Crónica de Jorge C Ferreira
Um sapato especial
Um sapato esquecido. Um sapato castanho. Um sapato do pé esquerdo. Um sapato caro e bem conservado. Onde estará o pé deste sapato? Por que foi abandonado? É só um sapato perdido, mas não deixa de ser esquisito, inquietante. – Foi alguém que quis entrar no ano com o pé direito e devido à impulsividade do salto deixou para trás o sapato do pé esquerdo, sentença ditada por um dos rapazes do grupo. O rapaz que costumava dar mais opiniões, e que nunca se calava. O chato, como lhe costumavam chamar. Outros opinavam que aquilo cheirava a uma história masculina da Cinderela, devia haver um Cinderelo.
– Também pode ser o sapato esquecido de um perneta, diz outro. Apesar de tantas opiniões o mistério adensava-se. As cabeças trabalhavam a mil. As ideias começavam a escassear. Uma coisa era verdade, o sítio onde estava era um lugar aconchegado. Se alguém ali o tivesse deixado por desvario ou loucura, gostava dele.
E se chovesse muito e a chuva se tornasse cheia? E não é que tal aconteceu! Foi então que alguém alvitrou: e se o sapato virasse barco e navegasse rua abaixo até ao rio, passasse a barra e fosse descobrir mundos? Percorresse todos os mares, dobrasse todos os cabos, atravessasse todos os canais? Beijasse todos os portos e continentes? Um sapato descobridor ou viajante, como queiram. Um sapato que nunca se afundasse na procura estranha de um pé desconhecido. Pé que a bota da Sicília encontrou e onde se encaixou de forma perfeita. Tudo isto nos parecem estórias bizarras, paridas por mentes exóticas. Exótico foi ficando aquele sapato clássico depois de ser tocado por tão diferentes civilizações.
O grupo de rapazes ficou atónito quando viu chegar alguém com um pé descalço junto do lugar onde tinha aparecido o tal sapato sem pé. O tal jovem que gostava de opinar, questionou de imediato o fulano:
– Foi o senhor que perdeu aqui um sapato? O senhor do pé descalço respondeu de imediato: eu não o perdi, deixei-o aqui para ver se ele esperava pela minha volta, se me era fiel.
Outro rapaz respondeu:
– Ele foi levado pela cheia, nunca mais lhe pusemos a vista em cima, não fazemos a mais pequena ideia. Só então repararam que o sapato do pé calçado era gémeo do sapato perdido. O sujeito mal calçado, tirou um lenço do bolso e limpou uma lágrima, agradeceu as informações e seguiu o provável caminho do sapato desaparecido. A rua levou-o à beira-rio e foi lá que se sentou esperando que algo quase sobrenatural acontecesse.
Ali esteve tempo e mais tempo. Por ali andou e deixou crescer a barba e o cabelo. Comia o que calhava, sem nunca tirar os olhos do rio. Na cabeça dele viviam ideias dispersas, uma, no entanto, era fixa. O sapato iria aparecer. Viria à sua procura, não tivesse sido a cheia e ele ainda estaria no lugar onde o tinha deixado.
Um dia o fulano avistou algo que lhe era familiar à beira-rio. Com uma bengala que, entretanto, tinha encontrado, puxou-o para si. Não era o sapato que tinha deixado. Estava inchado, cansado, mas tinha um ar feliz. Pegou nele como se fosse uma pessoa especial, limpou-o o melhor que foi capaz e levou-o a um mestre sapateiro a quem pediu encarecidamente que lhe arranjasse o melhor que pudesse aquele sapato. O mestre sapateiro, olhou para o sapato calçado e disse:
– Oh homem, deixe cá os dois e volte daqui a uma semana.
Passado uma semana foi descalço que foi buscar os sapatos. Quando os viu, chorou. Estavam um primor, aquilo só um mágico conseguia fazer. Sentiu-se completo de novo.
«Ouve lá, tu estás a piorar de forma muito apressada.»
Fala da Isaurinda.
«Tu não gostas destas coisas, eu sei. Mas apeteceu-me escrever isto. Desculpa.»
Respondo.
«Desculpa, desculpa, não tarda estás na mesma.»
De novo Isaurinda e, vai, um sorriso especial.
Jorge C Ferreira Janeiro/2025(462)
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Adorei este teu conto!
Admiro a tua imaginação, criatividade e fluência de escrita.
Pegas nas palavras e deixas que voem ao som da melodia da tua imaginação.
E isso é fascinante.
Obrigada pelas viagens que as tuas palavras nos permitem fazer!
Obrigado, Maria, minha grande Amiga. Como adoro as tuas generosas palavras. A minha enorme gratidão. Abraço grande.
Obrigado Fernan, minha Amiga. Que bom que se divertiu. Que bom ter aqui a sua escrita. A minha imensa gratidão. Abraço grande
Jorge…
eu não sei se estás a piorar ou a melhorar…
pelo menos, a escrever de um modo
muito ousado.
interessante, hum…hum…
um sapato esquerdo perdido?
o dono do mesmo que ali o deixou na entrada do novo ano para pôr à
prova a fidelidade do dito?
as viagens levadas a cabo pelo sapato castanho.
arrastado pelas chuvas.
por correntes, outras terras, cabos,
canais, portos e continentes….
o grupo de amigos espantados com
esta estranha ocorrência?
os diálogos inadiáveis?
…e lá seguia o sapato, navegando oceanos, descobrindo ilhas e outras
paragens, rumo a um incerto desti-
no.
o dono, coitado, tão apegado a tal
acessório que esperou pela sua chegada, movido pela esperança
de o ter no descalço pé.
mas existem histórias com finais felizes.
e esta foi uma delas.
gostei muito por ser tão invulgar e mesmo bizarra.
só tu, meu amigo escrivão…!
a fantasia aliada à perda e ao retorno
desejado do acessório querido.
ou de alguém a quem queremos bem…
será?
o certo é que foi um agrado ler e comentar esta incomum narrativa.
a propósito, olha para os teus pés.
estão os dois calçados?
lá deixei escapar uma gargalhada…
estás a ouvi-la?
Obrigado, Mena, minha Amiga. Sempre belos os teus comentários. Claro que ouvi a tua gargalhada. Tanto navegar. A minha enorme gratidão. Abraço grande.
Um conto mágico, tão bem contado. Achei delicioso o que tão bem diz. Vou repetir-me: sempre inteligente a sua imaginação.
Grande viagem fez o sapato, percorreu mares, dobrou cabos e visitou continentes. Tudo isto está na sua memória, meu amigo. Por isso conseguiu dar vida, a este sapato especial.
Lembrou um mestre sapateiro, uma arte em extinção. A sorte que teve o dono do sapato! Valeu-lhe a sua persistência.
É maravilhoso lê-lo, meu escritor de eleição, mestre de literatura arte que tão bem conhece.
A sensibilidade a ternura e o saber consigo.
Grata sempre meu amigo.
Abraço imenso.
Obrigado, querida Amiga. Sempre intensos e generosos os seus comentários. É tão reconfortante ler o que escreve. A minha enorme gratidão. Abraço grande
Adorei. Li. Reli. Sorri.
A história deste Cinderelo supera a outra da Cinderela.. Leva -nos até onde chegar a imaginação. O sapato levado pela maré percorreu oceanos e mares, conheceu outras civilizações. Contra ventos e marés regressou ao local de partida, onde encontrou o pé descalço a que pertencia.Ali estava o fulano que pôs a prova a sua lealdade. O reencontro! Felizes para sempre.
Desafio o autor a contar as aventuras vividas por este sapato , na longa viagem,, sob o sorriso especial de Isaurinha..
Obrigada pela escrita magnífica,
Um abraço.
Abraço
Obrigado, Eulália, minha Amiga. Tão bom o seu comentário. Belíssimo. A minha gratidão. Abraço grande
Amei. Adoro sapatos, grandes companheiros! Espero que um dia o sapato perdido possa encontrar de novo o pezinho que lhe pertenceu! Tenho fetiche por sapatos e trato-os com o maior carinho.. Que seja um final
Obrigado, Claudina, minha Amiga. Tão interessante o teu comentário. A minha gratidão. Forte abraço.
Num repente, olho para os pés … e não encontro os sapatos. Pergunto-me … onde estarão?
O pé direito grita-me … olha para esquerda e visualiza que estás de chinelos … porque estás em casa … não andas a vaguear como costumas de máquina fotográfica sempre pronta … para fotografar pés descalços !
Grande amigo, o que sorri e reflecti na tua história maravilhosa, quem sabe impulso de qualquer sapataria que te provocou !
Brilhante ler-te neste humor excelente onde prendes … diria antes apertas os atacadores de leituras mil.
Grato pelo teu espírito. A estas horas da noite … já descalço pergunto-me, ainda te lembras quando foste trabalhar com sapatos iguais de feitio , mas desiguais nas cores?
Se fosses criativo , escrevias um conto de sapateado, como o teu grande amigo!
Grande abraço!
Obrigado, José Luís, Poeta. Muito obrigado pela tua imaginação. Como fostes atancando os sapatos que te foram aparecendo! A minha gratidão. Abraço grande.
Olá Jorge!
Estória super gira. Diverti-me.
Existem acessórios tão especiais que são o prolongamento de nós próprios.
Não associei ao fetiche do sapato, ahah!
Tenha uma boa semana, proteja-se do frio anunciado.
Abraço🌹🌹🌹