Saúde Mental e Ocupacional | Pedro Rafael Figueiredo
Cyberbullying na adolescência
Nas últimas décadas, as tecnologias da informação e da comunicação (tais como o uso do telemóvel, email, redes sociais na Internet, entre outras), têm vindo a ganhar significativa preponderância na vida social e emocional das crianças e jovens de todo o mundo. De acordo com estimativas recentes da Associação Médica Americana (AMA), cerca de 95% dos adolescentes usam diariamente a Internet, destacando-se um aumento significativo da utilização das redes sociais (81%). Apesar da exposição à tecnologia digital apresentar inúmeras vantagens, esta tem vindo também a ser associada a efeitos potencialmente nocivos. Neste contexto, a prática do Cyberbullying tem adquirido particular destaque na nossa comunidade, estando ainda por avaliar o verdadeiro impacto destes comportamentos ao nível do desenvolvimento psico-afectivo dos adolescentes.
O século XXI é o século do mundo virtual. A abertura feita a este novo mundo permitiu modificar rapidamente a forma como nos informamos e como comunicamos uns com os outros, todos os dias e em qualquer lugar. No entanto, este importante fenómeno cultural e social tem vindo a ocupar particular destaque na comunidade científica e política pela sua iminente relação com as questões da privacidade e segurança online, uso abusivo da imagem digital, dependência online e dos video-jogos, entre outras. É no interior desta enorme “Galáxia Tecnológica” que o Cyberbullying representa um potencial nocivo extremamente impactante nos dias de hoje. Definimos este conceito como o “uso de tecnologias da informação e da comunicação para, de forma intencional, intimidar, ameaçar, difamar, chantagear ou humilhar outro”, estimando-se que a sua prevalência nos jovens seja de 6-30% em todo o mundo.
Uma das questões fundamentais à qual devemos procurar responder é: como é que o Cyberbullying acontece e por que razão? Neste sentido, têm vindo a ser apresentados diferentes modelos integrativos, sendo que actualmente os mais aceites e largamente utilizados são os oriundos da Sociologia Criminal (e que tentam explicar sobretudo fenómenos complexos como o crime tradicional, o crime informático e a delinquência juvenil). A Teoria da Oportunidade Social representa o mais importante desses modelos teóricos, referindo que nenhum destes fenómenos apresenta uma base aleatória, mas sim extremamente previsível quando reunidos 3 factores em simultâneo: por um lado, a proximidade a um agressor motivado (alguém com intencionalidade e disponibilidade para estar virtualmente conectado a outro que use regularmente meios tecnológicos, muitas vezes de forma pouco segura); por outro, a existência de um alvo vulnerável (frequentemente adolescentes com fragilidades psicológicas prévias e que ficam isolados perante um agressor que é anónimo e invisível perante os outros); e, por último, a existência de desprotecção social e/ou familiar (muitas vezes associada a relações pais-filhos adversas).
O impacto destes comportamentos é extremamente relevante, tanto ao nível das vítimas como ao nível dos agressores. Do lado das vítimas, destaca-se sobretudo a sintomatologia depressiva e ansiosa, demasiadas vezes aliada a períodos de recusa escolar, sensação de insegurança permanente e, em casos mais graves, a tentativas de suicídio. Em relação aos agressores, tornam-se muito mais evidentes as características associadas ao tipo de personalidade, com emergência de comportamentos anti-sociais, desinteresse escolar e aumento do risco para abuso de substâncias.
Ao nível da prevenção e intervenção terapêutica, as estratégias deverão, por isso, ser multissistémicas, tornando-se essencial sensibilizar toda a comunidade envolvente: deve-se procurar actuar nas escolas através de programas educacionais específicos sobre esta temática (à imagem de alguns programas anti-bullying existentes); reforçar a importância da relação e comunicação pais-filhos (já que os pais estão frequentemente offline neste mundo cada vez mais “o mundo dos adolescentes”); e aumentar a informação tecnológica disponível para todos, pois esta tende a actualizar-se e transformar-se de uma forma extremamente rápida e imprevisível.
O fenómeno do Cyberbullying representa uma enorme constelação de meios e formas tecnológicas baseadas no uso da palavra e da imagem digital para humilhar ou ameaçar outro, sendo particularmente importante estarmos atentos à perigosidade destes comportamentos na adolescência. Reafirmando o poder da palavra dita e da palavra escrita, por Eugénio de Andrade: “São como um cristal, as palavras. Algumas um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas”.
Pedro Rafael Figueiredo
Interno de Psiquiatria da Infância e da Adolescência