A ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), inquirida pelo Jornal de Mafra a 27 de maio, a propósito do regime do IVA aplicado pela Câmara de Mafra, através dos SMAS, aos seus munícipes na cobrança dos serviços de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e da gestão de resíduos urbanos, respondeu a 23 de junho dando conta de recebimento de uma única queixa por parte de uma munícipe do concelho de Mafra.
Da resposta da câmara de Mafra já demos conta em artigo anterior consistindo essa resposta, fundamentalmente, no pedido de parecer à Autoridade Tributária (AT). Desconhece-se a resposta da AT, ou sequer, se já houve resposta.
Na nota enviada ao Jornal de Mafra, a ERSAR começa por afirmar que não são frequentes este tipo de queixas reconhecendo, no entanto, que “a lei admite que os municípios ou o Estado adotem diferentes modelos de gestão para a prestação destes serviços, aos quais correspondem entidades gestoras com diferentes naturezas jurídicas […]”, referência aos dois modelos utilizados na gestão local de águas e saneamento; os serviços municipalizados, como é o caso dos SMAS de Mafra, ou o modelo de gestão por empresas privadas concessionárias, modelo este utilizado pela câmara durante os 22 anos anteriores à remunicipalização da água e dos esgotos, que ocorreu em setembro de 2019.
Relativamente aos custos a suportar pelos consumidores/munícipes, a ERSAR é clara, “[…] é entendimento firme da ERSAR que a opção por um ou outro modelo de gestão apenas deveria assumir relevância no que respeita à forma de governação da entidade gestora e ao seu relacionamento com o município enquanto entidade titular do serviço (e responsável último pela sua garantia), mas não se deveria refletir, em caso algum, na estrutura de custos a suportar pelos consumidores“, referência da entidade reguladora ao atual regime fiscal, que diferencia o regime de aplicação do IVA (pago pelos consumidores), consoante os serviços sejam públicos (SMAS) ou privados (como ocorria em Mafra quando a concessionária era a Be Water).
Na verdade – e sendo pela lei que se gerem os negócios públicos – como a própria ERSAR reconhece “a AT tem sustentado sempre diferenciações do regime do IVA aplicável aos serviços de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e da gestão de resíduos urbanos, em função do serviço e da natureza jurídica da entidade que os presta […] não há lugar à aplicação de IVA no caso dos serviços de saneamento de águas residuais e de recolha de resíduos urbanos quando prestados por municípios, associações de municípios ou empresas do setor empresarial local, por se entender que atuam ao abrigo de poderes de autoridade, no caso destes mesmos serviços serem prestados por empresas concessionárias esta informação sustenta que deve ser aplicada a taxa reduzida de IVA“. (sublinhado da responsabilidade do JM) reconhecendo que, como o Jornal de Mafra referira no artigo Mafra | Câmara está a cobrar IVA a mais nas faturas da água saneamento e resíduos, que publicámos a 5 de junho, a Câmara de Mafra tem vindo a cobrar IVA indevidamente aos munícipes desde setembro de 2019.
Diz mais a ERSE, em “informação anterior da Direção dos Serviços do IVA de 2009 (n.º 1744 de 8 de maio de 2009) remetida à ERSAR, preconizava a aplicação da taxa reduzida de IVA pelas empresas municipais pela prestação dos serviços de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos”, defendendo então a AT, que “já no caso do abastecimento de água, tem sido sempre entendimento da AT que é devida a taxa reduzida, independentemente da natureza jurídica do prestador do serviço”.
A ERSAR, em função da forma diferente como a AT trata a taxação de IVA, consoante o regime o serviço é prestado por privados ou por serviços/empresas municipais, “tem vindo ao longo do tempo a assinalar junto da AT as disparidades no regime de IVA aplicável a estes serviços e que, do ponto de vista da entidade reguladora, geram disfunções relevantes na prestação dos serviços, nos tarifários aplicáveis aos consumidores e na organização dos setores em causa”.
Independentemente das dúvidas que o regime possa suscitar, parece líquido que a Câmara Municipal de Mafra, embora assessorada por alguns dos maiores e melhores escritórios de advogados do país, após ter remunicipalizado a água e os esgotos, não tomou em conta a determinação da AT, podendo agora confrontar-se com a obrigação de devolver aos munícipes/consumidores, o IVA que lhes cobrou a mais desde setembro de 2019. Certo é também, que esta questão só viu a luz do dia graças à proatividade dos munícipes e não por iniciativa do município.
Como é habitual no concelho de Mafra, a questão passou à margem da Assembleia Municipal, que reuniu a semana passada e à margem também de todas as forças políticas (partidos políticos) do concelho.
Artigo atualizado a 26-06-22 às 18:00