensurdecedor devido a provas desportivas de MOTOCROSS“, pode ler-se no relatório de ocorrência a que tivemos acesso. Mais adiante, o militar descreve a situação que lhe foi dado observar: “[…] Foi possível no local verificar de imediato o ruído relatado e nesse seguimento a ora participante dirigiu-se ao proprietário do terreno e responsável da atividade que estava a decorrer no local […] Face ao descrito e uma vez que o ruído consequente da prática dos treinos estava a causar incomodidade e a afetar a tranquilidade de terceiros, o Sr. João Miranda de forma voluntária decidiu cessar a atividade que estava a decorrer no presente dia”.

Numa outra queixa datada de setembro do ano passado pode ler-se:

“[…] desloquei-me ao o local dos factos onde a denunciante esclareceu que [devido ao] ruído produzido pelos motociclos que ali circulam, não tem tido qualquer descanso perturbando o seu dia a dia quer ao nível pessoal quer profissional, já que tem desenvolvido a sua atividade profissional em casa.

De facto, no local, o Autuante pode verificar existência de ruído intenso resultante da circulação dos motociclos ao ponto do diálogo com a denunciante se tornar impercetível.

Tendo-me deslocado junto à pista de motocross verifiquei tratar-se de um terreno vedado por uma rede, onde o acesso se faz por um portão que se encontrava aberto e de livre acesso a quem quisesse entrar no recinto, já que ninguém se encontrava a controlar os acessos.

Verifiquei ainda que no local se encontravam cerca de 20 motociclos, sendo que na sua maioria se tratavam de veículos de competição, não matriculados, não estando portanto obrigados aos limites acústicos previstos na lei para aquele tipo de veículos quando matriculados“.

Mais adiante pode ainda ler-se, que a pista “[…] também não possui outra licença para além da licença especial de ruído emitida pela Câmara Municipal de Mafra“.

A pista de motocross cuja modelação obrigou a alterações na topografia do terreno, iniciou a sua atividade nos primeiros meses de 2020, tendo logo sido objeto de várias queixas junto da Câmara de Mafra, entidade que não fiscalizou a atividade ali desenvolvida, uma vez que, pela análise dos relatórios das ocorrências, o espaço não está licenciado.

Em julho de 2020, a Câmara de Mafra emitiu uma Licença Especial de Ruído para o período entre julho de 2020 e maio de 2021, tendo-a depois reduzido, por força das queixas que recebeu, para 3 dias por semana, sem que, pelos vistos, se tivesse assegurado que a atividade cujo ruído licenciou, era lícita e estava licenciada naquele espaço situado em área agrícola e junto a habitações.

Terá havido pelo menos uma reunião entre os queixosos e o vereador Hugo Moreira Luís, vereador responsável pelos licenciamentos, ele próprio residente na Encarnação. Nessa reunião, o vereador terá afirmado que a atividade de motocross estaria licenciada naquele local.

Das queixas apresentadas resultou, desde logo, a limitação da licença especial de ruído para 3 dias por semana e o desencadear de uma análise mais profunda a esta situação, por parte da Câmara Municipal de Mafra, que em resposta a questões colocadas pelo Jornal de Mafra, afirmou que “[…] a atividade está condicionada, estando os serviços municipais a analisar cabalmente a situação, para uma decisão final sobre a mesma“. Esta análise está a ser executada pelo Departamento de Urbanismo da câmara, o que poderá significar que a câmara prendea avaliar a licitude da atividade da pista naquele local, em função das normas do PDM.

O Jornal de Mafra voltou a contactar o proprietário da pista de motocross da Encarnação, que voltou a manifestar-se indisponível para responder a questões colocadas pelo jornal.

Uma nota também para a forma lacónica e evasiva, como a Câmara Municipal de Mafra – governada pelo atual Presidente dos Autarcas Social Democratas, qualidade que lhe confere uma maior responsabilidade em termos de transparência política – respondeu (não respondeu) a 5 das 6 questões que lhe colocámos a propósito deste caso, a saber: (1) Quando a Câmara Municipal de Mafra (CMM) emitiu para aquela localização, uma licença de ruído inicial para 5 dias da semana, reduzindo-a depois para 3 dias, devido a queixas recebidas, assegurou-se que a atividade específica de motocross (fonte objetiva do ruído então licenciado) estava já licenciada para aquele local? (2) Como é que se entende, que só depois de ocorrerem protestos, a CMM tenha decidido remeter o caso ao Departamento de Urbanismo, Obras Municipais e Ambiente, para aferir da necessidade de controlo prévio quanto à operação urbanística realizada no terreno? Este procedimento não devia ter sido prévio (ou simultâneo) ao licenciamento do ruído, que já ocorreu por 2 vezes para aquele espaço e para aquela atividade? (3) O PDM em vigor permite aquela atividade, naquela localização? (4) Avaliou-se a conformidade com a lei, dos níveis de ruído produzidos pela atividade desenvolvida no local? Que valores foram apurados? (5) Confirma-se a ocorrência de contactos negociais entre o Sr. Vereador Hugo Moreira Luís responsável pela área de licenciamentos, e residente na Encarnação, e o proprietário da pista, tendentes a legalizar a atividade de motocross naqueles terrenos? (6) O Departamento de Urbanismo, Obras Municipais e Ambiente tomou já uma decisão relativa a este caso? A quem cabe a decisão final deste caso?

 

Em vez de procurarmos culpados, como nós, portugueses, tanto gostamos de fazer, não deveríamos aproveitar estas situações, para aprender e investir na sua prevenção? Na verdade, uma pista de motocross pode ser um interessante fator de desenvolvimento turístico para uma região e uma fonte interessante de rendimento para os seus proprietários, podendo também ser uma atividade que proporciona novos postos de trabalho e impostos para o país e para a região que a acolhe. No entanto, pelas suas caraterísticas próprias – ruído, pó, movimentação de terras, aglomeração de pessoas, conformidade com a lei – antes de ser instalada, deve ser alvo de um estudo ambiental cuidadoso e do devido licenciamento. Também as entidades públicas, centrais ou locais, deveriam ser mais proativas e menos reativas, poupando custos aos empreendedores e cuidando melhor do bem-estar das populações.

[imagem:Beckov, Slovakia]

 

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