Câmara Municipal de Mafra subsidia entidade fundada pelo seu presidente e vice-presidente

A associação Amigos do Convento de Mafra (Guardiães do Convento) foi fundada em Mafra a 24 de Abril de 2013. Da lista de fundadores desta associação, destacamos os nomes do actual presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hélder António Guerra de Sousa Silva, e de Joaquim Francisco da Silva Sardinha, actual Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mafra.

Na reunião de câmara que teve lugar no dia 4 de Maio foi apreciado um documento assinado pela funcionária camarária Paula Santos (Dirigente da Unidade de Apoio Institucional), onde se pode ler:

ASSUNTO: Associação dos Amigos do Convento de Mafra “Guardiães do Convento” – Apoio à edição de manuscrito
A Associação dos Amigos do Convento de Mafra “Guardiães do Convento” nasceu em abril de 2013 com o objetivo de, através de ações de sensibilização e de eventos culturais, obter financiamento para recuperar o maior conjunto sineiro do mundo constituído por 119 sinos.
A publicação de obras relacionadas com o Real Edifício de Mafra é outra das áreas de intervenção dos Guardiães do Convento.
No âmbito do tricentenário do Palácio Nacional de Mafra, pretendem editar uma obra manuscrita inédita, da autoria de Carvalho Bandeira, escrita em 1744, e que contem muita informação relacionada com a Real Obra de Mafra, sendo de grande interesse para o estudo do referido edifício.
Esta obra foi adquirida em 1898 por Júlio da Conceição Ivo com objetivo de publicar, o que nunca se veio a concretizar.
Sendo intenção da Associação dos Amigos do Convento de Mafra, proceder à publicação da mesma, a entidade solicitou junto da Câmara Municipal de Mafra apoio para edição deste manuscrito.
Nos termos das alíneas o) e u) do n.° 1 do artigo 33.0 do Anexo I da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, na sua redação atual, cabe à Câmara Municipal deliberar sobre as formas de apoio a entidades e organismos legalmente existentes, bem como à informação e defesa dos direitos dos cidadãos. Compete-lhe ainda apoiar atividades de natureza social, cultural, educacional, desportiva, recreativa ou outra de interesse para o município, incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças;

Propõe-se a atribuição de apoio à Associação dos Amigos do Convento de Mafra “Guardiães do Convento”, correspondente à edição de manuscrito, cujo valor se estima em 2.600€ (dois mil e seiscentos euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, recorrendo à contratação de serviços externos.
Mafra, 27 de abril de 2018

A avaliação da justeza do pedido e da relevância da obra adquirida por Júlio da Conceição Ivo, da sua importância científica, histórica, documental ou afectiva não cabe aqui, ficando clara a vontade da Associação Amigos do Convento de Mafra (Guardiães do Convento) de participar também desta forma nas comemorações dos 300 anos, como se entende a partir da carta que a associação enviou á câmara:

Querendo esta Associação participar nas comemorações do 3° Centenário do Lançamento da Primeira Pedra para a construção do Real Edifício de Mafra, decidiu fazer a edição de uma obra manuscrita inédita, da autoria de Carvalho Bandeira, escrita cerca de 1744 e posteriormente oferecida ao rei D. José I.
Esta obra foi comprada por Júlio da Conceição Ivo em 1898, e era sua intenção publicá-la, devido às muitas informações que contem, relacionadas com a Real Obra de Mafra, e o muito interesse que tem para o estudo do mesmo edifício.
No entanto, quando morreu em 1944, Júlio Ivo ainda não tinha concretizado a sua intensão de publicar a referida Obra. Por esse motivo, os Guardiães do Convento gostariam de a facultar a todos os que se interessem pelo estudo de Mafra e do Real Edifício.
Como as verbas realizadas pela Associação têm sido gastas no pagamento de pequenas obras no Palácio e na aquisição de uma missa manuscrita, composta para a basílica de Mafra, que foi vendida por um particular e já se encontra na Biblioteca, pedimos a V. Ex.a que nos seja concedido um apoio para a edição do manuscrito de Carvalho Bandeira, nomeadamente a sua impressão, cuja estimativa ascende a 2600€.

[Pedido datado de 2 de Janeiro de 2018]

Independentemente da justeza deste pedido, o facto de, quer o presidente, quer o vice-presidente da câmara de Mafra serem fundadores desta associação que agora é subsidiada por deliberação da própria câmara municipal de Mafra, mesmo que não tenham votado a deliberação – não sabemos se pediram escusa, pois tratou-se de uma reunião privada da câmara, mas a terem seguido o procedimento que é habitual, terão pedido escusa – e independentemente de considerações de carácter legal, que eventualmente não se colocarão no caso vertente, a verdade é que se trata das duas personalidades politicas com mais peso na câmara e na vila, a verdade é que se trata de dois importantes fundadores da Associação Amigos do Convento de Mafra, a verdade é que a carta onde o pedido é apresentado é dirigida a Hélder Silva enquanto presidente da câmara, sendo que este é também fundador da associação financiada.

Sendo certo tratar-se de um valor residual (2600€) e tratar-se de uma iniciativa de carácter cultural, sendo provável que a escusa tenha sido pedida no acto da votação, a transposição, futura ou passada, deste procedimento para outros hipotéticos pedidos de financiamento poderá levar à subsidiação, nas mesmas condições, de outras entidades fundadas pelos que decidem, ou pelos que detêm um peso decisivo sobre os órgãos que decidem a atribuição de verbas públicas, ou daqui a uns anos, mesmo que com outras forças políticas á frente da câmara, podermos vir a assistir à constituição de uma entidade por parte de outro presidente e de outro vice-presidente, que se pretenda ver subsidiada com umas centenas de milhares de euros de dinheiro público. O precedente fica aberto.

Porque, por aqui, a generalidade dos órgãos de comunicação social se dedica sobretudo a festas, festinhas e festanças, descurando muitas vezes as coisas da cidadania, será talvez o momento de afirmarmos o óbvio, ou seja, que como é evidente, neste, como em todos os restantes artigos que o JM dá à estampa, nunca estão em causa as pessoas concretas, mas sim os titulares dos cargos, os agentes dos procedimentos e o modus operandi das organizações que lideram, sejam elas públicas ou privadas, trate-se de associações, confrarias, partidos políticos, clubes ou igrejas. É certo, que todas estas entidades têm cabeças, cabeças com rostos, que assumem responsabilidades nos períodos em que encabeçam as organizações, mas esse é o ónus que todos nós temos de pagar pelo protagonismo do momento e/ou pelo exercício do poder, num determinado contexto e seja a que nível for.

 

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