Em resposta a um requerimento do PSD, a propósito da gestão da Tapada Nacional de Mafra (TNM), o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento foi ouvido na Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar.
Embora o enfoque dado a esta audição pela comunicação social de expressão nacional, se tenha restringido à afirmação do ministro no sentido de proibir a caça na tapada, as afirmações do ministro e as intervenções dos deputados da comissão foram suficientemente importantes e abrangentes e polémicas para que, a nível local, se olhe para esta audição em maior pormenor.
Se a ACT confirmar que houve algo, perecido que fosse, com assedio moral a qualquer trabalhador, eu garanto que a presidente [da direcção da Tapada Nacional de Mafra] não estará lá no minuto seguinte. [Ministro da Agricultura, Capoulas Santos]
Maurício Marques, deputado do PSD representou sobretudo as posições políticas da Câmara de Mafra. As questões que colocou ao ministro passaram por saber se “a actual directora tem condições para continuar como presidente da direcção?“, se “Considera que o actual modelo de gestão [da tapada] ainda é funcional?” e se “Face à proclamada descentralização, está disponível para transferir a gestão da TNM para a Câmara Municipal de Mafra?“. Na sua intervenção considerou não terem sido realizadas operações para proteger a tapada dos incêndios e referiu uma degradação crescente do espaço da tapada de Mafra.
Em resposta, Capoulas Santos considerou as palavras do deputado como “pouco dignas vindas de um político“, referindo que já em 1995, quando o actual ministro assumiu a secretaria de estado da agricultura encontrou a tapada sem meios, e “os animais passavam fome, animais esqueléticos eram fotografados e apareciam nos jornais e a tapada estava ao mais completo abandono“. Tendo então, disse, tomado a iniciativa de dar um volte-face na tapada, mudando o modelo de gestão “para uma cooperativa de interesse público, chamando à sua participação vários actores locais; a câmara municipal, o clube português de monteiros, a associação dos amigos de Mafra, a associação dos agricultores de Mafra, etc, a quem generosamente facultámos o acesso ao capital social“. O objectivo era então atingir a auto-sustentabilidade da tapada, com funcionários que vinham do estado e com funcionários cedidos pela autarquia. “Fez-se então uma grande obra de reabilitação. Se de alguma coisa me posso orgulhar no meu currículo é de ter salvo a tapada de Mafra, numa altura em que ela estava praticamente em vias de extinção.”
Se de alguma coisa me posso orgulhar no meu currículo, é de ter salvo a tapada de Mafra, numa altura em que ela estava praticamente em vias de extinção [Ministro da Agricultura, Capoulas Santos]
Voltando a actualidade, diz o ministro que, regressado ao governo como Ministro da Agricultura, 15 ou 16 anos depois, “e volto a encontrar a tapada praticamente na situação anterior“. Nenhum dos funcionários que lá estavam era funcionário público, “ou seja, aquilo que não constituía despesa para a tapada, passou a ser o sorvedouro dos seus recursos“. Assim, o ministro determina que se faça uma inspecção à tapada, cujo relatório entregou a todos os grupos parlamentares, referindo que “o relatório ilustra um conjunto de desconformidades e de irregularidades da gestão anterior, e não da actual. Afirmando que todas as criticas e todas as denúncias que foram efectuadas, a inspecção não encontrou nelas nenhum fundamento”.
Conta depois um episódio a que chama de “pitoresco”, referindo que “quando a inspecção chegou à tapada, a primeira pessoa que quis ouvir foi o director financeiro da tapada, o qual vinha da direcção anterior, como é evidente. Logo que foi inquirido, abandonou a tapada, meteu um atestado médico e 8 dias depois, pediu a demissão. Portanto, um dos trabalhadores vítimas de assédio moral será o antigo director financeiro“.
Referiu depois aquilo a que chamou “um conjunto de ilícitos” relativos à direcção anterior, alguns deles, com gravidade.
“A inspecção detectou também um conjunto de pagamentos irregulares á anterior directora. Ajudas de custo indevidos, pagamentos de férias indevidos, montantes que a inspecção recomenda que sejam repostos” [Ministro da Agricultura, Capoulas Santos]
O ministro refere-se depois às queixas de assédio moral e de ilegalidades laborais que têm vindo a público na imprensa, tendo também sido alvo de diversas denúncias por parte dos sindicatos do sector, queixas que incidem sobre a actual directora, Paula Simões, nomeada pelo actual ministro. A este propósito, o ministro afirmou ter recebido “uma carta do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas […] com um conjunto de criticas à actual directora. [distribuiu o comunicado com as criticas e as respostas da directora]. Por exemplo, fala-se de aplicação de herbicidas, ora, nunca foi aplicado nenhum herbicida na tapada. E as aves estavam noutra árvore e não na decrépita que foi abatida”.
Em relação à vontade expressa pela Câmara de Mafra, no sentido de ser ela a assumir a gestão da TNM, o ministro foi perentório “fui confrontado com um pedido do senhor presidente da câmara de Mafra para que a tapada passasse para a gestão exclusiva da câmara de Mafra, dizendo que não daria qualquer apoio à tapada, como era seu dever enquanto sócio, enquanto o actual modelo de gestão estivesse em vigor. O Ministério da Agricultura não acedeu. Entendemos que este modelo tem virtualidades e é mais participativo.
Fui confrontado com um pedido do senhor presidente da câmara de Mafra para que a tapada passasse para a gestão exclusiva da câmara de Mafra, dizendo que não daria qualquer apoio à tapada, como era seu dever enquanto sócio, enquanto o actual modelo de gestão estivesse em vigor. O Ministério da Agricultura não acedeu. Entendemos que este modelo tem virtualidades e é mais participativo [Ministro da Agricultura, Capoulas Santos]
De seguida, o ministro refere a vontade de que a tapada deixe de ser zona de caça nacional, ” não faz sentido, no meio de um centro urbano, num ambiente que se pretende ecologicamente preservado, que a tapada seja uma zona de caça nacional, onde se faz a caça da caça grossa (gamos, veados, javalis)”.
Depois de entregar aos deputados o relatório da inspecção, e de os convidar a visitar a tapada, em jeito de conclusão desta sua intervenção inicial, o ministro afirma: “portanto, as criticas que podem fazer à tapada, é que passou a ter mais visitantes, que passou a ter melhores resultados, deixou de ter caça e não passou para a câmara de Mafra. E admito que estas situações sejam razões suficientes para lançar uma campanha que culmina com a vinda do Ministro da Agricultura ao parlamento para explicar estes dados elementares sobre esta questão, o que não deixa de me causar uma enorme estranheza“.
“A equipa de sapadores florestais não está a funcionar há muito tempo, só tem habitualmente 2 sapadores e no mês passado teve 3 […] os sapadores florestais não têm funcionado e não têm cumprido o seu papel” [Maurício Marques, deputado do PSD]
Maurício Marques (PSD), em resposta, refere ter-se deslocado à TNM, não se tendo identificado como deputado, pedindo algumas informações na recepção, não tendo, no entanto, obtido resposta cabal, tendo sido remetido para um email da tapada. Relativamente aos alegados sobreiros arrancados, referiu ter em seu poder uma acta da tapada onde se assume terem os sobreiros sido arrancados, embora isso não apareça no relatório da inspecção (IGAMAOT) “porque a informação é sonegada“, afirmou, referindo ainda que “a equipa de sapadores florestais não está a funcionar há muito tempo, só tem habitualmente 2 sapadores e no mês passado teve 3. Os sapadores florestais não têm funcionado e não têm cumprido o seu papel“.
Carlos Matias (BE) não acompanha a vontade da câmara de Mafra no sentido de passar ela assumir a gestão da tapada. No entanto, afirma que a questão do número de sapadores florestais e do número de viaturas ao serviço da tapada, serem questões a necessitar de esclarecimento. Por outro lado, apela ao escrupuloso cumprimento da lei, nomeadamente, da lei laboral, referindo que, a pedido do BE o Ministério do Trabalho respondeu que durante 2017 “foram realizadas acções inspectivas, verificando-se irregularidades em matéria de organização dos tempos de trabalho, ausência de escalas de turno, o que deu origem a processos de contra-ordenação. Irregularidades em matérias de segurança e saúde no trabalho, a inspecção deu um prazo para regularizar, prazo que a entidade cumpriu”.
Depois da inspecção, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) efectuou participações ao ministério público e à IGAMAOT. No plano legal há pois coisas que não estão a correr bem. Há um conflito aberto com os trabalhadores e isto também não é bom sinal. Apelo a que o Ministério da Agricultura acompanhe este assunto muito de perto. [Carlos Matias, deputado do BE]
Patrícia Fonseca (CDS-PP) mostrou-se muito crítica em toda a sua a intervenção. Quis saber como estava a decorrer o processo relativo ao corte de sobreiros na tapada, manifestou desagrado pelo facto de o relatório da inspecção ter sido entregue aos deputados sem os anexos, e referiu que as criticas à acção da actual directora da TNM “vieram de várias entidades e até do presidente da concelhia de Mafra do PS”.
Questionou também o ministro relativamente ao cumprimento do Plano de Gestão Florestal da Tapada, perguntando pelo relatório da auditoria externa relativa à execução deste plano. Criticou também a intenção de proibir a caça no espaço da tapada, “o que se faz aos excedentes, se não houver caça?”
Finalmente, Patrícia Fonseca (CDS-PP) mostrou a sua admiração pela manutenção da actual directora à frente da tapada, “como é que, com tudo isto, mantém a confiança política na actual directora?”
As criticas à acção da actual directora da tapada “vieram de várias entidades e até do presidente da concelhia de Mafra do PS” [Patrícia Fonseca, deputada do CDS-PP]
O deputado do PCP, João Dias, focou a sua intervençao nos problemas laborais e na relação laboral entre a directora e uma parte dos seus funcionários, nomeadamente, quando refere “práticas de assédio moral que levou profissionais a meter atestado médico […] muitas queixas dos trabalhadores […] e a necessidade de reforçar o número de sapadores florestais”. O deputado manifestou a sua confiança na idoneidade do sindicato, quando apresentou, reiteradamente, as muitas criticas dos trabalhadores da tapada ao estilo de gestão imprimido pela actual directora.
Em resposta às questões colocadas pelos deputados, para ilustrar o que terá acontecido no alegado abate de sobreiros, Capoulas Santos citou o auto de notícia da GNR, de 9 de Maio 2017, “os sobreiros em causa e que se encontravam decrépitos e secos eram 3 e foram arrancados por uma máquina que se encontra no interior da tapada ao arranjo dos caminhos, foram derrubados 3 exemplares de sobreiros já decrépitos e sem folhagem” que estavam a pender para um caminho onde passa o comboio dos visitantes, acrescentou o ministro.
Houve práticas de assédio moral que levou profissionais [da tapada] a meter atestado médico [João Dias, deputado do PCP]
Entretanto, o CDS distribuiu aos deputados, o auto da GNR onde também se pode ler que “havia 2 outros sobreiros adultos arrancados, perto de outros, mas estes sem estarem secos, apesar de não apresentarem bom estado vegetativo“.
No que diz respeito ao número de sapadores, o ministro referiu que “até Agosto de 2016 havia 5 sapadores, 2 pediram demissão nesse mês, mas no principio de 2017 depois do recrutamento que ocorreu, a equipa estava completa, tem já os 5 elementos“. No que respeita ao número de viaturas, esclareceu que são 3 e que estão todas operacionais e as viaturas de combate a incêndios estarão também operacionais, à excepção de uma, “que está inoperacional desde há vários anos, tanto que é sucata“.
A câmara de Mafra actualmente recusa-se a participar e a envolver-se na cooperativa e isto tem uma leitura política. O que é que está por detrás disto tudo? Há um aproveitamento político [Lúcia Silva, deputada do PS]
O ministro não desmente que possa haver conflitos com trabalhadores mas diz que esses conflitos deverão ser dirimidos no local próprio. Houve uma queixa na ACT e esta certamente procederá à apresentação do seu relatório e das suas conclusões, e nós faremos a avaliação daí decorrente.
Capoulas Santos informou a comissão de que mandou fazer um Plano Estratégico de Reabilitação da Tapada, plano que aproveitou para por à disposição dos grupos parlamentares.
Na segunda ronda de perguntas, Maurício Marques PSD manteve a defesa dos propósitos da câmara de Mafra (PSD) relativamente à sua vontade de assumir para si, por inteiro, a gestão da tapada, “a autarquia também é estado“, afirmou. Relativamente ao convite de Capoulas Santos fez aos deputados para visitarem a tapada, o deputado do PSD afirmou que “o ministro quer guiar os deputados na visita à tapada”. Acusou também os serviços da tapada de, “antes da visita da inspecção,retirarem os sobreiros arrancados, que estavam bons“.
Capoulas Santos afirma estar “obviamente a ferir interesses. Interesses daqueles que se querem dela [tapada] apropriar e daqueles que a querem utilizar”
Pelo PS, Lúcia Silva afirmou que “a câmara de Mafra actualmente recusa-se a participar e a envolver-se na cooperativa e isto tem uma leitura política. O que é que está por detrás disto tudo? Há um aproveitamento político”.
Durante a audição assiste-se a um conflito aberto entre a deputada do CDS-PP, Patricia Fonseca – que a certa altura refere estar na posse de anexos ao relatório da inspecção, anexos que não tinham sido distribuídos aos deputados – e Lúcia Silva, deputada do PS que relaciona algumas conclusões do relatório do IGAMAOT, com o facto de o director daquele organismo ter sido nomeado por Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura, nomeada pelo CDS.
Dirigindo-se, sem dúvidas, à Câmara de Mafra, o ministro afirma ir “tudo fazer para que todos os intervenientes na cooperativa honrem os seus compromissos e cumpram as suas obrigações”
Na intervenção final, o ministro da agricultura reafirma estar a reabilitar a tapada pela segunda vez na sua vida política, diz saber que está “obviamente a ferir interesses. Interesses daqueles que se querem dela [tapada] apropriar e daqueles que a querem utilizar”. Surpreendente a afirmação peremptória do ministro, relativamente aos conflitos laborais na tapada, “a tapada tem 16 trabalhadores. Se a ACT confirmar que houve algo perecido que fosse com assedio moral a qualquer trabalhador, eu garanto que a presidente [da direcção da Tapada Nacional de Mafra] não estará lá no minuto seguinte.
A tapada era “uma casa desgovernada, era uma casa que dava prejuízo, era uma casa a perder visitantes, era uma casa com os animais mal tratados, e toda essa situação se inverteu”, afirmou o ministro, rematando a sua intervenção nesta sessão da comissão parlamentar, com a afirmação de “tudo fazer para que todos os intervenientes na cooperativa honrem os seus compromissos e cumpram as suas obrigações”.
Estamos conscientes de que o formato do Jornal de Mafra não se coaduna bem com textos desta extensão. Estamos também conscientes de que é menos provável que artigos desta extensão sejam lidos na totalidade pelos nossos leitores. O tema do artigo, a Tapada Nacional de Mafra, uma instituição que é muito querida e acarinhada pela maior parte dos habitantes do concelho, as notícias, ora incompletas, ora contraditórias de que a tapada tem sido alvo, os interesses em presença, interesses políticos, económicos e de visão estratégica, que este tema envolve, levaram o Jornal de Mafra a publicar este artigo, neste formato mais longo e mais pormenorizado.
Finalmente, o pouco interesse que a imprensa, dita de âmbito nacional, dedicou à discussão dos problemas que envolvem a Tapada Nacional de Mafra, no quadro desta audição parlamentar, contribuíram também para a decisão de publicarmos o artigo neste formato. Estranha-se, de algum modo, que perante os conteúdos e as intervenções que ocorreram nesta sessão da comissão de agricultura e mar da Assembleia da Republica, na parte que se referiu à tapada, a imprensa dita nacional, só lhe tenha dedicado três ou quatro linhas, e exclusivamente para referir o fim da caça grossa na tapada.