No Dia Internacional do Enfermeiro, nada melhor do que mostrar aos nossos leitores, as “Casas da Enfermaria” do Palácio Nacional de Mafra.
“…que bem se perceba as serventias que os ditos hospitais e Enfermarias tem para os vasos imundos, os lugares das situações dos leitos para poderem ouvir missa […..] que prevenções se observam para quando um doente está em agonia, os mais não estejam vendo aquele espectáculo…”
pode ler-se numa carta de 30 de Agosto de 1730.
Em outubro de 1730, quando os frades franciscanos se instalaram no Real Convento de Mafra, as Casas da Enfermaria ainda não estavam concluídas, apenas em 1744 ficaram concluídas as três enfermarias: a Enfermaria dos Convalescentes, a Enfermaria dos Noviços e a Enfermaria dos Doentes Graves, para além de uma pequena sala destinada a ser a “enfermaria dos doidos”
Estas enfermarias não estavam abertas à população da vila servindo apenas para a comunidade franciscana. Nos meses de verão estariam doentes dois ou três frades, mas nos meses de inverno esse número subiria para 35 ou 40.
A Enfermaria dos Convalescentes ficava no 3º piso do Convento e era “espaçosa e alegre, tendo duas ordens de janelas, uma da cimalha para cima e outra da cimalha para baixo, q por todas são 28”, no 2º piso localizava-se a Enfermaria dos Doentes Graves onde ficavam internados os doentes graves e com doenças contagiosas.
Segundo literatura da época (BANDEIRA, 1751) “quer a Enfermaria dos Convalescentes quer a dos Doentes Graves estavam divididas por tabiques de madeira em 16 pequenas alcovas ou “beliches”, cada uma com sua cama, mesa com gaveta para nela se guardar o talher e o guardanapo, um cabide para pendurar o hábito e, na reentrância formada pela espessura da parede, uma caixa com bacio, separada por uma cortina. A cama tinha um colchão de palha, uma almofada de aparas de cortiça, lençóis e um cobertor de papa. Havia também em cada alcova um assento com almofada para as visitas. As alcovas eram fechadas por cortinas de pano branco.
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Cada alcova estava também forrada a azulejos brancos, sendo apenas as enfermarias e as cozinhas que apresentam este revestimento mural, tão tradicional em Portugal o que e se prende com preocupações de cariz sanitário pois torna os espaços mais fáceis de limpar, permitirem uma boa higienização, prevenindo a contaminação e a propagação de doenças.
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Junto à cabeceira ficava pendurada uma toalha e, sobre a cama, um prego onde o médico deveria deixar um papel “que mostre a cada enfermo os remédios, que devem tomar, as horas em que os hão de tomar, e aquelas em que devem comer, e para que o doente saiba se o enfermeiro faz o que lhe mandam.” (SANTA ANNA, 1821).”
As enfermarias possuíam um altar na parede, para o qual estavam viradas todas as camas, de modo a que os doentes pudessem seguir os ofícios divinos.
Existia ainda a “enfermaria do doido“, onde existia uma cama de abas articuladas permitindo cuidar do doente baixando essas abas que, quando subidas, o impediam de cair da mesma.
Anexas às enfermarias ficavam outras cinco casas que lhes davam apoio, como a casa “que serve para se tomarem os banhos”, a casa dos armários, os gabinetes do médico e do cirurgião, as celas para os enfermeiros, um pequeno refeitório “dos convalescentes, e dos que por necessidade comem carne nos dias de jejum” e as Casas do Fogo.
A alimentação destes frades enfermos passaria por caldos “medicinais” (feitos cozendo carne ou ossos, peixe ou as cabeças e espinhas ou vegetais), sopa (com vegetais, pequenos pedaços de carne ou peixe e normalmente engrossada com pão). Comiam ainda carne (vaca, carneiro, porco, peru, frango e galinha), bacalhau e peixe fresco, que viria provavelmente da Ericeira.
Os doentes bebiam cerca de 1,5 litro de leite (de cabra, de vaca ou de burra), chás, infusões e chocolate, alguns podiam beber vinho (cerca de 2 copos de vinho por dia) e cerveja preta. Comiam ainda fruta, normalmente laranjas, doce, marmelada e queijo flamengo.
O açúcar mascavado e o açúcar branco (refinado), cerca de um arrátel por dia (perto de 1/2 quilo – 459,5 g), sal, toucinho, ovos, azeite, manteiga, farinha, sêmeas, tabaco, rapé e aguardente também faziam parte das “rações” distribuídas para a enfermaria.
O médico e o cirurgião do convento eram os da vila, que visitavam o convento “de manhã e de tarde, houvesse ou não doentes”, sendo a visita da manhã realizada perto das 09h30 e a da tarde pelas 15h00. O médico recebia anualmente 200$000 réis, enquanto o cirurgião ganhava anualmente 80$000, existia ainda um sangrador que ganhava 50$000 réis anuais.
As propinas para o convento, bem como para a enfermaria, eram dadas duas vezes por ano, no Natal, ou seja, no solstício de Inverno, e no São João, solstício de Verão, sendo tudo pago pelo “bolsinho” particular de D. João V.
[Fonte Palácio Nacional de Mafra]