No passado dia 26 de Setembro as Eleições Autárquicas revelaram-nos algo de muito curioso: a existência de dois países paralelos, um político-mediático e outro real. O primeiro é o país da comunicação social escrita que se alimenta da opinião pública e que de forma quase acéfala (ou talvez não) publica notícias melhor ou pior articuladas com o governo e o streaming desvairado de sondagens permanentes, qual boletim de novidades em bolsa que os políticos gerem da forma que melhor lhes convém. Com tanta informação mastigada e parcialmente digerida rapidamente o cidadão deste país esquece o real e passa a apostar nos cabeçalhos de jornal ou títulos de rodapé de noticiários televisivos. Afinal para quê pensar e escrutinar intenções, soluções e pensamentos se está tudo no resultado das sondagens? E se olharmos bem até temos sempre uma que nos serve melhor e nos descansa a cabeça! É claro que quem vive neste país se recusa a ver a realidade. Por isso é votar em quem vai à frente no campeonato das eleições.
Mas são os políticos deste país que ciclicamente chamam o povo do outro país a manifestar-se nas urnas para que validem os seus desvarios e quando isso acontece, com um desplante muito ‘democrático’, através do voto e da sua abstenção o povo do outro país mostra uma rejeição fatal no que concerne à política portuguesa. Não gosta e não a quer. Portanto distancia-se. Não vota ou vota em branco ou anula o seu boletim. E este é o Portugal real que trabalha e labuta e vive mal para manter o outro país mais ou menos bem.
No fim do dia 26 de Setembro foi vê-los, partidos e governantes a reclamarem uma vitória à sua medida, escondendo perdas de dezenas de milhares de votos. Todos não. Verdade seja dita dois deles, PCP e Bloco de Esquerda confessaram na hora, perdas significativas nos seus eleitorados. Não me lembro de atitude semelhante em todos estes anos de democracia.
Na verdade, neste pequeno país que adorna em absoluto para o litoral esvaziando quase por completo o seu interior, um partido que perca Lisboa, Coimbra e Porto está a braços com um grande desaire eleitoral. E se a estes grandes centros no litoral perder também o Funchal, o desaire fica a caminho do terramoto. Pode continuar a ter a maioria das freguesias e câmaras municipais, pode ter um número total de votos superior, mas todas as que ganhou somadas não têm a massa crítica daquelas três, quatro capitais portuguesas. Tudo o que for feito para disfarçar isto, são meras manobras de diversão. Foi um aviso tremendo para que o PS pondere as políticas que de agora em diante pense promover, venham elas do OE ou do já mítico PRR. Lá vai Coimbra ficar sem maternidade!
Por cá, Concelho de Mafra, como era previsível o PSD consolidou as suas posições. A União de Freguesias da Igreja Nova e Cheleiros, única freguesia não laranja e governada pelo PS caiu com estrondo e os partidos emergentes acabaram por eleger deputados municipais rapando votos à esquerda e à direita. As vítimas mais evidentes terão sido a CDU e o CDS, mas no fundo todos os outros partidos terão contribuído para que a IL e o Chega conquistassem a sua representação municipal. Não tendo a abstenção descido e atentando no fato do elevado número de votos brancos e nulos, tudo se terá passado ‘à porta fechada’ numa atitude autofágica do eleitorado que votou no concelho.
Esta hegemonia em Mafra em nada irá favorecer a democracia nem uma possível evolução nos destinos do concelho. É sabido que o poder absoluto longe de favorecer as instituições as corroem e fazem o poder perder a referência ‘do melhor para… ’. Quando alguém governa sem oposição possível e entenda-se por oposição a não existência de uma maioria ou de representação expressiva na Assembleia Municipal, as assembleias são meramente administrativas sem qualquer possibilidade de atrapalhações. Advém ainda o fato de que as populações por falta de hábito não assistem às assembleias municipais e, como tal, a voz das oposições privadas de votos suficientes, não tem qualquer efeito prático.
Isto poderia ser revertido se o executivo camarário passasse a transmitir via streaming as assembleias municipais. E não o faz por conveniência própria porque se se podem transmitir concertos e festas, não existe qualquer impedimento técnico para que isso não aconteça nas sessões das assembleias municipais.
Assim, sem bitolas de aferimento que validem objetivos apontados e a apontar, iremos assistir ao desenrolar de quatro anos em perfeita consonância com os anteriores. Apenas se criará a espectativa de quem será o ‘delfim’ escolhido para que nas próximas autárquicas este se apresente à sucessão do atual presidente do executivo, isto se nessa altura, verdadeira janela de oportunidade para as oposições, estas estiverem devidamente preparadas para invalidarem essa pretensão. Não vai ser fácil mas não é impossível.
Mafra, 8 de Outubro de 2021
Mário de Sousa, Presidente da Comissão Política Concelhia de Mafra do CDS-PP