Foi ontem ao crepúsculo, que a magnífica Biblioteca do Palácio (convento) Nacional de Mafra transbordou de gente que respondia a um apelo irreprimível, fruto de manobras mágicas, de poções perdidas nos tempos e de olhados de soslaio com pitadas de encantação, que os encaminharam para a apresentação de uma exposição de livros antigos (alguns muito antigos) dedicados ao oculto diabólico, ao ilusionismo e a magia.
Na realidade (revelada) trata-se de uma exposição de livros da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, que reúne cerca de 70 obras daquele acervo, dedicadas ao que se convencionou chamar de oculto, ou de artes mágicas (benéficas ou maléficas), no fundo, esta exposição permite abrir uma fresta no tempo e olhar para os muitos anos em que a religião, a oficial ou as suas alternativas menos bem sucedidas, dominavam o conhecimento.
A escolha das obras em exposição coube a Nuno André, alguém que reúne o melhor destes dois mundos. Por um lado é teólogo, e por outro, é ilusionista. Nuno André, com excelentes capacidades comunicacionais, nas palavras que dirigiu às muitas pessoas que assistiram a esta apresentação, tentou a quadratura do círculo, ou seja, tentou casar a magia negra e a branca, os atos diabólicos e a simples ilusão, com a mitologia católica apostólica romana.
Expõe-se um lote de 70 livros que ilustram definições de magia (enciclopédias e dicionários), a arte dos ilusionistas e dos mágicos (onde se descrevem truques de magia) e ainda, um lote de livros proibidos pela inquisição católica, mas que ficaram depositados na biblioteca depois de conseguida, em 1754, uma autorização especial do Papa Bento XIV, embora proibindo o seu empréstimo, sob pena, lá está, de excomunhão. Trata-se de uma autorização rara, embora alguns livros proibidos estivessem presentes, por exemplo, nas bibliotecas da corte, nomeadamente, na da rainha portuguesa Maria I.
Magia, astrologia, monstros e unicórnios, ilustrações e descrições de deficiências genéticas (então denominadas de monstruosidades), terramotos e erupções vulcânicas, alquimia (a febre do ouro e a pedra filosofal), de tudo isto são feitas as páginas destes livros que representam bem o olhar dos sábios de antigamente para estes sortilégios – então envolvidos em medos e mistérios – ora analisados pelo o olho formatado da religião dominante, ora tomados pelo olho alternativo que acabaria, bastas vezes, por arder nas iluminadas fogueiras dos inquisidores, tal como viria a acontecer a muitos exemplares destes livros registados no Index Librorum Prohibitorum (só abolido por Paulo VI em 1966), a comissão de censura da igreja católica. Recorda-se, a este propósito, que a inquisição só foi extinta em Portugal, a 31 de Março de 1821.
Esta exposição representa inegavelmente um trabalho apurado de pesquisa e seleção, permitindo lançar um olhar esclarecido para aqueles tempos, constituindo ainda uma excelente oportunidade para visitar ou revisitar o Palácio de Mafra e a sua magnífica Biblioteca.
A exposição estará patente ao público na antecâmara da biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, até maio de 2020.
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