O jornal Observador publica hoje um excelente artigo de fundo em que desenvolve o tema da mudança do Museu Nacional da Música, da estação de metro do Alto dos Moinhos em Lisboa para o Palácio Nacional de Mafra (PNM).
A atual localização do Museu da Música não é, reconhecidamente, a mais adequada – numa estação de metro – e a ligação estreita que estabeleceram o anterior Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, e o atual Presidente da Câmara de Mafra, Hélder Sousa Silva, a propósito da reabilitação do carrilhões da Basílica de Mafra, associada ao milhão de euros que a Câmara de Mafra disponibilizou para a adaptação das instalações do PNM, de modo a poder albergar o museu, fizeram o resto.
No artigo a que aludimos faz-se a história das vicissitudes por que tem passado/passa o Museu da Música, fundando-se a transferência para Mafra, na voz dos seus opositores, numa “decisão tomada à pressa, sem considerações museológicas, sob pressão política e com falta de análises de viabilidade“.
” […]o Museu Nacional da Música ficará instalado na Ala Norte do Palácio Nacional de Mafra, contando com uma entrada própria, para que as identidades do Museu e do Palácio não se misturem, segundo o presidente da Câmara Municipal de Mafra. A isto junta-se a instalação de um elevador que permite o transporte de instrumentos e o acesso ao espaço expositivo — que será instalado num único piso.“ [Observador]
O apoio à transferência surge no artigo a cargo de Hélder Sousa Silva, socorrendo-se mesmo das palavras da ministra da cultura e referindo-se que “De acordo com o presidente, o papel da CM de Mafra neste processo passa por demonstrar “publicamente, tecnicamente e politicamente que Mafra é um dos melhores locais a nível nacional para receber o Museu Nacional da Música”.
Ao longo do artigo é destacada constantemente a coincidência entre o pensamento da ministra da cultura e o pensamento de Hélder Silva a propósito das vantagens e desvantagens da deslocalização do museu da música. Por outro lado, a procura de razões para a polémica desemboca naquela que é uma das pechas nacionais, a falta de diálogo, no caso vertente, a falta de diálogo prévio entre a Associação de Amigos do Museu Nacional da Música e da equipa do Museu, com o decisor político. O Observado traduz assim a oposição à transferência por parte dos meios ligados ao Museu da Música: “[,,,] os trabalhadores do Museu estão contra a ida para Mafra e vários ponderam pedir transferência caso se confirme a mudança do acervo: “A maioria dos funcionários não vai para Mafra. Dentro do MNM não se apoia a mudança“.
Ainda segundo o artigo que temos vindo a citar, em função das peças de que dispõe e dos espaços técnicos e administrativos necessários ao seu funcionamento, o Museu da Música deveria dispor de uma área de 8628 m2, a este propósito, Graça Fonseca refere que “Um Museu com 3000 metros quadrados é um museu relativamente grande”.
Espera-se que a realidade não venha, mais tarde, a sobrepor-se à política, obrigando a custos mais elevados ou a dolorosos recuos políticos
Relativamente ao problema da humidade, segundo algumas opiniões, um problema grave que desaconselharia a localização em Mafra, a Ministra da Cultura declarou que “No Palácio Nacional de Mafra, o que o projeto de arquitetura vai permitir fazer é trabalhar para que todas as condições existam, para que seja tudo mantido no que deve ser mantido em condições, de temperatura, de humidade, do que é necessário”. No entanto, o Observador realça a existência de uma contradição, quando a ministra refere, por um lado, que “estão feitos todos os estudos sobre a possibilidade do Museu estar ali [PNM]”, e por outro lado, quando declarou posteriormente, que “o projeto vai ser feito agora e vai ser feito pela Câmara de Mafra com a DGPC. E vai ser feito, como é óbvio, com todas as condições necessárias para ter lá o Museu”.
A ideia que fica, é a seguinte, a decisão foi tomada sem grandes preocupações de rigor técnico, possivelmente sob pressão politico-económica da câmara de Mafra, e agora, não há espaço político para recuo, ou para grandes acomodações. Espera-se que a realidade não venha, mais tarde, a sobrepor-se à política, obrigando a custos mais elevados ou a dolorosos recuos políticos.
Por seu lado, Ana Paula Tudela, historiadora, sublinha assim as suas preocupações, “Eu conheço a realidade dos trinta pianos que estão em Mafra e que não couberam no Alto dos Moinhos e como têm sido tratados lá. Quando fui parar ao Museu, ao ir a Mafra o que encontrei foi uma pilha de quase três metros de pianos a um canto, uns em cima dos outros, com pernas atiradas para cima, e uma montanha de pastas de um inventário”.
Finalmente, Graça Fonseca, Ministra da Cultura, realçou que enquanto o Palácio de Mafra tem 300 mil visitantes anuais, o Museu da Música não passa dos 16 mil, construindo assim, mais um argumento destinado a valorizar a decisão tomada.
Fica por definir a recuperação dos muitos instrumentos musicais depositados no Palácio Nacional de Mafra, fica por definir o destino do Museu de Escultura Comparada, fica por definir o destino das muitas peças armazenadas no palácio fora da vista do público, fica por definir o plano de reabilitação (nalguns casos urgente) do interior do palácio, fica por definir a calendarização da repintura exterior, fica por definir um plano de manutenção que não permita que a degradação se vá instalando até inviabilizar a sua recuperação por razões de técnicas e/ou financeiras.
Fica por definir um plano de coordenação entre os monumentos de Mafra e de Sintra, plano fundamental para canalizar públicos e financiamentos, fica, finalmente, por definir um plano coordenado de financiamentos que envolva o estado central, a administração local e as empresas, nomeadamente, as empresas locais que beneficiam de contratos milionários continuados com o município, e que bem podiam organizar-se em associação/consórcio – quem sabe, na primeira associação do concelho verdadeiramente sem fins lucrativos – com o objetivo de assumirem, num contexto de mecenato, uma parte do financiamento do muito que, como vimos, ficará por fazer.
Num país com hábitos de planeamento, todas as iniciativas seriam tomadas no quadro de um plano gizado e coordenado por uma estrutura que congregue as ideias e as vontades das entidades nacionais e locais relacionadas com a cultura e com o turismo, contando com representantes do Ministério da Cultura, da Câmara de Mafra, da direção do Palácio Nacional de Mafra, da Tapada Nacional de Mafra, do Patriarcado de Lisboa (não será, afinal, chegado o tempo de por fim ao usufruto gratuito da basílica?) e do Ministério da Defesa (o estado do património à guarda da Escola das Armas é muito pouco conhecido).
Pensar fora da caixa, precisa-se.