Tratolixo
Os cheiros emanados a partir da Tratolixo, as queixas das populações e as respostas da empresa
Vêm de longe as queixas das populações que residem ou transitam perto das instalações da Tratolixo na Abrunheira, Mafra. As queixas são sempre as mesmas e focam-se nos maus cheiros que rodeiam a zona em que aquela empresa labora.
Quem transita na A21 junto à área de serviço, quem reside na Venda do Pinheiro, na Malveira, até na Carapinheira e em parte da vila de Mafra conhece bem os maus cheiros provindos na fábrica da Tratolixo na Abrunheira. As queixas não são de agora, embora as reações públicas se tenham mostrado mais frequentes e mais audíveis nos últimos meses.
“Com tempo de sudeste a vila de Mafra parece Cacia, um mau cheiro que até agonia“, “existem dias e dias que não se consegue abrir uma janela para ventilar as casas! Se os responsáveis vivessem na Carapinheira, era certo assunto tratado!”, “parece-me um caso de saúde pública…”, “idem para Igreja Nova”, “o presente de Natal da Tratolixo para Mafra é um cheiro a m**** na Vila”, “Na Malveira…. há dias em que é um cheiro insuportável”, esta é uma recolha sumária de queixas, que está longe de ser exaustiva, mas que mostra bem o sentir de quem tem de “coabitar” com os cheiros resultantes do tratamento dos lixos na Abrunheira.
Estas queixas terão já sido expressas em 2014 em sede de Assembleia Municipal de Mafra, sem que tenham tido uma resposta ativa. Foram também motivo de perguntas recentes dos vereadores da oposição (PS) na câmara Municipal de Mafra, dirigidas ao presidente Hélder Silva, e de uma iniciativa recente em que chegou a ser divulgada uma proposta de manifestação junto às portas da Tratolixo, manifestação que acabou por não ocorrer.
“É mais que um mero incómodo. É uma afronta aos munícipes que suportam uma carga fiscal municipal absolutamente escandalosa (IMI, derrama empresarial, direitos de passagem, etc…). A troco (pelo menos esperava-se) de outra coisa. Paga-se caviar e tem-se sardinha…“ [comentário de munícipe nas redes sociais]
Hélder Silva, presidente da Câmara Municipal de Mafra (CMM), numa reunião pública da vereação da CMM, em que o Jornal de Mafra esteve presente, em resposta a questões colocadas pelos vereadores da oposição, revelou que estes cheiros sentidos pelas populações, poderiam resultar de uma avaria nos “queimadores” da Tratolixo, avaria que estaria em vias de ser reparada. No entanto, a Tratolixo, nas respostas que deu ao JM, não refere, em nenhum momento, a existência de avarias nas suas instalações, como fonte possível para este problema.
A TRATOLIXO – Tratamento de Resíduos Sólidos, SA é uma empresa cuja fundação remonta a 1980, congregando hoje os interesses dos municípios de de Cascais, Oeiras e Sintra e Mafra – a câmara de Mafra está representada na administração da Tratolixo, pelo seu vice-presidente, Joaquim Sardinha – no que se relaciona com o tratamento de resíduos sólidos urbanos. A empresa, que opera em três localizações, Abrunheira (Mafra), Ericeira e Trajouce (concelho de Cascais), passou/passa já por algumas vicissitudes, nomeadamente de caráter financeiro, tendo sido, em 2017, a a empresa municipal (intermunicipal, neste caso) recordista do passivo, com um passivo total de 162 milhões de euros.
Em função deste aumento na quantidade e da intensidade das queixas, o Jornal de Mafra dirigiu algumas perguntas à administração da Tratolixo, no sentido de conhecer a posição da empresa a este propósito.
“Estes fenómenos que tentaremos minimizar e estando já em curso novas medidas de mitigação são esporádicos e quase inevitáveis tendo como solução a curto médio prazo a separação nas nossas casas dos restos de comida dos restantes resíduos.“ [Tratolixo]
Respondeu a Tratolixo, nos seguintes termos:
“Neste local [Abrunheira, Mafra] procede-se à transformação da fracção putrescível dos resíduos urbanos composta essencialmente por restos de comida, fraldas, e algum papel/cartão misturado com gorduras, em bioreatores anaeróbios verticais de grande dimensão. […]
Os restantes componentes do resíduo urbano que não são recicláveis nem putrescíveis são encaminhados para as células de confinamento técnico […]
Ora a fracção de resíduo colocada nas células de confinamento técnico esteve em contacto com as anteriores sendo necessária uma operação célere e cuidada para que os odores não se libertem para a atmosfera […] Em condições atmosféricas normais os odores dissipam-se facilmente na coluna de ar sendo o impacto junto das populações nulo.
Os compostos mais facilmente detectáveis pelo nosso olfacto e que até consideramos ofensivos são os de enxofre (ovos podres). Estes têm tendência a acumular-se durante largos períodos junto ao solo nas zonas mais baixas, quando as condições atmosféricas conjugam tempo frio, seco e sem vento […] criando situações de elevado desconforto junto das populações, ainda que as emissões cumpram com os limites exigíveis pela legislação em vigor e não causem impacto na saúde humana.
Estes fenómenos que tentaremos minimizar e estando já em curso novas medidas de mitigação são esporádicos e quase inevitáveis tendo como solução a curto médio prazo a separação nas nossas casas dos restos de comida dos restantes resíduos.
Cientes de que os odores atmosféricos são susceptíveis de causar impacto na qualidade de vida das populações foi desenvolvido um programa de monitorização de odores. […] o principal ponto que suscitava algum tipo de incomodidade é a A21 (Posto de abastecimento de combustível), junto ao Ecoparque da Abrunheira […] iremos promover uma nova campanha do referido estudo já em 2019, de modo a optimizarmos continuamente as medidas de mitigação.”
Assim, a Tratolixo associa a percepção de maus odores por parte da população, à existência de condições atmosféricas muito específicas e toma estes maus odores como algo de inevitável neste tipo de atividade industrial, afirmando ter tomado medidas destinadas a fazer o diagnóstico da situação – programa de monitorização de odores – medidas de monitorização que pretende alargar a 2019.
“A única medida que a Tratolixo indica como eficaz a médio, longo prazo para ultrapassar este problema é, pois, “a separação nas nossas casas dos restos de comida dos restantes resíduos““
Conclui-se daqui, que a Tratolixo está consciente do problema, monitoriza-o regularmente, mas não aponta nenhuma solução para o mesmo, parecendo conformar-se com a sua inevitabilidade, nomeadamente, quando ocorrem determinadas condições atmosféricas. Realça a Tratolixo que quando se afirma que os cheiros resultam da emissão de metano, isso não corresponde à realidade, uma vez que o metano é um gás inodoro (o que corresponde à realidade), antes relacionando os odores com a emissão de gases sulfurosos (H2S, ácido sulfídrico).
Surgiram entretanto algumas fontes que referiam a possibilidade de os cheiros poderem resultar da existência, nas instalações da Abrunheira ou a elas anexas, de um aterro ou deposito de lixo não confinado hermeticamente (nomeadamente, ao ar livre), de onde pudessem provir os referidos cheiros. A Tratolixo, em resposta ao JM, referiu que não existe qualquer aterro não confinado nas instalações da empresa ou a elas anexo.
A empresa admite que nos últimos 15 anos entrega uma parte do lixo à Valorsul (outra empresa que se dedica ao tratamento de lixos), referindo explicitamente que “estes resíduos são encaminhados a partir do Ecoparque de Trajouce“, e não da Abrunheira, negando assim a possibilidade de os cheiros resultarem do armazenamento destes lixos.
Os cheiros poderiam ainda resultar do destino imediato dado aos chamados rejeitados orgânicos, a este respeito, responde a Tratolixo, que aqueles são encaminhados “para a produção de biogás nos biodigestores“, descartando assim, a possibilidade de serem estes gases os responsáveis pelos cheiros.
Finalmente, quisemos saber como e onde é feito o armazenamento dos resíduos sólidos depois de saírem dos biodigestores, respondeu a Tratolixo nos seguintes termos: “as Lamas são centrifugadas separando a parte líquida da sólida . Os sólidos ( fibras ainda não biodegradadas e inertes) com elevada humidade são misturados com estilha e encaminhamos para os túneis horizontais onde na presença de ar quente são transformados biologicamente em corretivo orgânico/composto. A fração líquida é encaminhada para uma ETAR dedicada, com equipamento de última geração que produz água tratada com elevada qualidade , isenta de sais dissolvidos, sendo cerca de 50% reutilizada nos diferentes processos“.
“Não consigo entender porque será que se deixa arrastar esta situação mesmo na entrada da sede do concelho.“ [comentário de munícipe nas redes sociais]
Assim, a única medida que a Tratolixo indica como eficaz a médio, longo prazo para ultrapassar este problema é “a separação nas nossas casas dos restos de comida dos restantes resíduos“, ou seja, a empresa “bate assim a bola” para o campo dos munícipes.
“É mais que um mero incómodo. É uma afronta aos munícipes que suportam uma carga fiscal municipal absolutamente escandalosa (IMI, derrama empresarial, direitos de passagem, etc…). A troco (pelo menos esperava-se) de outra coisa. Paga-se caviar e tem-se sardinha…”
“Esta situação tem de ter uma solução! Caso contrário é um “mau retrato” de Mafra! O cheiro é de facto nauseabundo, quando se passa pela A21! De facto é de lixo que se trata, mas tem de haver um limite dos vapores produzidos por um empresa deste tipo, digo eu!”
“Não será de um aterro sanitário mal construido, inacabado logo ali ao lado e ao serviço da tratolixo ???!!!”
“Não consigo entender porque será que se deixa arrastar esta situação mesmo na entrada da sede do concelho.”
Bombinhas de mau cheiro no Gabinete do Presidente já!
As frases anteriores, representam outras tantas queixas de munícipes, desagradados com a repetição desta situação, tendo-se chegado ao ponto de se propor uma manifestação às portas da Tratolixo, protesto entretanto abandonado.
Tendo ainda em mente o problema dos cheiros produzidos no decurso da operação, entre agosto e outubro de 2017, a Tratolixo efetuou um estudo denominado – Acompanhamento de curta duração do programa de odores no Ecoparque da Abrunheira -, de cujas conclusões, destacamos:
“Apenas em 13% do tempo não foi registado qualquer tipo de odor”
- A média das concentrações obtidas foi de 1,8 µg/m3, verificando-se uma diminuição significativa comparativamente com a campanha anterior
- Locais onde foram registados os valores mais elevados de concentração de H2S: Interior do Ecoparque da Abrunheira
- As concentrações de H2S amostradas em ar ambiente não constituíram qualquer perigo de exposição para a saúde pública
- Houve uma alteração no tipo de odor mais registado pelos recetores, passando de “Couves podres/Ovos podres” para “Acre/Azeitonas”, não tendo sido registado mais nenhum tipo de odor.
- Principais focos de odor: Alcaínça e posto de abastecimento da A21
- No período de monitorização do painel de observadores, foram contabilizados 76 registos de odores
- Apenas em 13% do tempo não foi registado qualquer tipo de odor
- Em 87% do período de amostragem foram percecionados odores atmosféricos
- Em relação ao odor predominante “Acre/Azeitonas” este foi classificado de fraco
- Em relação ao odor “Couves Podres/Ovos Podres”) a sua classificação foi distribuída pelas três categorias
A entidade a quem foi confiada a realização deste estudo, uma equipa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, teceu as seguintes considerações, a título de conclusões :
“Considerando os resultados obtidos no programa de monitorização de odores e as alterações efetuadas no Ecoparque da Abrunheira, nomeadamente ao nível da ETARI e da entrada em funcionamento das células de confinamento técnico, considerou-se pertinente efetuar uma análise mais detalhada sobre a monitorização de odores desenvolvida no Ecoparque da Abrunheira. Assim, recorrendo a uma ferramenta de gestão utilizada no âmbito de diagnóstico estratégico, a Análise SWOT (Strengths -Forças), Weaknesses -Pontos Fracos), Opportunities -Oportunidades), Threats -Ameaças) permite mostrar os elementos chave no prosseguimento do programa de monitorização de odores atmosféricos. Este tipo de análise permite efetuar uma síntese das análises internas e externas, identificar prioridades de atuação e preparar opções estratégica mostrar os elementos chave no prosseguimento do programa de monitorização de odores atmosféricos. Este tipo de análise permite efetuar uma síntese das análises internas e externas, identificar prioridades de atuação e preparar opções estratégicas”
Como se pode verificar, a análise SWOT aponta para caminhos interessantes, mostrando haver ainda bastantes questões por resolver. Mostra ainda que o impacto politico deste relatório foi muito pouco significativo, se é que, na realidade, chegou a ocorrer.
O Jornal de Mafra regista a prontidão e a cordialidade da Tratolixo nas suas respostas às questões colocadas.
[imagens – Tratolixo e AMTRES]