Crónica de Alice Vieira | Tradições da Ericeira

Alice Vieira

 

Tradições da Ericeira
Por Alice Vieira

Algumas pessoas cá da terra pediram-me que falasse aqui—era realmente o lugar adequado–de algumas tradições da Ericeira.

Eu não sou especialista da história da Ericeira—mas elas ainda eram menos…

Vamos começar talvez pela palavra “jagoz” que é nome que se dá a alguém que é natural da Ericeira.

É evidente que tudo isto é um supônhamos, porque certezas, certezas ninguém tem.

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Diz-se que foi o primeiro nome da Ericeira, e vem do tempo dos fenícios. Mas na Idade Média,  já apareciam referências à “Eyriceira”. Sabe-se que aqui havia uma devoção antiquíssima num santuário dedicado a uma deusa—e que por cá andaram visigodos, romanos,  fenícios, gregos e,mais tarde, árabes

Basta visitar o espólio do Museu da Santa Casa da Misericórdia, aqui na Ericeira, para depararmos com imensos achados dessas épocas.

Por isso se pensavam que os primeiros a viverem aqui tinham sido a D. Amélia e o rei D. Manuel II, aguardando a partida para o exílio… – desenganem-se.

E agora vamos lá a outra tradição: a chamada “caneja da infundice”. Se forem ao dicionário verificarão que “caneja”é nome de um peixe semelhante ao cação, e “infundice” é lixívia de urina.

Segundo a lenda, um pescador terá pescado um peixe grande, embrulhou-o num jornal, mas ia cheio de pressa de chegar a casa e nem se lembrou de o levar. Só foi buscá-lo uma semana depois. E, como era pobre, não deitou fora o peixe, que foi comido em casa, dizendo ele “que era a única carne que eles podiam lá comer”

Esquecendo as lendas,  o que é, realmente, a “caneja da infundice”?

Pega-se na caneja, retira-se a cabeça e as barbatanas, lava-se tudo muito bem com água salgada, corta-se em postas largas mas não as separando e, após bem escorrida a água, coloca-se um pouco de sal entre as postas e um pano de algodão entre elas para não se tocarem. Embrulha-se depois a caneja toda num pano de algodão maior e coloca-se  dentro de um saco de serapilheira, guardando-a num local alto e escuro

Ao fim de uma semana  retira-se, desembrulha-se, tiram-se todos os panos e coloca-se de novo em repouso até à altura em que decidirmos comê -la.

Com tanto pano e tanto repouso devem imaginar como está o peixe. E assim é que bom, juro-vos eu!

De acrescentar que no dia 25 de Novembro de 2015 foi lavrada e registada a escritura da Confraria da Caneja da Infundice, pelos seus primeiros seis membros, a saber, Helder Sousa Silva, Filipe Abreu, Artur Lopes, Luís Afonso, José Caré Júnior e Gabriel Campos.

E ficamos por aqui, meus amigos, que me está a dar uma fome que nem vos conto…

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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