Crónica de Jorge C Ferreira | A espera

Crónica

 

A espera
por Jorge C Ferreira

 

A espera. O tempo que não passa. Quando o desespero torna tudo mais longo. Um tempo que não mata o tempo. Nem uma dor física. Apenas as outras dores. Dores que se prolongam. Dores invisíveis. Dores que os outros não ouvem. Nem um grito, nem um gemido. Apenas a face contraída. A boca triste.

A espera pode matar. Esperar por uma namorada numa esquina combinada e o tempo a perder-se no tempo. O seu perfume que teima em não se sentir. O rocegar do tecido da sua saia que teima em não se ouvir. Por onde andará a perdição cuja ausência nos faz sofrer? Quando os sinais acontecem e os seus lábios se juntam aos nossos acontece o princípio de tudo, o fim do sofrimento.

Quando alguém que amamos parte para longe. Para lugar incerto. Quando a sua imagem se mantém, apesar de tudo, viva na nossa mente. Há quem se recuse a ir à despedida. A coragem que ultrapassa a dor. Um calor imenso no corpo. O outro corpo gelado. Todo um acontecer de contradições. De tristezas, se calhar, sem razão de ser. Os lenços molhados. O fim do tempo?

Esperar pelo tempo para além do tempo. Uma imensidade de dúvidas. A fé inquebrantável e a falta de fé. Para uns o fim de tudo. Para outros o princípio de algo novo. Há quem tenha uma vontade, quase única, de visitar o futuro. De não ser capaz de esperar o seu tempo. Saltar de um penhasco sem saber voar. Do fim da história nada sabemos. Ninguém sabe. É tudo uma questão de fé. Nada pertence ao mundo do racional.

lj

Cansado de esperar partiu sem rumo. Fez caminho caminhando. Fez luz, iluminando. Até de ti se fez luz. Uma coisa rara naquele corpo baço. Foi a busca do incerto que lhe mudou a vida. Subiu onde nunca tinha subido. Atravessou rios que nunca tinha visto. Rios de onde saía sempre enxuto. Água iluminadas por estranhos sombreados. Árvores que pareciam encantar o sol. Tudo era novo. Pensou que tinha dado a volta à vida. Chegou à casa de partida e por ali se deixou ficar. Diz que não sabe se alguma vez partirá de novo.

A tal namorada que trazia odores, sabores, alegrias e matava o tempo e a espera, houve um dia em que não apareceu. O tempo foi passando. A espera começou a ser uma dor imensa. Ele não saía daquele lugar. Foi esperando. Passaram dias e noites. Passaram vidas. O aroma daquele perfume nunca mais apareceu. As suas elegantes pernas nunca mais se deixaram ver. O calor dos seus lábios grossos e vermelhos nunca mais aqueceram os seus. Gelou de espera. Dela mais ninguém soube.

Trinta cavalos partiram à desfilada numa praia com um areal enorme. Chegar ao mar naquela praia era um cansaço. Os cavalos galopavam e as suas crinas abanavam o vento. Não sei que procuravam, não sei se alguém os esperava. Os cavalos cada vez aceleravam mais o galope. Da praia não se via o fim. Os cavalos, cada vez mais uma vontade de ver. Iam já longe. A maré ia enchendo, mas o areal continuava enorme. Dos cavalos presumíamos que deviam continuar a galopar. Para onde, não sabemos. Se alguém os espera, ignoramos.

«Eu sei o que a espera custa. Temos de ter força e coragem.»

Fala de Isaurinda.

«Eu sei, minha querida. Mas é um tempo de sofrimento.»

Respondo.

«Mas temos de o superar. Ir buscar força aonde não sabemos.»

De novo Isaurinda e vai, a persignar-se.

Jorge C Ferreira Abril/2023(392)

 


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velhinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira


Leia também

14 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | A espera”

  1. Ferreira Jorge C

    Obrigado Manuel. A sua imensa generosidade. A alegria de o ter presente neste espaço. Abraço grande.

  2. Regina Conde

    A espera e a esperança do belo minuto seguinte. A vida está repleta de esperas. O mar anseia o teu olhar de Poeta. Abraço meu Amigo

    1. Ferreira Jorge C

      0brigado Regina. As esperas e as vésperas. Saber do tempo. Saber do desencanto. Grrato pela tua presença. Abraço

  3. Jorgete Teixeira

    Gostei muito da crónica.
    Há dias em que o que lemos vai ao encontro daquilo que sentimos. Foi o caso.
    Abraço

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Jorgete. Por vezes as vidas acertam-se. Por vezes os csminhos confluem. Grato por estar aqui. Abraço

  4. Maria Luiza Caetano Caetano

    Falar “da espera não sei.” Embora na vida, haja tantas esperas.
    Li o que divinamente escreveu, são sempre mais doces, as palavras do poeta. Gostei tanto.
    Vamos esperar. “ É tudo uma questão de fé.” Obrigada meu amigo.
    Abraço imenso.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Luiza. Sempre belos os seus comentários. A minha imensa gratidão pela sua presença constante. Abraço grande

  5. Eulália Coutinho Pereira

    Excelente. Tudo dito e tão bem dito,como só os Poetas sabem fazê-lo.
    A espera acompanha a vida em todos os momentos. É uma viagem em que o destino é desconhecido. Enigma. Incerteza. Encontros e Desencontros.
    Esperar pela justiça, pela igualdade.
    Esperar pela liberdade e ter esperança no mundo melhor.
    Esperar pelo abraço. Saber esperar em cada dia.
    Obrigada Amigo, por estar desse lado.
    Grande abraço.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Eulália. Sempre os comentários assertivos e generosos. Sempre um gosto lê-la. A minha gratidão. Abraço grande

  6. Ivone Maria Pessoa Teles

    A Espera. Tanta espera tem a Vida. Até para nascermos, esperamos 9 meses. Há ansiedade na Mãe que nos espera; às vezes também no pai. Vamos vivendo e crescendo, esperando a vida de ” gente crescida “. E essa VIDA, se tudo correr bem, acaba por chegar. E é então aqui que, sem esperar, roubo o teu texto. Podia copiá-lo porque não sei escrever nada sobre ” A Espera” tão bem como o fizeste. Gostei tanto desta tua espera(s). ” A espera desespera ” diz-se. Na espera há, quase sempre (?), encontros, ou desencontros. Alegrias e, ou tristezas. Quase sempre algum sofrimento. Meu querido Amigo/ Irmão, a espera de um abraço de comunhão de corações. Temos de ter força e coragem, dizes. Quantas vezes a espera suplanta o gosto do encontro, da chegada? Gostei das tuas palavras. Beijo/ abraçado da ivone.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Tão bom o wue escreveste. As comunhões da nossa vida. A vida que tentamos sentir. A espera que cansa. Muito grato por estares aqui. Abraço enorme

  7. José Luís Outono

    Leio-te e imagino-me numa sala, onde uma bela ilustração cinematográfica traça planos imagéticos de sentires e olhares.
    Tão belo seguir os capítulos do teu acto de realizar, e questionar os momentos da vivência muito bem encenados num filmar escrito e sempre apelativo.
    Abraço muito grato, por estes momentos de partilha que me suavizam o ler e reflectir da tua pessoa, por vezes em encontros com a minha … onde dialogo calendários por vezes idênticos.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado José Luís, poeta. As imaginações da nossa vida. O filme que vamos escrevendo. Os frames de um mundo inventado. Grato pela tua presença. Abraço forte

  8. Manuel Costa Silva

    De excelência, “A Espera” última Crónica de Jorge C. Ferreira…Adorei !…

Comments are closed.