Jornal de Mafra (JM) – Quer apresentar-se aos nossos leitores? Quem é Sérgio Cipriano?
Sérgio Cipriano – Fiz anos ontem, portanto já tenho 43 anos, sou empresário da construção civil no ramo da eletricidade, tenho uma pequena empresa com o meu irmão e com o meu pai, e mais uns quantos trabalhadores. Nasci e resido na Fonte Grada, uma aldeia a 5 km de Torres e tenho 2 miúdos com 9 e 13 anos. Tenho muitos hobbies, que também marcam o meu percurso em termos desportivos e em termos associativos. Estou ligado à associação da minha aldeia. Também faço desporto há quase tantos anos como tenho de vida, pratico atletismo e triatlo e ainda me dedico à criação de aves.
Em termos políticos também já tenho muitos anos de partido, faço parte da Comissão Concelhia do PCP há uma série de anos.
JM – Enquanto empresário já teve contratos com a Câmara de Torres Vedras?
Sérgio Cipriano – Não, nunca trabalhei diretamente para eles. Há já muito tempo fiz alguns trabalhos para a Junta de S. Pedro.
O novo hospital do Oeste continua adiado e nem se quer se percebe bem se é para avançar ou como avançará
JM – Quais são os principais problemas com que defronta o concelho de Torres Vedras?
Sérgio Cipriano – Nós temos seis eixos centrais de trabalho, mas aquilo que a população mais sente é a questão da saúde. Aqui em Torres, a saúde está mesmo muito, muito má. O hospital tem deficiências a nível de funcionários, médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, em termos de meios de diagnóstico e a nível das instalações, que estão mais que ultrapassadas. Simultaneamente, o novo hospital do Oeste continua adiado e nem se quer se percebe bem se é para avançar, ou como avançará, e mesmo que avance, isso não ocorrerá a curto prazo. Assim, o Hospital de Torres terá necessariamente de sofrer obras e melhoramentos. A par disto, as extensões dos centros de saúde funcionam muito mal, com uma grande falta de médicos.
A esta situação da oferta pública de serviços de saúde corresponde o florescimento da oferta privada na área da saúde, mas quem não tem capacidade de chegar a esta oferta experimenta muitas dificuldades.
JM – Reconhece que Torres Vedras dispõe de uma excelente oferta privada na área da saúde?
Sérgio Cipriano – É verdade. Quando, de propósito ou quase de propósito, a oferta pública está subfinanciada e funciona menos bem, obriga as pessoas a recorrer aos privados, mas a verdade é que quando o privado não fornece determinados serviços, porque não lhe dão lucro, manda os doentes para o serviço público, vimos isso muito claramente no caso da covid.
Quando fui vereador ocorreu aqui a ampliação da capacidade instalada da CUF, praticamente para o dobro, enquanto, simultaneamente se reduzia o local próprio de estacionamento daquela zona, que já de si apresentava dificuldades. Eu votei contra, mas os outros 8 vereadores, do PSD e do PS votaram a favor.
JM – A prioridade da CDU passa pela área da saúde, mas referiu também outras prioridades, quais são elas?
Sérgio Cipriano – Reconhecemos que no caso da saúde, a responsabilidade não será da câmara, embora passe também pela pressão política que ela possa exercer sobre o governo, pressão política que tem faltado. A atual presidente, quando ainda era vereadora, chegou a afirmar que eles próprios tinham pouca informação nesta área, porque o governo central não lhes passa informação, e veja, são do mesmo partido.
JM – Que outras propostas e prioridades tem a CDU para o próximo mandato?
Sérgio Cipriano – Em termos de mobilidade temos a questão da linha do oeste, um problema que é comum a Mafra. Defendemos o alargamento da linha a norte permitindo utilizar o porto da Figueira da Foz como porto de exportação, algo que seria positivo para o concelho, onde produzimos produtos hortícolas, frutícolas e vinícolas, que poderiam assim ser escoados, evitando a utilização de camiões de transporte rodoviário pesado. Também a ligação rápida a Lisboa e a Loures é importante para competir com o transporte rodoviário.
Em termos de mobilidade interna, das ligações entre as aldeias e entre estas e Torres, a oferta é muito reduzida e é cara, obrigando muitas pessoas a utilizar transporte próprio, acabando por criar grandes problemas de estacionamento aqui em Torres Vedras.
A Laura ainda tem pouco tempo no cargo e apanhou uma situação complicada, nem sabia, calculo eu, algumas coisas que se passavam e vai descobrindo à medida que vai palmilhando o terreno
O eixo da cultura e do desporto é também importante, e embora tenhamos uma boa oferta cultural na cidade, nas aldeias e nas periferias, não temos praticamente nada. Temos de incentivar os grupos, teatros, ranchos e bandas filarmónicas, por isso propomos a criação de um gabinete que apoie a cultura, o desporto e o associativismo.
O núcleo urbano da cidade está envelhecido e desertificado, sendo necessário incentivar a reabilitação também no interior do concelho e isso irá contribuir para o desenvolvimento da economia e do turismo. A ligação entre turismo e desporto é importante, por isso propomos a criação de um velódromo coberto, uma estrutura que em Portugal só a Anadia dispõe, e que poderá constituir uma importante mais-valia num concelho como Torres Vedras.
JM – Que vantagens vê na reposição das freguesias, que a CDU defende?
Sérgio Cipriano – Um dos nossos eixos tem a ver com a participação democrática das pessoas na vida pública, e de facto, a extinção das freguesias, sobretudo tendo em conta a forma como foi feita, não favorece essa participação. A participação não se pode resumir a fazer uma cruz a cada 4 anos, consideramos que as pessoas devem ser incentivadas a participar.
Mesmo as divergências internas que têm, como aconteceu recentemente, ultrapassam-nas, para poderem ganhar novamente. Têm uma teia bem montada, grande, espalhada por todo o lado e conseguem assim ter um poder hegemónico. [sobre a maioria]
O dinheiro que vinha para cada freguesia é o mesmo que vem agora para as uniões de freguesia, é o mesmo dinheiro a dividir por uma área maior. Além disso, em certas freguesias, a agregação acabou por ser prejudicial, porque acabou por ganhar a freguesia que tinha maior peso em termos de população ou em termos de área.
Por outro lado, temos a questão de Santa Cruz estar dividida em duas freguesias, é um eixo importante para o concelho, por isso deveria estudar-se, aqui sim, a agregação numa só freguesia.
JM – E a transferência de competências para as autarquias, está a correr bem?
Sérgio Cipriano – Nós fomos sempre contra essa medida, porque nunca se percebeu bem como isso era feito em termos das contrapartidas financeiras. Em Torres a câmara apanhou tudo o que era para apanhar, umas coisas andaram, enquanto outras não andaram nada porque o dinheiro não foi transferido.
Por outro lado, há questões difíceis de entender, por exemplo, em termos de educação, um concelho com mais dinheiro terá melhores condições do que um concelho vizinho.
JM – Que razões explicam as sucessivas vitórias do PS em Torres Vedras?
Sérgio Cipriano – Provavelmente, a explicação mais lógica é porque são os melhores [risos], pelo menos, as pessoas assim o consideram. Temos um sistema democrático em que são os melhores que têm mais votos… mas esta é capaz de ser uma forma fácil de responder à questão.
Há coisas que nós não conseguimos ultrapassar, e nas quais, o PS até é especialista, pois ouvem-nos, e passado um, cinco ou dez anos acabam por fazer aquilo que nós fomos dizendo ser importante fazer, e isso também vai jogando a favor deles. Depois, há uma questão, que se calhar é comum a muitos concelhos, como Mafra, eles têm a máquina bem montada, vivem basicamente para a Câmara Municipal e tudo o que o PS aqui faz é com essa perspetiva. Mesmo as divergências internas que têm, como aconteceu recentemente, ultrapassam-nas, para poderem ganhar novamente. Têm uma teia bem montada, grande, espalhada por todo o lado e conseguem assim ter um poder hegemónico.
Temos um concelho com enormes potencialidades, com gente que gosta de cá viver, um concelho que tem capacidade de ser melhor do que aquilo que é
JM – Em Portugal tem-se verificado, que independentemente das forças que as corporizam, das maiorias absolutas tendem a resultar fenómenos de clientelismo e de falta de transparência. Como é que olha para esta questão no concelho de Torres Vedras?
Sérgio Cipriano – Tudo depende do modo como se gerem as maiorias absolutas, e aqui em Torres, o que vemos é que o presidente manda e faz tudo, e isto é é pessimo quando há uma maioria absoluta.
Há presidentes que embora disponham de maiorias absolutas procuram dialogar com a oposição, procuram dar pelouros e valorizar as ideias de todos. Já disse noutra entrevista, que se fosse presidente e tivesse maioria absoluta procuraria valorizar todos aqueles que quizessem ser úteis ao concelho. Aqui em Torres, a forma como se olha para o exercício da maioria absoluta, dá a ideia que os veradores da oposição estão cá a estorvar. Portanto, tudo depende do modo como as coisas são geridas.
Aqui em Torres, a Promotorres nunca foi geriada por alguém que seja gestor, porque foi esse o entendimento do PS, que delega neles a gestão, ficando a ideia que os próprios vereadores do PS não conseguem ter peso político, porque é o presidente que decide tudo.
Aqui em Torres sempre se centrou tudo na figura do presidente e isso cria relações potencialmente obscuras, como alguns casos que temos aqui. Em termos do ranking da transparência, que vale o que vale, também não estamos muito bem colocados.
Aumentar a participação nas Assembleias Municipais e nas Assembleias de Freguesia é meio caminho andado para que haja mais escurtínio sobre essas coisas obscuras.
Temos um concelho com enormes potencialidades, com gente que gosta de cá viver, um concelho que tem capacidade de ser melhor do que aquilo que é.
JM – Como olha para este último mandato do Partido Socialista à frente do concelho?
Sérgio Cipriano – Começando pela parte mais triste, Carlos Bernardes era vice-presidente quando eu entrei para a câmara, nós dávamo-nos bem, e quando discordávamos fazíamo-lo cordialmente e aquilo que lhe aconteceu é quase inexplicável.
A Laura ainda tem pouco tempo no cargo e apanhou uma situação complicada, nem sabia, calculo eu, algumas coisas que se passavam e vai descobrindo à medida que vai palmilhando o terreno.
JM – Está afirmar que haveria situações na câmara que seriam só do conhecimento do presidente Carlos Bernardes?
Sérgio Cipriano – Estou convencido de que sim. Aqui em Torres Vedras, o presidente da câmara sempre foi o todo-poderoso, sempre foi ele quem mandava. Isto é algo que não encaixa bem com a nossa maneira de ser, mas foi sempre mais ou menos assim que funcionou e terá sido demasiada carga, porque houve muitas pressões, e depois, com a questão das opções que fizeram na formação das listas, também houve contestação interna. A criação de uma outra lista de supostos independentes, mas com muita ligação ao PS e com muitos apoios do PS a essa lista, poderá ter contribuído para que o presidente não conseguisse aguentar.
Para nós foi mau que ele tivesse falecido, mas para o concelho é mau que seja uma só pessoa a gerir, embora não haja dúvidas que o presidente tem uma apreciação e um estatuto diferente, mas centralizar tudo, tudo, numa pessoa só é demasiado.
JM – Relativamente à parte do mandato que Carlos Bernardes completou, que apreciação faz?
Sérgio Cipriano – Teve o problema do covid que o ocupou substancialmente, e ele, de facto, empenhava-se muito em tudo o que fazia.
Não deverá haver maioria absoluta de nenhuma força política
JM – Já é possível observar diferenças na gestão de Laura Rodrigues quando comparada com a de Carlos Bernardes?
Sérgio Cipriano – Nós agora temos aqui um concelho um bocado esquisito. Há atuais vereadores do PS que não vão ser reconduzidos, que perderam pelouros e entretanto, entrou um novo vereador que também não tem pelouros. Basicamente, a câmara está nas mãos da vice-presidente e da presidente. Na verdade parece estar toda a gente à espera das eleições.
JM – O trágico desaparecimento de Carlos Bernardes e a entrada do Chega, do Aliança e de Sérgio Galvão com os Unidos por Torres Vedras poderá alterar significativamente a atual correlação de forças em Torres Vedras?
Sérgio Cipriano – Temos aqui sete candidaturas, temos o PS, a aliança do CDS-PPM e PSD…
JM – Que também já teve alguns problemas, não é assim?
Sérgio Cipriano – Sim, que também já teve alguns problemas. Temos também a CDU, o Bloco, o Aliança, que aqui concorre com o seu presidente, que chegou a ser vereador pelo PSD e temos ainda os independentes, mas que ao fim e ao cabo são pouco independentes, e depois temos o Chega.
Cremos que com estas candidaturas, a abstenção irá reduzir-se, o que é importante, e que com a divisão de votos, não deverá haver maioria absoluta de nenhuma força política, obrigando à formação de coligações ou de acordos pós-eleitorais, de modo a que haja alguma governabilidade no concelho.
A CDU tem boas propostas, as nossas listas de candidatos também são interessantes, concorremos a todas as freguesias, o que constitui uma mais-valia, e tudo isto nos leva a crer que teremos uma boa votação
Pensamos que mais gente, assim como nós, entrará no executivo municpal, o PS perderá vários vereadores, eventualmente, o mesmo acontecerá com o PSD, que para além das divisões internas, também tem um candidato que não é do concelho. Relativamente às restantes forças, poderão conseguir 1 ou 2 eleitos.
A CDU tem boas propostas, as nossas listas de candidatos também são interessantes, concorremos a todas as freguesias, o que constitui uma mais-valia, e tudo isto nos leva a crer que teremos uma boa votação.
JM – Há quem diga que a CDU tem dado algum respaldo ao PS, quer comentar?
Sérgio Cipriano – Há 4 anos tivemos um mau resultado, perdemos vários eleitos em Assembleias de Freguesia e o verador que tinhamos. Entretanto, procurámos reforçar a nossa base e a partir daí começar a fazer uma melhor intervenção. Atualmente temos bons candidatos e cremos ter capacidade para lutar em algumas freguesias e isso dá-nos ânimo.
Agora, se com isso seremos a muleta do PS ou do PSD ou de nenhum dos dois… aquilo que o PS faz de bom nós apoiamos, o que o PS faz mal, nós votamos contra e em relação ao PSD é a mesma coisa e o mesmo relativamente aos outros partidos. De facto há coisas aqui em Torres que o PS faz bem e há outras que não faz bem, e há outras que faz bem porque nós alertamos para a sua importância.
Nós, nem no governo do país onde supostamente dizem estarmos coligados com o PS, somos muleta, apresentamos muitas propostas que são favoráveis às populações e aos trabalhadores e que até são chumbadas pelo PS… aqui estamos livres para fazer a mesma coisa, desde que seja bom para as pessoas, nós estamos ao seu lado.
JM – EQuais são os objetivos da CDU para esta eleição?
Sérgio Cipriano – No fundo, temos aqui 15 eleições e a percentagem vale o que vale, para nós não é relevante. O nosso objetivo passa por um reforço do número de mandatos nas assembleias de freguesia, na assembleia municipal, na câmara e nas juntas.
JM – E estão otimistas?
Sérgio Cipriano – Em algumas juntas, sim, nomeadamente na União das Freguesias de Carvoeira e Carmões, onde há 4 anos ficámos a 4 votos, e também em Runa e Dois Portos, onde apresentamos uma boa lista, com uma candidata a presidente de junta, que é uma mulher valente.
A conquista de um lugar na vereação é muito importante para a CDU, uma vez que aumenta bastante a nossa capacidade de intervenção.