Crónica de Alice Vieira | Mar salgado

Alice Vieira

Mar salgado

Por Alice Vieira

 

Estava eu muito sossegada, aqui há dias, na esplanada da praia do Sul na Ericeira, quando começo a ouvir um homem a recitar:

“Ó mar salgado

Quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal…”.

Conheço-o bem. Trabalha num restaurante aqui perto, mas à hora do almoço, está sempre aqui na esplanada na conversa com uns amigos.

Estranhei ouvi-lo recitar Fernando Pessoa, mas ele continuava:

“Realmente, diante deste mar é só o que apetece dizer…

E repete:

“ Ó mar salgado !

Quanto do teu sal

São lágrimas

De Portugal!  “

Pára durante uns segundos e logo recomeça a falar:

“ Eu nem conheço o homem que disse isto, mas acho que é um pescador que costuma parar muito por aqui. Pelo menos foi o que me disseram…  Acho que ele vem aqui muito e está sempre a dizer isto. Coitado… Também já podia dizer outra coisa. O mar é uma fonte de inspiração, não acham?  Basta olhar para ele e dizemos coisas dessas. Para dizer a verdade, até já ouvi pessoas dizerem coisas bem melhores que essas. Claro que se o mar é salgado é porque tem sal, não verdade? Bem podia dizer coisa melhor…

É claro que os amigos acenavam com a cabeça, para mostrarem que estavam todos de acordo com ele.

Eu estava deliciada a ouvi-lo –e tenho a certeza de que o Fernando Pessoa, esteja ele onde estiver, também deve ter gostado muito do que ouviu

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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