A Avimafra é uma exploração agropecuária que se dedica sobretudo à criação de porcos. A empresa, que terá um volume de negócios na ordem de um milhão de euros anuais, está instalada desde 1993 no Casal da Mangancha, Santo Isidoro, concelho de Mafra. A Avimafra é dirigida desde 2012 por Dionísio Fiúza Lopes, residente na Póvoa da Galega.
Exploração de porcos está a 20 metros de habitação familiar, este é o título de um artigo que publicámos em Novembro do ano passado. Nele dávamos conta do descontentamento de José Bacalhau, um ex-emigrante cuja habitação está tão perto desta exploração agropecuária, que o cheiro nauseabundo e o batalhão de insectos que lhe invade a propriedade e a habitação, tornam insuportável a sua vida e vida da sua família.
“Dada a proximidade da construção em relação a habitações existentes não concordamos com a construção” [Direcção Geral de Saúde]
José Bacalhau deslocou-se por diversas vezes a reuniões públicas da Câmara de Mafra, para expor o seu descontentamento. Nessas ocasiões, várias vezes, a câmara de Mafra, pela voz autorizada do seu presidente, Hélder Sousa Silva, teve ocasião de referir que a implantação da Avimafra naquele local era anterior à construção da residência da família de José Bacalhau, e que, portanto, este sabia ao que ia quando comprou a moradia, chegando a afirmar que a construção da casa teria sido ilegal, razão pela qual estaria inserida numa Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI). A isto, José Bacalhau respondia que quando adquiriu a casa, o pavilhão que foi entretanto construído a 20 metros da sua habitação, ainda lá não estava.
O Jornal de Mafra publica hoje um grupo de documentos que parece demonstrar que algo correu efectivamente muito mal (ou demasiado bem, dependendo do ponto de vista) aquando da construção do pavilhão da Avimafra naquele local.
“A exploração não deverá causar incómodos a terceiros nem prejuízo à saúde pública” [Alvará de Licença Sanitária]
Em Março de 1985, o Major João Gomes, assina um Alvará de Licença Sanitária que concede a Avimafra, Granja Agricola Lda, licença para explorar uma instalação pecuária de suínos. Pode ler-se que “O concessionário fica obrigado a atender na exploração, a todas as condições impostas em leis regulamentos e posturas”, podendo ler-se mais adiante que “A exploração não deverá causar incómodos a terceiros nem prejuízo à saúde pública”.
“…nem prejuízo à saúde pública.” Esta formulação do Alvará mostrará ser o centro das preocupações do munícipe José Bacalhau.
Em Setembro de 1986, a Delegação de Saúde pronuncia-se nos seguintes termos “Dada a proximidade da construção em relação a habitações existentes não concordamos com a construção”. A formulação é clara, directa, sem rodeios ou passível de interpretação dúbias, “…não concordamos com a construção”.
A esta posição claríssima da autoridade sanitária, responde por ofício datado de 7 de Maio de 1987, o então Presidente da Câmara de Mafra, Ministro dos Santos. Nesse surpreendente ofício, pode ler-se: “Informo vossas excelências que esta câmara municipal em reunião realizada em 27/3/87 deliberou autorizar a construção do 2º pavilhão (procº 371/487 OP) dado tratar-se da ampliação do pavilhão a que se refere o procº 613/986 OP, em virtude da firma proprietária do complexo declarar não haver aumentos de efectivo de animais, sendo já possuidora do respectivo Alvará Sanitário.” A Câmara Municipal avança depois constituindo-se como “advogado” em causa alheia, atente-se ao último parágrafo deste ofício, assim, “Solicito a V. Exa. se dine emitir o parecer que tiver por conveniente, com vista a tentar desbloquear a situação referente aos processos que se encontram pendentes”.
“No que se refere á construção do pavilhão parece-nos alarmante que a Câmara Municipal concorde com uma exploração clandestina (…)” [Direcção Geral de Saúde]
A 12 de Junho de 1987, o então subdelegado de saúde responde por ofício às pretensões do então Presidente da Câmara de Mafra, ofício onde é possível ler que “No que se refere á construção do pavilhão parece-nos alarmante que a Câmara Municipal concorde com uma exploração clandestina, visto que cada pavilhão necessita de Alvará de Licenciamento Sanitário, com aval dos Serviços de Saúde e estes não veem razões para revogar o parecer emitido para a construção”.
É certo que às datas a que este processo correu, a presidência da Câmara de Mafra estava a cargo de Ministro dos Santos, eleito pelo PSD Mafra. Será que actual presidente, Hélder Silva, eleito pelo PSD Mafra, estará sensível para a necessidade de encarar de frente este problema, ou será que pelo contrário, optará por dar respaldo às decisões do PSD dos anos 80? Que mais haverá “escondido” nos arquivos da Câmara Municipal de Mafra?
José Bacalhau tem feito aquilo que lhe compete, não desistir e lutar por aquilo que pensa serem os seus direitos, recorrendo aos meios que tem á sua disposição, e isso compreende-se, viver naquele ambiente é um sacrifício que poucos se disporiam a suportar. Independentemente do desfecho deste processo, este é já um salutar exercício de cidadania.