A Caneja de infundice é uma iguaria que poucos conseguem apreciar, mas comecemos pelo princípio. A caneja é um peixe semelhante ao cação (cação-liso) e a infundice (infundiça) é uma “barrela feita de urina em que se demolhava a roupa muito suja, para depois se lavar mais facilmente”.
Como é que algo tão exótico se transformou numa iguaria? Os tempos de penúria levaram os chineses a apreciar carnes exóticas – gato, cão, escaravelhos ou cobras – e a confeção da caneja de infundice terá origem nos tempos em que os pescadores da Ericeira não agitavam bandeiras negras para conseguirem a reparação do pontão, tempos de grande penúria, tempos de fomes.
É assim, o peixe (caneja) permanece durante 7 a 15 dias dependurado num local escuro ou até mesmo enterrado, embrulhado em panos, tratamento que acaba por lhe conferir características únicas depois de cozido. Uma dessas caraterísticas passa por um odor amoniacal, que o transforma na tal iguaria que poucos conseguem consumir.
“Reza a lenda que na Ericeira, durante um difícil período de fome, um pescador se esqueceu de um peixe dentro do barco, enrolado em panos, durante uns dias. Como os filhos tinham muita fome, optou por cozê-lo e toda a gente se regalou com a iguaria” [etaste.pt]
O cheiro a amoníaco que envolve os convivas durante o consumo do petisco, o aspeto do azeite que se torna branco logo que cai sobre o peixe e a necessidade urgente de ir tomar banho depois do repasto, fazem deste prato algo de único, mas também, algo por que só muito poucos conseguem passar, conseguem engolir.
O acompanhamento habitual é a batata cozida com casca, regando depois o prato com muito azeite. Ah, convém referir que os apreciadores costumam chamar de ‘cemitério’ ao prato para colocar as espinhas.
Embora seja a Ericeira o local onde são mais comuns as degustações de Caneja de infundice – em locais quase secretos, só por convite e para grupos, que não é, como já vimos, pitéu para as massas – também lá ao lado, na Carvoeira, há gente capaz de confecionar esta façanha culinária.
Tratando-de se um prato típico, embora de muito pouco consumo, só para grupos de iniciados, uma elite gastronómica, a 27 de novembro de 2015, um grupo de pessoas residentes no concelho decidem criar uma associação que tem por objeto, entre outros, “promover o prato gastronómico caneja de infundice, realçando o seu valor gastronómico, o seu significado histórico, e o seu interesse cultura, turístico, cultural e económico”.
A associação, que adotou a designação de “Confraria da Caneja de Infundice” e que foi registada, entre outros, por Hélder Sousa Silva (Presidente da Câmara Municipal de Mafra) e por Filipe Abreu dos Santos (Presidente da Junta de Freguesia da Ericeira), a fazer fé nas redes sociais da câmara de Mafra, viu hoje o próprio Presidente da Câmara Municipal de Mafra assinar com ela, um “Contrato em Regime de Comodato para Cedência de Instalações”, no Parque de Santa Marta, Ericeira.
[imagens do artigo:gastrossexual.blogspot.com]
[imagem de capa:página da confraria (confrades fundadores)]