“A persistência é o caminho do êxito”
A propósito do terminus de um ciclo de oito anos de mandatos ao leme da barca, acho pertinente fazer um balanço daquilo que fomos, o que podíamos ter sido e para onde vamos.
É tarefa complicada ser-se oposição política autárquica no Concelho de Mafra. Instalado há décadas no poder, o PSD criou uma máquina impressionante de persuasão quer dos eleitores, quer dos eleitos e servidores da Câmara e Juntas de Freguesia.
O acesso privilegiado, por parte do PSD, à informação que circula na Autarquia, dá-lhe vantagens de monta sobre a oposição, uma vez que é praticamente impossível separar a figura do militante do PSD eleito, do Presidente, Vereador com pelouro atribuído ou técnico prestador de serviços.
A informação sempre foi uma poderosa ferramenta na decisão política. Sabendo isto, os Executivos Municipais de Mafra do PSD sempre pautaram a sua postura pelo “caladinho é o melhor”, “não se revela o segredo da abelha”, “quem quer bolota que trepe”, havendo uma quase ausência de partilha de informações estratégicas com o “inimigo” da oposição e os munícipes, limitando-se a comunicação à publicidade institucional dos “grandes feitos do Executivo”, tão típica de governações totalitárias.
Não se ser apoiante do PSD de Mafra dá mais azar a um empresário ou a um comum cidadão do que vislumbrar um gato preto ou abrir um chapéu-de-chuva dentro de casa.
Quem não reza não ouve Deus e quem não presta vassalagem ao PSD acaba por ser, silenciosamente, preterido, ostracizado, vítima de uma política do “para os meus amigos, tudo, para os meus inimigos, nada e para outros, o rigor da lei”.
Esta postura tem como consequência que quem quer singrar nos negócios ou na política em Mafra, ou se cola ao PSD ou mantém uma postura prudentemente neutra.
A política “do eucalipto” que seca tudo à sua volta pouco mudou desde os tempos do Ministro dos Santos, apenas se limitando a ser mais discreta e menos a “rachar cabeças” de atrevidos.
Assim, a oposição autárquica em Mafra é um David a lutar contra um Golias.
Este ciclo da direcção do PS de Mafra coincidiu, mais coisa, menos coisa, com um terramoto na forma como a Câmara se financia.
Para grande alívio do Executivo, a exaurida fonte de receitas, as licenças camarárias de construção, foram substituídas por uma cornucópia de dinheiro fácil chamado IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).
As principais consequências desta mudança foram a estabilidade na fonte de receitas, uma vez que não depende de conjunturas mas da existência de património duradouro; a diminuição drástica de casos escandalosos de corrupção, quase sempre impunes, com o tráfico de favores entre empresários e a Autarquia e/ou o PSD no tempo do anterior presidente, com casos em curso e prescritos na justiça; o desafogo financeiro da CMM, o que lhe permite apresentar trabalho feito sem se endividar, isto apesar dos problemas financeiros herdados dos tempos da febre da construção civil.
Ao eleitor mais ou menos passivo e “distraído”, pouco lhe interessa onde vai a Câmara arranjar dinheiro – o que lhe interessa é que apresente obra feita.
E com mais dinheiro, a Câmara brilha, “faz flores” e mantém o eleitor contente e com pouca vontade de mudar o seu sentido de voto.
Tudo isto, que só de forma aparente é benéfico para os munícipes, é mais um obstáculo à oposição que tem dificuldades acrescidas para convencer o eleitorado de que se poderia mudar o cenário político em Mafra sem se cair num Armagedão de caos e bancarrota. Em equipa que ganha não se mexe, parece ser o lema do eleitor de Mafra.
Quanto às Juntas de Freguesia do Concelho, a coisa muda de figura: As Juntas são o parente pobre dos órgãos de soberania, têm quase sempre poucas receitas próprias e estão à mercê da “boa vontade” do Executivo Camarário e das suas transferências financeiras, alocação de meios humanos e materiais, o que acarreta quase sempre que tenham de manter uma postura mendicante e de subserviência, correndo o risco de serem fortemente penalizadas caso se tornem incómodas.
Assim, o eleitor, prevendo a vitória do PSD na Câmara, tende a votar para a JF no mesmo partido, não vá o “alguém”, tecê-las.
Mesmo com estas fortes condicionantes, conseguiu o PS apresentar, como há muito não se via, listas consistentes às Eleições Autárquicas em todas as Freguesias do Concelho, mantendo a da Igreja Nova/Cheleiros e elegendo elementos competentes nas restantes.
Já se tornou rotina em Mafra a postura hostil e sobranceira do PSD face à oposição, embora com tendência para abrandar, pelo menos pelos sinais que vai dando nos últimos tempos.
Continua mas de forma mais moderada.
Com os seus parcos recursos, o PS conseguiu apresentar propostas bem estruturadas e pensadas, com vista a uma melhoria da gestão do bem comum e de prestação de serviços públicos pela Autarquia.
O paradigma foi quase sempre o mesmo: rejeição liminar na AM, deixar passar um tempo e depois aparecer a apresentar e a aprovar, como sendo da sua lavra, as propostas do PS de que antes tinha desdenhado.
São exemplos do descrito, a taxa turística, o IMI familiar e a remunicipalização da água.
O PS de Mafra conseguiu manter uma postura institucional perante o poder Autárquico local, fugindo da demagogia barata, da exploração oportunista de infortúnios, dos ataques pessoais, da luta política sem regras éticas. Ser-lhe-ia fácil fazer “guerra suja”, especialmente nas redes sociais, uma vez que teria a tarefa facilitada pela regra de ouro que parece imperar do outro lado: “Ignorar, não responder, ignorar”.
Optar pela “guerra suja” poderia ter dividendos circunstanciais mas minaria, de morte, a credibilidade e honorabilidade do partido, sendo desastrosa a médio e longo prazo, uma vez que o júri do “tribunal eleitoral”, o povo, não anda propriamente a dormir e depressa se cansa de guerrilhas e intrigas.
A reputação de alguém ou de uma instituição leva anos para ser conquistada e pode ser perdida num segundo, numa atitude irreflectida ou infeliz.
O PS semeou credibilidade e está a colher o respeito até dos adversários políticos.
O PS conseguiu manter-se de pé, de cara erguida, apesar das dificuldades, apesar das manobras de sedição efectuadas por alguns junto dos seus dirigentes, apesar das sucessivas derrotas parciais nas eleições.
A quem se deve esta resiliência e estatuto de alternativa credível de poder?
A todos os que gastaram horas e horas do seu tempo de descanso na Política, sem contrapartidas que não fossem o sentimento de dever cumprido ou as suas justas remunerações.
Deve-se a todos os que não desmobilizaram perante a maré laranja que submergiu o Concelho.
Deve-se àqueles que não trocaram os seus Princípios, em troca de facilidades junto do poder.
Deve-se àqueles que cerraram os dentes e se tiraram do seu remanso para provar que não, não é tudo a mesma coisa, a Política não é uma “porca” e não andamos todos ao mesmo.
Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida…
Sérgio A.M Santos