Entrevista | Carlos Martins Pais – Diretor da Tapada Nacional de Mafra

Jornal de Mafra (JM) Quem é Carlos Manuel Martins Pais, o novo Presidente da Direção da Tapada Nacional de Mafra (TNM)?
Carlos Manuel Martins Pais (CMP) – Nasci em Lisboa, como tantos outros, na Maternidade Alfredo da Costa. Fiz o meu percurso escolar e formei-me na área das ciências agronómicas. Sempre estive ligado a funções públicas. Trabalhei no Ministério da Agricultura durante muitos anos, nas áreas da gestão dos recursos hídricos e da gestão dos fatores de produção e a partir de certa altura liguei-me muito à área ambiental, às águas residuais, à utilização de resíduos na agricultura e finalmente, desenvolvi também atividades na área da gestão de resíduos sólidos urbanos, no grupo Águas de Portugal e na Empresa Geral de Fomento. No ano passado regressei ao Ministério da Agricultura, surgindo então esta possibilidade de colaborar na gestão da Tapada Nacional de Mafra.

JMComo é que encarou essa oportunidade?
CMP– Do ponto de vista pessoal é uma oportunidade importante e aliciante. A Tapada é um ativo paradigmático, com uma componente natural e com uma componente patrimonial e histórica muito interessantes. Em termos de gestão, tenho a noção de que a Tapada deve ser gerida como são geridas as empresas, ou seja, de uma forma eficiente e eficaz utilizando todos os instrumentos de gestão que estão à nossa disposição. Este bem público está atualmente inserido num contexto, o qual torna muito interessante a sua atividade de gestão, refiro-me à inscrição do Palácio de Mafra, do Jardim do Cerco e da Tapada Nacional de Mafra como Património Mundial da UNESCO, enquadrando-se muito bem naquilo que sempre fiz da minha vida, pois já levo quase 30 anos de dedicação à causa pública.

“Há muitos anos que a Tapada mantém o seu trajeto, e aquilo que temos de acreditar é que todas as direções da Tapada sempre atuaram no pressuposto de que estavam a dar o seu melhor”

JMSubstitui uma Presidente da Direção (Paula Simões) que foi muito polémica e controversa, como é que vê isso? Como é que encontrou a Tapada?
CMP– A Tapada tem de ser um corredor de fundo. Há muitos anos que a Tapada mantém o seu trajeto e aquilo que temos de acreditar é que todas as direções da Tapada, sempre atuaram no pressuposto de que estavam a dar o seu melhor. Temos de olhar sobretudo para o futuro. A Tapada, como todas as organizações, tem coisas que estão melhor tratadas do que outras, e quando terminamos o nosso mandato, todos nós acabaremos por não conseguir fazer coisas que desejaríamos ter feito.

JM- Que oportunidades e que ameaças vê atualmente na gestão da Tapada?
CMP- 
Temos que olhar para um caminho de longo prazo, que tem por objetivo chegar a uma forma de gestão bastante mais integrada e articulada de todos os bens que constituem o bem que foi classificado. Uma gestão que potencie a capacidade de escala e a eficiência de processos, a manutenção e a preservação, o enriquecimento do património e a visibilidade dos bens, permitindo-nos chegar melhor às pessoas que queremos que nos conheçam. A Tapada necessita de investimento, para que aquilo que temos esteja nas melhores condições e possa perdurar, e este constitui um grande desafio. Outro desafio é o da sustentabilidade económica e financeira da Tapada, que depende da sua receita própria, a qual passa por proporcionar momentos de qualidade aos nossos visitantes, para que eles saiam satisfeitos, tenham vontade de voltar e passem a palavra a novos potenciais visitantes.

Não temos um grande nível de capacidade de investimento e estamos a reponderar que tipo de investimentos vamos fazer

JMNa última gestão foram anunciados investimentos. Esses investimentos concretizaram-se? 
CMP– Não temos um grande nível de capacidade de investimento e estamos a reponderar que tipo de investimentos vamos fazer. Há investimento que é básico, aquele que permite acudir reparações ou reabilitações urgentes. Por exemplo, a Tapada existe porque existe um muro, esse muro tem de manter permanentemente a sua integridade, e esta é uma questão que tem de merecer a nossa atenção permanente. O nosso edificado histórico tem de continuar a ser monitorizado e, em alguns casos, terá de ser recuperado. Para além da parte patrimonial e da nossa flora e dos nossos animais, temos também de proporcionar aqui momentos que sejam marcantes para as pessoas que nos visitam. Não que tenhamos de fazer espetáculos, esta não é uma casa de espetáculos, temos sim, de criar momentos que se adaptem à linguagem que a Tapada tem, e que possam ser fruídos e lembrados pelos visitantes de uma forma agradável. Estamos dispostos a fazer trajetos conjuntos, articulados com entidades que se queiram associar a nós para a organização de atividades, na área pedagógica, na área da descoberta da natureza, da fruição de espaços históricos e da reabilitação, seja com os nossos parceiros institucionais, o município, o ICNF ou com os nossos cooperantes.

JMMas será que a Tapada tem, ela própria, essa capacidade de atração de públicos e de entidades parceiras?
CMP– Nós temos muito e temos de desenvolver a capacidade de conhecer melhor aquilo que temos. Temos de montar um sistema de permanente monitorização daquilo que se passa, e temos de construir conhecimento. A Tapada, apesar de tudo, tem um conjunto de cómodos históricos e naturais que merecem ser aprofundados. Temos, por exemplo, comunidades de morcegos, relativamente às quais, há ainda alguma falta de conhecimento, o mesmo acontece com a ocorrência de globos de pirilampos em determinados dias, ou com a interação entre determinados tipos de fauna e de flora.

JMExiste neste momento, algum entrosamento entre a Tapada e as universidades?
CMP– Existe algum acervo desse tipo. No entanto, diria que esse acervo resultou mais da iniciativa dessas entidades, do que da Tapada. Gostaria que desse ponto de vista, a Tapada passasse a ser agora mais proativa, sendo a Tapada a definir os âmbitos de conhecimento que gostava de ver desenvolvidos.

Há sempre um contexto de escolha de utilização de meios, até porque, como se costuma dizer, o cobertor é sempre mais pequeno do que a cama

JMNão terá chegado o momento de a Tapada Nacional de Mafra deixar de ser o parente pobre da trilogia Palácio/Jardim do Cerco/Tapada? Foi a TNM que mais problemas levantou no processo da UNESCO.
CMP– Este é o tempo de fazer esse caminho, um caminho que nos sentimos muito confortáveis a fazer com as outras entidades que fazem a gestão do bem. Temos de definir esse caminho de uma forma dialogante e sendo continuamente escrutinados. Diria mesmo, porque não fazer consultas participativas e perguntar aos mafrenses e aos portugueses, num exercício de participação pública, o que pensam de um grupos de ideias que possamos colocar à sua consideração. De qualquer modo, há sempre um contexto de escolha de utilização de meios, até porque, como se costuma dizer, “o cobertor é sempre mais pequeno do que a cama”. De qualquer modo, temos de ser muito eficazes e eficientes na utilização dos recursos que temos à nossa disposição.

JMJá se sabe o que aconteceu ao espólio museológico de D. Carlos, desaparecido da Tapada?
CMP– Houve uma participação relativa a algumas peças, muito poucas peças, que terão sido furtadas. Neste momento decorre ainda uma investigação por parte das autoridades competentes, a Polícia Judiciária, investigação que temos acompanhado.

JMComo é que está a relação da gestão da Tapada Nacional de Mafra com a Câmara Municipal de Mafra?
CMP– A cooperativa tem um conjunto de cooperantes, de que fazem parte o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária…

[…]temos um conjunto de cooperantes com quem temos sabido construir uma ótima relação e assistimos neste momento a uma grande abertura, a uma grande disponibilidade para construir a solução incluindo, numa forma muito proativa, a câmara municipal”

JMPermita-me que faça aqui um parêntesis. Faz sentido a inclusão da Federação dos Arqueiros e Besteiros de Portugal, do Clube Português de Monteiros e da Companhia das Lezírias, nos corpos gerentes da TNM?
CMP– Fazem parte dos órgãos sociais, é essa a realidade.

JM- Mas em sua opinião, isso faz sentido?
CMP- Eu tenho uma perspetiva muito holística da gestão da Tapada e o que penso, é que essas entidades, que no momento iniciático da Tapada foi possível ajuizar que poderiam ter algum contributo a dar, podemos neste momento chama-las a dizer de sua justiça. Se elas puderem, de alguma forma, contribuir para aquilo que é a realização de atividades, no âmbito daquilo que elas fazem, atividades que possam ser articuladas com a Tapada, então podem ter um contributo. Admito que foram entidades que acabaram por não estar alinhadas, ou por não se preocuparem tanto, ou por não terem tanto envolvimento com a Tapada. Este é o momento de tentaremos fazer isso, de iniciar um diálogo com essas entidades, e se existir benefício mútuo, e um benefício para quem vai usufruir da Tapada, porque não avançar nesse sentido? Se a tutela verificar que existem cooperantes que, conciliadas as posições de todos, se verificar que não fazem sentido, poderemos então fazer esse caminho.

“Vamos prosseguir numa linha de continuidade e iremos fazendo as inflexões tendentes a conseguir melhorias substantivas daqui a algum tempo”

JM- Voltando à questão anterior
CMP- Eu sou um institucionalista, puro e duro. Nós temos um conjunto de cooperantes com quem temos sabido construir uma ótima relação e assistimos neste momento a uma grande abertura, a uma grande disponibilidade para construir a solução incluindo, numa forma muito proativa, a câmara municipal, no sentido de dar os primeiros passos e iniciar um trajeto. Nota-se uma grande capacidade de entrega de todas as entidades cooperantes e mesmo de outras entidades, nomeadamente, de empresas que querem fazer voluntariado, bem como, de pessoas que têm ideias. Temos hoje uma ótima relação com todas as entidades e obviamente, com a câmara.

JMO objetivo que parece, por vezes, ser o da CMM, de vir a assumir a tutela da Tapada é um objetivo que serve os interesses da própria Tapada?
CMP– Não tenho a perceção desse tipo de questão. Aquilo que noto é sobretudo um grande entendimento relativamente ao que pode ser o futuro e a gestão do bem classificado. De uma forma muito positiva, muito democrática e muito participada, todos nós e todas as entidades têm a noção de que o caminho passa pela sua articulação no trajeto que temos de fazer.  Diria que estamos todos confortáveis nos nossos papeis, estamos todos com um discurso semelhante, todos imbuídos do espírito público. A tendência que pudesse levar a pensar que alguém pudesse fazer melhor do que os outros, creio que não existe, que se esbate completamente. Todos temos a confiança de estarmos a desempenhar o nosso papel da melhor forma.

[…] dificilmente haverá novidades bombásticas, mas gostaria que houvesse muitas pequenas novidades, que daqui a algum tempo, quando olhássemos para a Tapada, a víssemos diferente, com um conforto diferente”

JMQue planos imediatos tem para a TNM?
CMP– Esta questão da covid veio baralhar tudo isto. O projeto não passa pelo surgimento de uma Tapada completamente nova. Vamos prosseguir numa linha de continuidade e iremos fazendo as inflexões tendentes a conseguir melhorias substantivas daqui a algum tempo. Temos de olhar para a gestão do bem, para a gestão florestal, que é muito importante, temos de fazer uma gestão florestal muito assertiva e proativa. Temos de manter os nossos animais saudáveis e muito apurados sob o ponto de vista genético e temos também de cultivar uma componente de fruição, que é de onde recolhemos uma boa parte dos nossos proventos. As pessoas vêm à Tapada para ver os animais, estes têm de estar observáveis, mas num contexto muito próximo daquilo que é o seu habitat selvagem, não podemos ter animais para-domesticados. O que temos mesmo é de criar momentos em que seja possível observar os animais, o mais próximo possível do seu habitat normal. A gestão conjunta é de alguma forma um quebra cabeças muito interessante. Gostaríamos de passar a ter uma Tapada fruível de uma forma um pouco mais natural, em que os momentos sejam mais difusos e vários, criando a possibilidade de as pessoas virem em pequenos grupos, propiciando momentos mais intimistas e permitindo observar coisas mais interessantes. Uma Tapada também mais sustentável em termos da movimentação interna, gostaria de poder dispor de uma movimentação mais baseada em meios elétricos, com uma menor dimensão, em vez do nosso tradicional comboio, o qual continuará a ter o seu lugar, mas a pensar em grupos maiores. Ter a capacidade de disponibilizar aos visitantes artigos de marketing que sejam mais do agrado das pessoas e que lhes permitam ficar com boas recordações da Tapada. Criar espaços onde as pessoas possam tomar um chá no inverno, acompanhado de um doce típico de Mafra, ou no verão, uma boa limonada à volta de uma mesa, com um bom livro e com boa companhia. Os visitantes têm de dispor de instalações sanitárias e nós temos de saber quantas pessoas temos a visitar a Tapada num determinado momento. Se tivermos uma situação de risco, eu preciso de saber onde estão os visitantes da Tapada. Diria que dificilmente haverá novidades bombásticas, mas gostaria que houvesse muitas pequenas novidades, que daqui a algum tempo, quando olhássemos para a Tapada, a víssemos diferente, com um conforto diferente.

JM- Aparentemente, tudo o que descreve já devia estar feito pelo menos há 30 anos, concorda?
CMP- Costuma dizer-se que “os homens são eles próprios e as suas circunstâncias”, eu diria que uma instituição é ela própria e as suas circunstâncias. Eu sou um homem da causa pública, mas reconheço que por vezes é muito complexo fazer num serviço público aquilo que nós achamos que seria melhor, e não é por má vontade. O sistema está feito para determinado contexto, sair desse contexto torna-se muito complexo, complexo também é ter à disposição os meios financeiros necessários. No entanto, por vezes até existem os meios, consistindo o grande desafio, em fazer com que aquilo que produzimos tenha condições para perdurar no tempo, que haja meios para fazer a manutenção, para o reinvestimento e para assegurar as reformas que se mostrem necessárias.

JM – Quer deixar algumas recomendações aos visitantes nestes tempos de desconfinamento?
CMP– A nossa preocupação do momento passa efetivamente pela questão da covid. Estivemos encerrados e a nossa reabertura será lenta. Gostaria de dizer ás pessoas, que à medida que existam condições, de acordo com as orientações da Direção Geral de Saúde, iremos “desconfinando” a fruição da Tapada. Tentaremos que isso ocorra, como já disse, de uma forma difusa. Pedimos ás pessoas alguma compreensão relativamente a este reinício e a alguns condicionalismos que podem ser menos práticos. Por exemplo, neste momento só temos ingressos online, porque sentimos que a nossa bilheteira não pode dar resposta a uma grande aglomeração de pessoas. Pedimos aos visitantes que façam a compra dos ingressos online, que se informem nas nossas redes sociais, que sejam pontuais nos horários agendados e que tenham cuidado com os resíduos que deixam na Tapada, até para proteger os nossos animais. Pedimos-lhes que sejam também agentes da gestão da Tapada, pois se isto correr bem, as coisas ficarão rapidamente mais próximas do que eram antigamente.

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