Quando eu morrer… se pusessem uma lápide no lugar onde ficarei, poderia ser algo assim: “Aqui jaz, indignado, fulano de tal”. Indignado, claro, por duas razões: a primeira, por já não estar vivo, o que é um motivo bastante forte para indignar-se; e a segunda, mais séria, indignado por ter entrado num mundo injusto e ter saído de um mundo injusto. Mas temos de continuar, de continuar andando, temos de continuar
José Saramago, o homem que a par de João V pôs Mafra no mapa, nasceu na Azinhaga, Golegã, a 16 de novembro de 1922, no seio de uma família de agricultores e faleceu em Tías, Lanzarote, a 18 de junho de 2010.
Trabalhou no Diário de Notícias (DN) e no Diário de Lisboa, regressando ao DN em 1975, como Diretor-adjunto, cargo que ocupa só durante dez meses, até 25 de Novembro de 1975. Demitido das suas funções pelos militares que fizeram o golpe que ficou conhecido como 25 de novembro, o escritor dedicará o resto da sua vida, exclusivamente à atividade literária.
Em 1947 publica a sua primeira obra, Terra do Pecado, mas foi a partir de 1980 que produziu as suas obras mais aclamadas, “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1985), “A Jangada de Pedra” (1986), “História do Cerco de Lisboa” (1989), “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), livro que, a par da sua militância no PCP, lhe valeu o ódio da uma boa parte dos políticos e dos intelectuais da direita portuguesa da altura. Seguem-se, “Ensaio Sobre a Cegueira” (1995), “Ensaio sobre a Lucidez” (2004) e “As Intermitências da Morte” (2005).“Memorial do Convento” (1982) é a obra que liga definitivamente José Saramago a Mafra. A ação decorre no início do século XVIII, durante o reinado de D. João V e da Inquisição, girando em torno da construção do Palácio-Convento de Mafra, imortalizando as personagens de Blimunda Sete Luas e de Baltasar Sete Sóis. Traduzida em mais de 20 línguas, a obra tem mais de 50 edições.
Saramago recebeu o Prémio Camões em 1995, distinção máxima oferecida aos escritores de língua portuguesa, e o Prémio Nobel da Literatura em 1998, o único até agora, que distinguiu um escritor nacional.
Em 1988, José Saramago casaria com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, com quem viveu até à sua morte, e que assegura atualmente a presidência da Fundação José Saramago.
Em 1993, desagradado com os políticos portugueses e com o rumo cultural do país, Saramago “refugia-se” em Lanzarote, onde virá a falecer.
José Saramago foi conhecido por utilizar um estilo oral, coevo dos contos de tradição oral populares em que a vivacidade da comunicação é mais importante do que a correcção ortográfica de uma linguagem escrita. Todas as características de uma linguagem oral, predominantemente usada na oratória, na dialéctica, na retórica e que servem sobremaneira o seu estilo interventivo e persuasivo estão presentes. Assim, utiliza frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional; os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros. Este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto do leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento. Muitas das suas frases (i.e. orações) ocupam mais de uma página, usando vírgulas onde a maioria dos escritores usaria pontos finais
[Imagem de capa: FJS]