Saúde Mental e Ocupacional | Joana Pereira
Adolescer
A tensão entre continuidade (identidade) e mudança (desenvolvimento), que marca todo o ciclo de vida, encontra na adolescência uma expressão particular. As mudanças biológicas associadas à maturação física e sexual, a maior autonomia de circulação social, as alterações no campo da auto-percepção e auto-imagem, a adesão a novos grupos de pares, a adopção de novos papéis na família, as conquistas no plano da auto-regulação da actividade e a adopção de perspectivas em relação ao futuro, concorrem para um processo complexo de resignificação identitária e da relação do adolescente com o mundo.
Mergulhando um pouco mais na compreensão do que é adolescer, se antes a criança via a realidade organizada pelos outros e vivia em nome de princípios que lhe eram apresentados, agora o jovem depara-se com uma série de mudanças e de necessidades que parecem levá-lo para outras direcções e os encontros que tem com a realidade, por muito que pense estar preparado, têm um impacto arrebatador e por vezes confuso.
A dissonância entre o que ele sente e o que lhe foi transmitido, entre o que deseja e aquilo que lhe é possível realizar, provoca reacções explosivas de revolta mas também a motivação para novos movimentos de descoberta, com o inevitável despertar de angústias, confusões e medos. Na tentativa de encontrar uma ordem para essa desordem interna, segue desafiando a fantasia e a realidade através do culto dos heróis e do apego a ideais irrealizáveis, mas tidos como possíveis.
A adolescência pode então ser vista como um período de contestação dos valores parentais na procura de uma autonomia ideo-afectiva, mas em que ainda não foi possível encontrar uma coerência explicativa diferente para a realidade. A saída deste período acontece à medida que o jovem vai percebendo que tem de ser ele a dar uma organização e um sentido à realidade (pessoal, relacional, social, académica, familiar…), só então podendo abandonar os antigos elementos estruturantes sem grandes angústias ou sentimentos de catástrofe. Tornar-se psicologicamente adulto é ganhar a consciência de que cada um dá, de forma diferente, sentido à realidade.
Hermans, J. M. (2001). The dialogical self: Toward a theory of personal and cultural positioning. Culture & Psychology, 7 (3), 243-382.
Rosa, J. C. (1995). Adolescência: Um encontro com a realidade. Análise Psicológica, nº 1 / 2 (XIII), 185-190.
Joana Pereira
Psicóloga do MESMO (Mafra – Espaço de Saúde Mental e Ocupacional)
Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa