A alteração do Regimento da Assembleia Municipal de Mafra aproximou o órgão daquilo a que convencionou chamar uma assembleia democrática. Ouviram-se até ao fim, todos os deputados, de todas as bancadas, que decidiram usar da palavra, sem demasiadas pressas, sem interrupções autoritárias, e talvez por isso, embora nesta sessão se tenham discutido temas de relativamente fracturantes, o tom foi ameno e o diálogo quase que se deu. Parabéns, pois, ao novo Regimento da Assembleia Municipal de Mafra.
Todas as forças politicas, à excepção da CDU, apresentaram moções. Algumas surpresas – das 7 moções/votos apresentadas, 4 foram aprovadas por unanimidade – pelo PAN, um parque infantil preparado para ser utilizado por deficientes, a difusão de bebedouros para humanos e canídeos, pelo BE, um voto de respeito pelas populações imigrantes e pelo PSD, uma moção (a que não tivemos acesso) de regozijo pelas vitórias desportivas alcançadas em várias modalidades, por clubes do concelho.
Uma das moções apresentadas pelo PAN, denominada “Voto de Protesto aos Espetáculos Tauromáquicos no Concelho”, apresentada a propósito de uma “garraiada solidária” organizada pelos Bombeiros Voluntários da Malveira, foi alvo de um cerrado e virulento ataque por parte do deputado municipal pelo PSD, Artur Claudino, ou se quisermos ver as coisas de outro modo, aquele deputado aproveitou a ocasião para fazer uma defesa acirrada das virtualidades culturais da lide de bovinos. Foi secundado por uma intervenção de Carla Galrão, que a partir de uma intervenção do público, defendeu a tauromaquia e a sua tradição no país, no concelho e na Malveira, abrindo assim, a partir daqui, a possibilidade de virmos a assistir a intervenções dos munícipes, tendo por tema as declarações prévias dos deputados municipais. Esta moção foi derrotada pelos votos do PSD e do PS. Veremos no que isto dá.
A surpresa da noite, veio, no entanto do PS. António Silva, leu em nome do Partido Socialista de Mafra, um voto laudatório, nada mais, nada menos, do que a Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal, ao tempo do PREC, futuro director da CIA durante o consulado de Ronald Reagan. Em 2003, Frank Carlucci foi agraciado com Ordem do Infante D. Henrique, por Pedro Santana Lopes sendo Jorge Sampaio Presidente da República, tendo sido agraciado também por uma medalha na área da defesa, pelo então ministro da Defesa Paulo Portas. O texto da moção, a que o Jornal de Mafra não teve acesso, focava também a especial relação entre Carlucci e Mário Soares, tendo sido esse, crê-se, o principal objectivo da apresentação desta moção, ou seja, levar o PSD de Mafra a votar uma moção em que Mário Soares é também uma das “estrelas”. Se esse foi o objectivo, a casca de banana surtiu efeito, uma vez que a moção foi aprovada com os votos favoráveis do PSD e do PS, com a abstenção do PAN e com os votos contrários da CDU e do BE. Em tempos de “geringonça”, a apresentação de uma moção de exaltação da memória de Frank Carlucci, um ex-director da CIA, é com certeza uma manifestação de força política da ala mais liberal, mais defensora do bloco central, do PS Mafra.
Esta sessão foi também marcada pelo anúncio de uma intervenção do público, a partir de munícipes da Ericeira, em protesto pelas noites pouco calmas que se vivem na Ericeira, nestes tempos de grande fluxo turístico. Tem havido relatos de muitas queixas dos residentes do centro da Ericeira, queixas que teriam sido ignoradas pela sua Junta de Freguesia. O protesto programado para esta sessão da Assembleia Municipal, mas que não chegou a ocorrer, segundo algumas fontes, terá sido desmobilizado pelo executivo, “as pessoas acobardaram-se” disseram-nos, em função das pressões a que terão sido sujeitas, para que não levassem o protesto à assembleia.
Finalmente, quando chegámos às instalações do Alcainça Atlético Clube, onde decorreu esta sessão da Assembleia Municipal de Mafra, vimos estacionar, com alguma surpresa, uma viatura (ver imagem) pertencente ao Centro Social e Paroquial de São João das Lampas, uma IPSS da região de Sintra. Eram 21 horas, e dessa viatura, propriedade da referida IPSS, vimos sair o seu condutor, José António Petulante Parente, deputado municipal pelo PSD, 1.º Secretário da Assembleia Municipal de Mafra, militante católico e Vice-Presidente da IPSS denominada Centro Social e Paroquial de São João das Lampas, proprietária da viatura em que se deslocava. Habitualmente, as IPSS’s lutam com dificuldades financeiras e não disponibilizam viaturas aos seus vice-presidentes, para utilização privada, muito menos, para utilização em actividades politicas. Terá pois, a IPSS, Centro Social e Paroquial de São João das Lampas, uma politica muito liberal de utilização de viaturas, e com certeza uma muito desafogada situação financeira, algo que, mais que não seja – uma vez que, segundo fontes por nós contactas, esta utilização poderia configurar uma situação de peculato de uso – deverá levar as entidades públicas a pensar duas vezes, quando e se, estiver em causa a atribuição de subsídios públicos ou de consignar IRS, no caso de cidadãos particulares.