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Crónica de Jorge C Ferreira | O Pão Nosso

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O Pão Nosso

O Forno, a lenha, o fogo, o calor. Amassar A massa a crescer. Fazer a barriga e as maminhas nas carcaças. A Pá enorme de madeira. Os cavaletes e os tabuleiros. Os panos brancos. O pão a sair quentinho. Que cheiro, que estalar. Esse pão que o meu Pai me ensinou. A Padaria era o meu reino.

O pão branco e o pão escuro, o pão de segunda. O respeito enorme pelo pão. O pão sempre na mesa. Sem pão e vinho a mesa não era mesa. O pão sempre de barriga para cima. Nunca ao contrário. Se um pedaço do sagrado alimento caía ao chão, tinha de ser apanhado e, depois de beijado, ficava pronto para alimentar a vida.

As padarias e os depósitos. O pão comprado ainda quente. A entrega ao domicílio. Tarefa que está de volta. O Pão fresco ao pequeno-almoço. Os sacos de pano pendurados nas maçanetas das portas. O hábito do meu tempo de criança. A carcaça “roubada” à vizinha, porque eu gostava mais do pão dela.

“Ir ganhar o pão”. Assim se explicava a necessidade de ir trabalhar. Outros fornos. Os grandes fornos. Outras ferramentas. O azul sujo contra o branco imaculado. O óleo que mascarrava os operários. A farinha branca que dava um toque de anjos aos padeiros. Tanto o que se fazia para ter sempre pão na mesa.

“…o pão nosso de cada dia…” Foi a minha mãe que me ensinou esta frase no meio de uma oração que rezávamos todas as noites ajoelhados, junto à cama, antes de eu me deitar. O Pai Nosso que eu teimava em chamar Pão nosso. Mais tarde aprendi todas estas orações em latim. Outro som, o mesmo sentido. Outra solenidade. Outro conhecimento. Outra crença.

As lutas pelo pão. O pão que significava o alimento. O matar da fome. Quantos não sofreram ignomínias imensas por lutarem pelo que faltava aos filhos! O pobre que pedia um papo-seco. A triste frase: “Pedir não é vergonha, vergonha é roubar.” Ninguém devia ser obrigado a pedir “o pão nosso de cada dia”.

O pão é mais que um alimento. É um símbolo. É a conquista, à força de braços, de conseguir sobreviver. Com o pão não se brinca. Muitas vezes ouvi esta frase. Era de uma gravidade extrema estragar pão. Até o pão duro era aproveitado para muitas coisas. Deitar pão fora era quase uma ofensa.

O “Pão por Deus”. Dia 1 de Novembro as crianças saem à rua em bandos e batem às casas das pessoas a pedirem o tal pão por deus. Uma tradição que se mantém ainda em muitos lugares. Numa aldeia que vivi antes de vir para esta casa, e bem perto daqui a tradição ainda se mantinha. Tínhamos doces em casa para satisfazer tal peditório. Eles lá iam bater a outra porta.

Pão, suave amor, ternura apetecível. Pão de todos e pão para todos, é o que se exige.

«Hoje lembrei-me do meu pão, da minha ilha. Tanta coisa me passou pela cabeça! Obrigado.»

Voz de Isaurinda.

«Obrigado eu, minha querida. Que bom teres gostado.»

Respondo.

«Hoje fiquei sem jeito. Sabes o valor que dou ao pão!

De novo Isaurinda e vai, uma lágrima na mão.

Jorge C Ferreira Julho/2019(210)

 


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