De ontem e de hoje – O Conde Drácula por Licínia Quitério Ouvir falar da Roménia, dos Cárpatos, dos seus castelos, logo me faz vir à lembrança o nome de Bram Stoker, o escritor que deu vida à sua assustadora e sedutora criatura, o conde Drácula, vampiro insaciável de sangue humano, nas noites fabulosas do seu castelo. Drácula veio povoar os primeiros sonhos góticos de uma geração muito marcada pela rigidez dos costumes vitorianos, permitindo inclusivamente alusões à sexualidade proibida e perseguida. Lembro-me de ir ver, com o…
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Crónica de Licínia Quitério | O cachimbo
De ontem e de hoje – O cachimbo por Licínia Quitério – Mas é igual ao outro. Credo! Até me assustei. Só me faltava dar de caras com um fantasma. – Parecidíssimo, de facto. Um pouco mais alto, talvez. E com o cachimbo no canto da boca. O outro não fumava. – Há quanto tempo ela enviuvou? – Dois anos, três. – O tempo passa sem darmos por isso. – O desgosto dela, lembras-te? Não conseguia encarar a casa sem ele. Falava em ir para um convento. –…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Passagem de ano
De ontem e de hoje – Passagem de ano por Licínia Quitério A mulher sentiu-se incomodada pelo ruído da sala de festa, afastou-se discretamente e foi até à varanda. A noite estava fria, húmida, serena. Iluminações festivas nas ruas ao longe. Ali na azinhaga, nome a denunciar caminho sem pergaminhos de rua, luzes só as das janelas, a alegrarem encontros festivos, a teimosia de manter o que se chama tradição, de enganar o tempo, de desejar recomeços. Não tardaria aí o minuto de comer as passas, adoçadas com…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Não há terra como esta
De ontem e de hoje – Não há terra como esta por Licínia Quitério Lúcio gosta da sua terra como da sua mulher. Fala dela como de coisa recebida por graça divina. Minha rica terra, há lá terra como esta, onde é que já se viu um castelo como o nosso. Não vi, nem preciso ver, diz arrevesado para quem tenta contrapor-lhe o gosto com outro gosto. Que mania de dizerem mal do que é nosso, o meu país é o meu país, e esta terra é a…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Falar sozinho
De ontem e de hoje – Falar sozinho por Licínia Quitério Fala muito sozinho, em casa, sem que ninguém o oiça, só o King, cão de raça, cão bonito, fiel como se diz de um cão ou de um criado, sempre obediente às ordens, vem cá King, vai King, quieto King, senta King, deita King, muito mais obediente do que qualquer criado, útil, com aquele olhar de eterno mendigo, só mesmo o King para lhe ouvir os disparates e não os contar a ninguém. Que pode um homem…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Que linda falua
De ontem e de hoje – Que linda falua por Licínia Quitério Era assim a cantilena das meninas, no pátio da escola : ”Que linda falua que lá vem, lá vem, é uma falua que vem de Belém. Eu peço ao Senhor Barqueiro que me deixe passar, tenho filhos pequeninos não os posso sustentar. Passará, não passará, algum deles ficará, se não for a mãe à frente, é o filho lá de trás.” O barqueiro ia decidindo a sorte desta e daquela e da outra, com o dedo…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | A pergunta
De ontem e de hoje – A pergunta por Licínia Quitério A cozinha tinha uma porta que dava para o quintal, e na porta havia um postigo, um quadro de quatro vidros. Naquele tempo, havia muitas moscas que poisavam e caminhavam nos vidros, vagarosas. De tarde, eu observava as moscas que não faltavam ao seu passeio ao Sol, nos vidros virados ao Sul. Chegava-me mais à porta até elas debandarem. Deixavam marcas redondinhas, pequeninas, nos vidros, que limpava com os dedos, quando a mãe não estava a olhar.…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Um tipo comum
De ontem e de hoje – Um tipo comum por Licínia Quitério Era um tipo comum, bom profissional do seu ofício, dedicadíssimo aos patrões, melhor, fidelíssimo, acérrimo defensor se alguém a eles se referisse com irreverência ou mágoa. Dizia para quem o queria ouvir que gostava mais da empresa do que da sua família. Talvez levado por um copito a mais, num dia em que um patrão desqualificou o seu trabalho, perdeu as estribeiras, zangou-se a sério, avermelhou como pescoço de peru, disse ao patrão o que pensava…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Ela tem medo
De ontem e de hoje – Ela tem medo por Licínia Quitério Ela tem medo. Do dia que começou menos mal, mas nunca se sabe como vai acabar. Da noite, porque não há meio de se ver livre das insónias. Deste Verão quente como não há memória, a trazer a calamidade dos incêndios que nada poupam. Deste Inverno, que assim morno só pode trazer o diabo no ventre, as gripes que o digam, para não falar dessas doenças modernas Ela tem medo. Do mundo, que anda tão perigoso,…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Maiorca
De ontem e de hoje – Maiorca por Licínia Quitério Talvez os testemunhos envergonhados de um continente há muito afundado. A meio caminho entre a África e a Europa, as Baleares são um misto destes dois mundos. Nelas se casam a palmeira e a alfarrobeira. O Sol escalda e desidrata coisas e pessoas. O mar é azul e morno e os poentes bruscos e incolores. Ao Verão de Maiorca acorrem gentes do Norte e as praias ficam pejadas de corpos esbeltos e longilíneos coroados de cabeleiras loiras-brancas. Às…
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