De ontem e de hoje – O senhor poeta por Licínia Quitério Eu era uma miúda franzina, pequenina, até dar o salto para a idade de mulherzinha. Vem isto a propósito do que me lembrei por ter estado a ler em jornais antigos a notícia do encerramento do restaurante Irmãos Unidos, no Rossio de Lisboa, e do sequente leilão do recheio. Logo me pus a rever, no filme que só eu realizei, a porta giratória, coisa nunca vista, que dava acesso ao restaurante e pela qual eu entrava,…
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Crónica de Licínia Quitério | Nunca me ouves
De ontem e de hoje – Nunca me ouves por Licínia Quitério Ele não se apercebeu da proximidade do lago até sentir o chape-chape das rodas, as do lado direito. Logo parou, não fosse atolar-se. Disse-lhe que esperasse, que saísse do carro pela porta do lado dele. Ela não esperou, abriu a porta e saiu, deixando-o nervoso, inquieto. É por isso que não se cala sobre o assunto: ”Nunca me ouves. Ou não ligas. Não queres saber. Eu disse-te que esperasses para saíres pela porta do meu lado.…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Passeios de Domingo
De ontem e de hoje – Passeios de Domingo por Licínia Quitério Ela era uma mulher ruiva, com cabelos naturalmente encaracolados e revoltos, com a pele pejada de sardas a mancharem o fundo leitoso. As ancas possantes, os seios ainda firmes, os artelhos finos de cavalo de raça, davamlhe um ar picante que provocava olhares gulosos dos homens do bairro, pouco habituados a mulheres como a Elvina do Marreco. Como resumia o malandreco do empregadito do Café: “Apanhá-la…” Davam curtos passeios ao Domingo, de braço dado, pelos jardins…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Formiguinha
De ontem e de hoje – Formiguinha por Licínia Quitério Formiguinha, asinha, asinha, formiguinhas, formiguinhas, à cata nas prateleiras, pega aqui, larga acolá, não preciso, não preciso, sempre levo, sempre levo, posso vir a precisar, é assim, nunca se sabe, mais barato, tão barato, levo três, só de uma vez, larga isso, larga isso, olha que a mãe está zangada, e cansada, e cansada, anda lá que tenho pressa, e o almoço, quem o faz, novas marcas, marcas brancas, muitas, muitas, muitas marcas, eu sei lá se esta…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Era uma vez um inglês
De ontem e de hoje – Era uma vez um inglês por Licínia Quitério Era uma vez um inglês, súbdito de Sua Majestade a Rainha Isabel, a primeira do seu trono, senhora de grande pudor e maior religiosidade. Grande era a urgência de Sua Majestade em combater os católicos, derrotá-los, custasse o que custasse, que bastava de heresias, mordomias e ousadias, com anglicanos disputadas. Foi nesse tempo de feroz guerrear que Dom Francis Trezian, desapossado de títulos e propriedades, meteu pernas a navio e ala que se faz…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Vou ali e já volto
De ontem e de hoje – Vou ali e já volto por Licínia Quitério Ai a minha cabeça, ai a minha cabeça, é o que oiço em voz de mulher quase gritada vinda de um assento atrás do meu. Imagino-a ao telefone com alguém lá de casa que lhe diz, para sua grande aflição, que não apagou o gás do fogão, ou que deixou o gato fechado no roupeiro, ou se esqueceu da sogra no supermercado. Isto imagino eu porque de facto nada sei de toda aquela…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Os blogues
De ontem e de hoje – Os blogues por Licínia Quitério Reproduzo hoje um excerto de texto que escrevi no princípio do século quando os blogues estavam em grande divulgação. Não tardou a chegada das “redes sociais”, mais interactivas mais sedutoras, que hoje fazem parte do nosso uso e das nossas preocupações, chamem-se Facebook, Instagram, Linkedin, TikTok, etc. e o que logo mais surgirá. O mundo não pára e a imaginação dos homens também não. “… A proliferação dos blogues atrai as atenções de especialistas em ciências sociais…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Mercados
De ontem e de hoje – Mercados por Licínia Quitério Agora que o Mercado Municipal de Mafra foi renovado, ao gosto dos modernos mercados por esse país fora, agora que já pouca gente lhe chama “Praça”, lembrei-me de deixar aqui excertos de um texto que escrevi há muito. Para memória futura, das gentes, das falas, desse ontem com outro sabor, outro ritmo: NA PRAÇA Vai-se à praça dar uma espreitadela. Da entrada, abarca-se com o olhar os tabuleiros mais distantes, semi-cerrando o olhar, aconchegando o casaco a afastar…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | A ouvidora
De ontem e de hoje – A ouvidora por Licínia Quitério Devo ser uma boa ouvidora, já que amiúde me procuram pessoas para que eu as oiça. Chegam e ficam, durante horas, a falar, a contarem-me histórias, verdadeiras ou inventadas, tristes ou alegres, vulgares ou inverosímeis. Vidas que parecem banais, lineares, que no desfiar da voz se desenrolam, se desdobram, se alimentam, se excedem, se sossegam. Não sei quantas histórias já ouvi, quantos relatos de amores, de dores, de perdas, de carências, de desditas, também de comicidades, de…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | O lenço
De ontem e de hoje – O lenço por Licínia Quitério Trazia um jornal desportivo dobrado debaixo do braço. Baixote, franzino, poderia parecer mais novo, não fora aquele desalento nos cantos da boca que o bigode grisalho não lograva esconder. Teve dificuldade em fazer rodar o manípulo da porta do café, o que indiciava não ser frequentador habitual. Com olhar rápido, avaliou qual das mesas disponíveis lhe seria mais conveniente. Escolheu a do canto, longe da entrada e do balcão. Mal ele se sentou, a D. Mimi, sempre…
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