De ontem e de hoje – O PBX por Licínia Quitério A miúda gostava das tardes quentes de verão na aldeia quando a tia Arminda, encostada a porta da rua da saleta, limpava com um lencinho as pérolas de suor da testa e do decote e se sentava frente ao aparelho do PBX para tirar cavilhas, meter cavilhas, baixar patilhas, levantar patilhas, com o olhinho atento às luzinhas que acendiam ou apagavam. E a voz era doce, delicada, ao dizer, Boa tarde Torres, Dê-me troncas, Ó Torres dê-me o…
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Crónica de Jorge C Ferreira | As guerras
As guerras por Jorge C Ferreira Há dias que custam a passar. Dias estranhos nesta voragem do tempo. São, por vezes, horas esquisitas que nos incomodam. Tempo que ilustra vontades não alcançadas neste mundo complicado que estamos a viver. Degraus que não conseguimos subir. Escadas que não têm fim. Já se fala tanto da guerra que não me quero atrever a falar de tal. Digo apenas que a Rússia invadiu a Ucrânia. Acontecimento que não aceito de modo nenhum, que me custa compreender. O importante é falar do…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Maio minha flor
Maio minha flor por Jorge C Ferreira Como amo este meu Maio. Mês de flores abertas à vida. Mês de gritar a Liberdade desde o seu dia primeiro. Tanto foi o tempo em que esse dia era proibido de comemorar. Arriscar a ser preso. Cheguei a ouvir tiros no Rossio. Muitos eram presos “preventivamente” antes desse dia. Maio sempre foi luta, sangue, dor, mas também alegria, mais um passo para a liberdade inteira. Primeiro de Maio Dia do Trabalhador. Dia a reviver sempre. Chegou Abril e o mundo…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – O fantoche que há em todos nós
Crónica de Alexandre Honrado O fantoche que há em todos nós Haverá algum mundo paralelo onde sejamos capazes de reconfigurar o sensível? É no mundo sensível que podemos criar um antipoder, onde podemos modificar o mundo egoísta e bélico, produtor dos níveis de dominação e de destruição, que impedem a construção do futuro, um espaço ideal em que (nos) transformamos em seres e coisas sustentáveis e de vocação de proximidade e aceitação de todas as diferenças, afinal aquilo que conhecemos por democracia e que traímos a cada passo.…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Falência
De ontem e de hoje – Falência por Licínia Quitério Com voz seca e bem timbrada, a juíza proferiu, nos termos da lei, a sentença: FALÊNCIA. Logo fechou os livros, tirou os óculos e arredou ligeiramente a cadeira para melhor se levantar. Se fosse num filme, teria surgido a palavra FIM sobreposta a uma última imagem definitivamente paralisada. A assistência engoliu por breves segundos a palavra sentenciadora, há tanto esperada quanto temida, que sobre eles acabava de desabar. Os homens e mulheres, de cabeleiras maioritariamente acinzentadas, levantaram-se. Lentamente, sem…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Abril e a vida
Abril e a vida por Jorge C Ferreira Esta montanha-russa que é a nossa vida. Momentos que se sucedem a momentos. Noite e dias. O jogo do Sol e da Lua. Uma vez vi esta dança de astros ao largo da Ilha de Mikonos. Esse meu paraíso encantado. Fiquei a lacrimejar de espanto. Um espanto de sal e luz. O sem saber quem queria namorar quem. Lá, no fundo, admito que gostava que dessem um beijo e se fundissem num incêndio de amor. Muitas vezes estamos eufóricos e,…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Uma presença sem mistério
Crónica de Alexandre Honrado Uma presença sem mistério É logo no início da década de 1980 que Eduardo Lourenço vê publicado um dos (seus) livros que mais reli: O Espelho Imaginário. Fala de pintura, também de antipintura e de não-pintura e como sempre acontece com Lourenço vamo-nos enredando numa linguagem tecedora, das que nos levam às profundezas – às “profundidades vazias da nossa impotência” – mas que nos mantêm à tona, puxados invariavelmente pela inebriante magia do que no pensador resiste do poeta e do que na escrita…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O caixeiro malabarista
O caixeiro malabarista por Jorge C Ferreira Era um dos nossos. Um dos que participava nas conversas sem fim. Um dos que fez parte das nossas aventuras caladas. Sim, era um dos nossos. Morava no último andar de um prédio numas escadinhas perto da Estefânia. Escadinhas que também serviram para muitas descidas arrojadas em tábuas ensaboadas. Nos patamares largos jogava-se à bola. Consta que foi aí que Vítor Damas fez as suas primeiras grandes defesas. Num desses patamares morava outro Amigo nosso. O Pai tinha aí uma fábrica…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Regressar à Ucrânia
Crónica de Alexandre Honrado Regressar à Ucrânia Estive várias vezes na Ucrânia, em várias e distintas qualidades, até fui um dos autores de uma canção do festival da Eurovisão, peripécia de que hoje guardo uma memória esfumada, como se fosse outro eu a passear-me pela green room de Kiev à espera de votações e atuações. Não é importante este episódio, sendo meu partilho-o, considero importante, isso sim, ter estado várias vezes na Ucrânia, ter-me apaixonado pelo país, emergente das velhas repúblicas socialistas soviéticas, tendo reconhecido nele inúmeras qualidades,…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – O banquinho
De ontem e de hoje – O banquinho por Licínia Quitério Eu era pequena, franzina, nos meus oito anos, e o banquinho rectangular, de duas abas fixas, um buraquinho no tampo, dava um jeitão para eu chegar ao parapeito da janela e apoiar os cotovelos. Eu sabia muito pouco da vida que ainda em mim era tão curta, mas lia, sabia ler desde os quatro anos, e lia o que aparecia em casa: O Primeiro de Janeiro ao fim de semana, A República diariamente, chegada pelo correio, com o…
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