Hoje de manhã, o dia estava invernoso, muito nevoeiro, uma chuva miudinha, muita humidade no ar e uma temperatura pouco convidativa a saídas para o ar livre. No entanto, a verdade é que em Portugal, sobretudo nas grandes cidades, há ainda gente que dorme ao relento. Menos comum é que isso aconteça numa vila, e espera-se menos que essa vila se chame Ericeira.
A realidade dos sem abrigo tem sido alvo de muitos estudos, é alvo de muitas estratégias de abordagem, no entanto, independentemente do ângulo em que o problema seja abordado, é algo que por ser tão simples, tão evidente e tão doloroso, tendemos por vezes a esquecer – todo o sem abrigo é um homem uma mulher ou uma criança que sofre. Todo o sem abrigo tem uma história para contar e todo o sem abrigo se agarra à rua com ambas as mãos.
Alertados por uma leitora fomos até à Ericeira, e a dois passos da Ericeira Business Factory exlibris da vila, entrámos num pequeno túnel e a partir dele, chegámos ao vão exterior de uma garagem. Não havia que enganar, estava alguém ali, sob aqueles cobertores, completamente coberto, invisível, resguardado da chuva e de algum modo protegido do frio.
Em conversa com Filipe Abreu, Presidente da Junta de Freguesia da Ericeira, soubemos que a situação se prolongava já por alguns meses, uma outra fonte referiu ao JM que há cerca de 6 meses que esta situação estará sinalizada. Filipe Abreu referiu ainda que este sem abrigo, conhecido pela alcunha de “Toucinho” é natural da Ericeira, que sofrerá de alcoolismo, e que terá sido este factor que contribuiu decisivamente para a situação que agora vive. Os serviços de Acção Social da Câmara de Mafra e a GNR estarão também a acompanhar este caso há algum tempo.
Não há notícia de desacatos, nem de maus tratos, e para além de algum cheiro a urina, o ambiente que encontrámos no local era calmo. Na realidade, bem vistas as coisas, esta calma era enganadora, debaixo dos cobertores estava um ser humano, um jagoz a precisar de apoio urgente, 6 meses são uma eternidade, na Ericeira ou em Nova York.
6 meses são uma eternidade. A Junta de Freguesia, a Câmara Municipal, a Misericórdia da Ericeira, a Comdignitatis e mais uma boa leva de associações de solidariedade sem fins lucrativos (mas que recebem subsídios provenientes de impostos e que têm várias iniciativas de recolha de fundos e de bens) estão em pleno funcionamento e o senhor “Toucinho” continua a dormir no vão da garagem sob os seus cobertores de sem abrigo.
O senhor “Toucinho” não sabe, mas a comunicação social e a liberdade imprensa, às tantas, podem fazer mais por ele (temos essa esperança) do que as igrejas todas juntas, mais as entidades públicas sustentadas por impostos, mais o ninho das chamadas associações de gente muito benemérita e sem os tais fins lucrativos.
Janeiro de 2018, está de chuva e o frio é de rachar. Na Ericeira há um sem abrigo que “vive” num vão de garagem. O mundo cá fora continua a a girar, quase indiferente.