O aumento da população idosa e o novo regime legal do maior acompanhado
por Nuno Cardoso Ribeiro
É sabido que os portugueses vivem cada vez mais tempo. A esperança média de vida não para de aumentar e, com o crescimento da população idosa, aumenta também a prevalência de doenças causadoras de demência, Parkinson, Alzheimer, etc. Doenças que poderão, nalguns casos, impedir que a pessoa que delas padece consiga reger adequadamente a sua pessoa e os seus bens.
Esta impossibilidade de reger pessoa e bens poderá também afetar, naturalmente, todos os que que sofrem de deficiência mental, mas também aqueles que, não padecendo de qualquer doença ou deficiência, manifestem, pelo comportamento que adotam, não reunir condições para exercer plena e conscientemente os seus direitos.
Até há bem pouco tempo, a nossa lei previa os institutos jurídicos da interdição e inabilitação como forma de dar resposta às necessidades destas pessoas. Estes regimes, baseados num pressuposto de “incapacidade” dos visados, não se coadunavam já com as conceções sobre direitos dos idosos e das pessoas portadoras de deficiência, assumindo particular relevância, neste último caso, a adesão de Portugal à Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (que entrou em vigor na ordem jurídica nacional em 2009). Por outro lado, a rigidez dos institutos da interdição e inabilitação casava mal com a necessidade de soluções individualizadas e que melhor se adaptassem às necessidades de cada pessoa.
Estes regimes, que há muito vinham sendo alvo de crítica, foram substituídos pelo regime do maior acompanhado que entrou em vigor em Fevereiro de 2019, e sobre o qual já publicámos um artigo mais detalhado.
O novo regime legal abandona o modelo do “incapaz” que necessita de ser “substituído” (na tomada de decisões), em detrimento de um modelo a que subjaz a autonomia e dignidade do visado que necessita tão-só de “acompanhamento”.
O novo regime prevê agora a nomeação de um acompanhante (e não já um tutor ou curador) a quem cabe apoiar e auxiliar o visado a reger a sua vida e tomar decisões e, nos casos em que tal se justifique, substituindo-o nessas mesmas tomadas de decisão.
O tribunal determinará quais os atos ou categorias de atos que carecem de intervenção do acompanhante em função das necessidades, maiores ou menores, do acompanhado. E essas necessidades hão-de ser aquelas que venham a resultar da factualidade apurada no processo, muito especialmente da informação médica relativa ao estado de saúde do acompanhado.
Em linha com esta nova filosofia, cabe agora ao beneficiário escolher a pessoa do seu acompanhante, salvo se o acompanhado não estiver em condições de fazer uma escolha livre e esclarecida, caso em que será o tribunal a nomear o acompanhante.
O beneficiário poderá agora desencadear o processo judicial e, se for iniciado por outrem, cabe-lhe prestar consentimento ao acompanhamento. O tribunal, porém, poderá suprir a eventual falta de consentimento do visado.
O novo regime legal constitui, assim, um passo em frente na defesa dos direitos daqueles que, por qualquer razão, não estão em condições de exercer sozinhos os seus direitos mas que não deixam, por esse motivo, de ser tão capazes como os demais.
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