Jornal de Mafra – A sua relação com a UNESCO durante e após a candidatura do Palácio foi decisivo no sucesso da sua candidatura à direção do Palácio Nacional de Mafra (PNM)?
Sérgio Gorjão – A inscrição na lista do património mundial é um marco muito importante, embora a pandemia tenha, de algum modo, dificultado a noção que temos da importância desse reconhecimento.
Mafra ganhou uma visibilidade que não tinha e abriu-se para ela um mercado muito grande, aquele que sempre resulta daquele reconhecimento mundial. Ora, essa abertura de Mafra ao mundo, digamos assim, obrigará a uma postura diferente na gestão deste imóvel, do Jardim do Cerco, da parte militar e da Tapada de Mafra, ou seja, daquele que é atualmente um dos maiores monumentos nacionais.
Criou-se uma unidade de cooperação que congrega as cinco entidades que fazem a gestão deste bem, a DGPC, o Exército, a Tapada Nacional de Mafra, a autarquia e a paróquia. Temos agora, que aprofundar esta realidade de gestão, de modo a transformar este bem em algo bem articulado, olhando para ele como um todo, em vez de ser encarado como um conjunto de parcelas.
Como estive ligado a este processo desde 2016 e tendo em conta o bom resultado obtido em 2019, tendo também em conta o convite que tive em 2020 para desempenhar as funções de Secretário Executivo da Comissão Nacional de Unesco, facto que também me permitiu ter uma perspetiva mais alargada das várias dinâmicas ligadas à educação e à investigação, tudo isto, a par de já conhecer bem o edifício e os desafios que representa, contribuiu seguramente para que o meu projeto cultural fosse apreciado positivamente.
Jornal de Mafra– Qual é a relação que existe atualmente entre os diferentes parceiros envolvidos na gestão?
Sérgio Gorjão – A colaboração tem sido sempre excelente. Todos nós temos objetivos bastante distintos, mas todos temos uma grande atenção aos objetivos comuns sublinhados pela Unesco.
Julgo ser um bocadinho arriscado pensar em grandes desafios, em grandes exposições, sem ternos a casa arrumada
Jornal de Mafra– A Unesco criou determinadas linhas e objetivos concretos que é necessário satisfazer, como é que decorrem esses trabalhos?
Sérgio Gorjão – Em 2019, o Comité do Património Mundial fez um conjunto de recomendações numa dinâmica ligada à conservação, à gestão do bem e à gestão da envolvente, implicando a demolição de algumas estruturas espúrias. Há também um projeto de valorização da área envolvente, que se liga com outras valorizações, nomeadamente, com os recursos equestres. Na área da gestão florestal há recomendações que vão no sentido de eliminar determinado tipo de espécies invasoras. Por outro lado, e não menos importante, há que aprofundar a forma como comunicamos este bem e a forma como o damos a visitar, incluindo-se aqui as visitas integradas a outras partes do edifício, nomeadamente com a Tapada Nacional de Mafra.
Jornal de Mafra– Quais são os seus objetivos de gestão a curto prazo?
Sérgio Gorjão – Na verdade, os assuntos que passam por aqui vão desde as questões do património mundial, até aos problemas causados por uma torneira que avariou.
Jornal de Mafra– Mas esses problemas comezinhos não deviam ser tratados por um funcionário intermédio?
Sérgio Gorjão – Eu gostaria de estar no ponto “X” para poder avançar a partir daí, mas nós ainda não estamos no ponto “X”. Ainda temos aqui muito trabalho de arrumação, no sentido literal, de revisão de inventários, de criação de outro tipo de condições para as pessoas trabalharem. Julgo ser um bocadinho arriscado pensar em grandes desafios, em grandes exposições, sem ternos a casa arrumada.
A curto prazo teremos aqui desafios muito importantes, como é o caso da instalação do Museu Nacional da Música e da aplicação do PRR, o qual também implica a execução de intervenções no edifício.
As reservas deviam ser uma parte da nossa função museológica, à qual deveríamos dar mais atenção
Ultrapassada essa fase, devíamos focar a atenção na exposição permanente do palácio, melhorando o circuito expositivo e oferecendo mais bens aos visitantes e aos nossos investigadores. Devemos também pensar no alargamento do núcleo de arte sacra, avançando para a criação de um núcleo museológico dos tesouros da Basílica.
Jornal de Mafra– As reservas constituem uma mais-valia no enriquecimento do património visitável do palácio?
Sérgio Gorjão – As reservas deviam ser uma parte da nossa função museológica, à qual deveríamos dar mais atenção, isso não tem acontecido porque alguns dos bens que estão em reserva precisam de um processo de conservação e de restauro, para o qual é necessário mobilizar recursos financeiros que atualmente não estão disponíveis.
Jornal de Mafra– O PRR não prevê verbas a esse nível?
Sérgio Gorjão – Não, o PRR não prevê verbas para o tratamento de património móvel.
No futuro temos de dar uma atenção redobrada às nossas coleções, através da sua conservação e restauro, do seu estudo e da sua reintegração na exposição.
Jornal de Mafra– O palácio beneficia de planos de formação contínua destinados aos quadros intermédios e aos funcionários?
Sérgio Gorjão – Existe formação a vários níveis providenciada pela DGPC.
O elevador vai funcionar numa zona que terá de ser posteriormente intervencionada para servir o Museu Nacional da Música, razão pela qual, por agora, ter o elevador a funcionar criaria muitos problemas
Jornal de Mafra– Para quando o acesso a cadeiras de rodas e a instalação do elevador?
Sérgio Gorjão – Esse processo está a andar e está bastante avançado. No entanto, por exemplo, o elevador vai funcionar numa zona que terá de ser posteriormente intervencionada para servir o Museu Nacional da Música, razão pela qual, por agora, ter o elevador a funcionar criaria muitos problemas.
Quanto ao acesso de cadeiras de rodas à Basílica, a plataforma está já a ser construída e muito brevemente será uma realidade. No entanto, a gestão desse acesso merece ainda alguma reflexão, porque não basta dispor da plataforma, é preciso que tudo à sua volta esteja a funcionar.
Jornal de Mafra– Faltam funcionários ao palácio?
Sérgio Gorjão – Faz muita falta ao palácio dispor de mais funcionários.
Neste momento as condições de segurança do edifício estão no limite do aceitável, para não dizer, abaixo do aceitável. Precisamos de considerar muito seriamente a incorporação de muitos mais assistentes de sala e de segurança.
O palácio tem muitos milhares de visitantes por ano e a situação agudizou-se depois da pandemia tornando muito difícil fazer a gestão dos grupos, com dificuldades acrescidas pelo facto de se tratar de um circuito de vai e volta.
Em boa verdade devíamos ter o dobro das pessoas que aqui trabalham atualmente.
Jornal de Mafra– Abertura à investigação e à colaboração internacional, que planos há nestas duas vertentes?
Sérgio Gorjão – A dimensão da investigação é muito importante, mas tem de ser feita num quadro académico de qualidade. Há alguma proximidade com os meios académicos, com a Faculdade de Arquitetura e com a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mas precisamos de aprofundar esta relação e alargá-la a investigadores internacionais.
As condições de segurança do edifício estão no limite do aceitável, para não dizer, abaixo do aceitável
A dinâmica da investigação poderá ainda ser relançada através da colaboração entre a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e a DGPC (Direção Geral do Património Cultural).
Jornal de Mafra– Que impacto poderá ter o PPR no Palácio Nacional de Mafra?
Sérgio Gorjão – O PRR é uma oportunidade extraordinária para atacar uma série de problemas. Veja-se o processo de degradação a que os carrilhões estiveram sujeitos ao longo de muitos anos, até ter sidopossível fazer o investimento necessário para os reabilitar.
Agora teremos 8 ou mais milhões disponíveis por via do PRR, a serem utilizados em três áreas diferentes. Desde logo, na instalação do Museu Nacional da Música, depois haverá uma intervenção no edifício relacionada com as coberturas, com as fachadas, as portas e janelas, note-se que, só neste particular, estamos a falar de milhares de portas e de janelas. Finalmente, o investimento orienta-se também para a conservação e restauro, num programa mais relacionado com a Basílica.
De realçar, que o PRR não dará resposta a todas as necessidades, os valores a utilizar no palácio por via do PRR, são os valores que outras estruturas europeias utilizam anualmente.
Jornal de Mafra– A pintura exterior do palácio será renovada?
Sérgio Gorjão – As fachadas do palácio serão revistas e neste contexto, também a alvenaria, os rebocos e as pinturas estarão incluídas.
Jornal de Mafra– A reabilitação dos carrilhões já demonstrou ser de qualidade?
Sérgio Gorjão – Passados dois anos, a reação à intervenção de conservação é bastante boa, embora haja um aspeto ou outro que poderia ser melhorado, mas trata-se de pormenores, de coisas residuais, não estruturantes. A prova disso é a atividade do Professor Abel Chaves, que tem sido a alma deste instrumento.
É bem-vindo o Museu Nacional da Música, já que Mafra tem uma longa tradição musical, tem os 6 órgãos e o carrilhão, tendo também uma sólida programação musical, assim, a instalação do museu irá complementar toda esta oferta no domínio da música
No entanto, tem havido algumas dificuldades no relógio da torre sul, que por ser uma estrutura mecânica antiga necessita de afinações constantes, ainda não nos tendo permitido ter os relógios a funcionar convenientemente.
Jornal de Mafra– Como vê a integração de Museu Nacional da Música no espaço do PNM?
Sérgio Gorjão – Vejo com muito bons olhos. A partir do momento em que se decidiu que o Museu Nacional da Música viria para Mafra havia duas opções, instalá-lo numa parte do torreão sul ou na ala norte do palácio.
Talvez por não estarmos, na altura, a contar com as verbas do PRR, se tenha optado por integrar o Museu da música na ala norte do palácio, permitindo assim a abertura desse espaço ao público.
Se a opção tivesse passado pela sua instalação no torreão sul, talvez estivéssemos hoje a discutir a musealização daquela área para a pinacoteca e para a área da escultura, áreas que também nos fazem muita falta.
No entanto, isto não passa de hipóteses, uma vez que aquilo que está em cima da mesa é a instalação do Museu Nacional da Música em parte da ala norte do Palácio Nacional de Mafra.
É bem-vindo o Museu Nacional da Música, já que Mafra tem uma longa tradição musical, tem os 6 órgãos e o carrilhão, tendo também uma sólida programação musical, assim, a instalação do museu irá complementar toda esta oferta no domínio da música.
Jornal de Mafra – Vão ser retomados os ciclos de concertos a 6 órgãos?
Sérgio Gorjão – Sim, vai ser retomado o ciclo regular de concertos.
O 10.º Ciclo de Concertos inicia-se a 1 de maio e o ciclo regular será retomado em todos os primeiros domingos de cada mês.